Neta do industrial António Champalimaud, Maísa Champalimaud, de 27 anos, sente no apelido o peso da responsabilidade. Apaixonada pelas artes desde sempre, resistiu aos planos que os pais tinham para ela e decidiu tornar-se artista plástica. Hoje, dedica-se por completo à sua paixão, mas admite que só o pode fazer porque tem a sorte de trabalhar como administradora não executiva na empresa do pai, José de Mello Champalimaud, garante da sua independência económica.
Foi no seu ateliê, em Lisboa, entre telas, pincéis e tintas, que Maísa falou do seu percurso e contou que o facto de ser disléxica a fez perceber que não há obstáculos na busca do que se quer.
– Como surgiu essa paixão pelas artes plásticas?
Maísa Champalimaud – Acho que muito cedo. Sempre fui uma contadora de histórias, sempre conversei imenso, sempre gostei de dançar… Aos seis anos colecionava boiões de tinta. Não me lembro de mim sem pintar ou desenhar. Pensava que seria atriz porque só me queria expressar. Sou disléxica, mas sempre gostei de escrever, embora os professores sublinhassem a quantidade de erros que dava… Deviam-se à dislexia, claro. E quando olho para trás entendo que tudo aquilo era o começo do que eu queria ser, da forma como eu me queria ouvir e dar a conhecer.
– Como é que lidou em criança com essa dislexia?
– Hoje em dia já se entendem as diferenças entre as crianças, mas nessa altura não e isso criou-me imensas inseguranças. Achava-me menos capaz do que os outros, mas ao crescer percebi que isso poderia ser superado. Lembro-me de trocar os ‘f’ pelos ‘v’… E agora que estou a dar esta entrevista estou cheia de medo de confundir as palavras.
– E quando é que decidiu que queria seguir esta área?
– Os meus amigos sempre me disseram que devia seguir artes, mas eu achava que teria de ir para Direito ou Economia. Aos 16 anos, e por insistência de um professor que me incentivou a pintar a óleo, percebi que aquilo me completava. Nada mais me satisfazia. Cheguei ao 12.º ano perdida, pois na minha família incentivavam-me a seguir Gestão ou qualquer coisa que me desse um emprego estável. Mas sentia que queria mesmo ser pintora. Nesse ano disse à minha avó paterna, que me mimava muito, que gostava mesmo era de pintar e ela lembrou-se de uma prima que pintava em Florença. Fui lá conhecê-la e isso foi muito importante para mim. Falou-me de um retratista de Cascais, o Luís Guimarães, e quando regressei liguei-lhe, cheguei lá sem saber de nada de pintura a óleo e ele mandou-me pintar uma tela, um retrato de uma mulher, em duas horas. Fi-lo e ele disse que me ia ensinar. Foi um dos melhores anos da minha vida. De repente senti um misto de emoções, pois os meus amigos estavam a viver as primeiras emoções do mundo académico e isso fazia-me sentir fracassada, mas por outro lado sentia-me muito realizada com o que estava a fazer. Quando estava a pintar nem dava pelo tempo a passar, não sentia fome nem sede e não percebia como podia haver algo em mim superior a tudo o resto. Depois fui para a Faculdade de Belas Artes e a partir daí estava apaixonada pelo que fazia.
– Referiu que para a sua família não foi fácil aceitar essa paixão pela arte. Quando se deu essa mudança?
– O meu pai adora pintura e sou a única rapariga em três filhos, por isso sempre fui muito mimada por ele, que aceitava que eu fizesse qualquer coisa. Acho que foi mais difícil para os meus irmãos e para a minha mãe, mas assim que perceberam que eu levava isto a sério, aceitaram logo. Acho que ser artista ainda está muito associado à falta de regras e eles perceberam que não era o meu caso. Sou capaz de acordar às 5 da manhã para pintar, passo muito tempo sozinha e acho que eles perceberam que isto era tão sério como tirar um curso de Gestão. É um dom que tem de ser exercitado diariamente.
– Com o seu apelido, sente que tem de se superar?
– Acho que sim. Ter este apelido dá-me um sentido de responsabilidade que me leva a esforçar-me ainda mais.
– Como surge a inspiração?
– Acho que tudo à minha volta serve de inspiração. Adoro viajar e sempre que o faço passo imenso tempo em museus e galerias. Acho que sou uma construção de tudo o que vejo e vivo. O método de trabalho surge de forma natural e aleatória. Não faço esboços, tudo é uma surpresa. Normalmente faço uma tela por dia, pois tenho sempre medo que no dia seguinte o meu humor ou até a minha mão estejam diferentes e influenciem aquele trabalho de outra forma. Quando começo uma coleção, acabo-a num mês. Tudo interfere na minha vida e no trabalho que faço. Sou muito apaixonada pela vida e isso também me torna instável. Vivo tudo com uma intensidade brutal. Por isso, se tenho uma ideia, o melhor é concretizá-la o mais depressa possível.
– E já consegue viver somente deste trabalho?
– É complicado. Tenho dois trabalhos que nada têm a ver um com o outro, mas que se complementam. Trabalho com os meus irmãos na empresa do meu pai e sou uma sortuda, porque consigo conciliar isso com a pintura. Já que tenho a sorte de ter um trabalho fixo que se torna a base do meu sustento como pintora, sinto obrigação de me esforçar muito mais.
Maísa Champalimaud: “Com este apelido sinto a responsabilidade de me esforçar”
A neta do empresário António Champalimaud foi muito próxima dos avós, em especial com a avó, Maria Cristina de Mello, que diz ter sido quem mais a apoiou na altura em que decidiu seguir o sonho de se dedicar à pintura.
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