Aos 41 anos, Mariza sente-se uma mulher plena. Com uma carreira de sucesso, leva o nome de Portugal a todo o mundo, distingue-se pela voz e carisma e o reconhecimento é diário. Doze anos depois de se ter dado a conhecer ao mundo naquela que é a maior montra de world music, a fadista recebeu o prémio Artista Womex 2014 – equivalente ao Grammy da world music – numa cerimónia emotiva e com grande significado para ela.
Com milhares de discos vendidos e inúmeras distinções, a fadista vive uma nova fase e, em conversa com a CARAS, conta o que mudou nestes três anos com o nascimento do filho. Fruto do casamento com o empresário António Ferreira, Martim é o centro das atenções da cantora que, diz, reaprendeu a viver e a dar valor ao que é realmente importante.
Feliz e serena, para 2015 promete um novo álbum, com uma sonoridade que represente melhor a sua vida de hoje.
– Doze anos depois de se ter estreado naquela que é uma das maiores montras de músicas do mundo, voltou para receber o prémio Artista Womex 2014. Em palco, apresentaram-na como “a nova Amália”. Como se sentiu?
Mariza – Fiquei muito emocionada e houve um momento em que quase comecei a chorar. À saída do palco procurei os olhares das pessoas, como faço sempre, porque é importante para mim, e senti um carinho tão grande que quase desabei. Odeio chorar em público, acho que é muito feio.
– Porquê?
– Há pessoas que olham para mim e percebem o que estou a sentir, mas é possível que haja quem pense que estou a “fazer fita” e é isso que me faz confusão. Não consigo equacionar que alguém possa achar que o que eu estou a fazer é falso, porque quando subo ao palco não há um momento que seja maquinado.
– Durante a sessão fotográfica, a caminho do auditório, aproveitou para passear um bocadinho e até comprou uns brincos. Consegue ir conhecendo os locais por onde passa?
– Foi uma manhã atípica, mas gostei do passeio. E como me tinha esquecido de trazer brincos, vi estes e achei-os bonitos. Mas não é muito usual ter este tempo. Desde que o Martim nasceu que, quando tenho de viajar, saio de Lisboa o mais tarde possível e tento regressar o mais cedo possível, para poder estar com ele.
– Como diz a sua nova música, “o tempo não para”. A falta de tempo é um dos males do século XXI…
– Há dias fui jantar com o Miguel Gameiro e perguntei-lhe como é que ele se lembrou de escrever esta letra. Ele contou-me que estava a conversar com a mulher e ela sugeriu que ele escrevesse algo que tivesse a ver comigo e falasse de tempo. E assim nasceu a O Tempo Não Para. Disse-lhe que foi a mão de Deus que o ajudou, porque não podia ser mais assertiva. É exatamente isto que peço a Deus todos os dias, que me dê tempo para ver o meu filho crescer. Quero muito que ele seja um homem às direitas.
– Mas a verdade é que o tempo não para e o Martim já tem três anos. Como tem sido?
– Têm sido três anos maravilhosos. Sou uma mãe muito babada e o Martim surpreende-me todos os dias. Ele é bilingue, fala português e inglês, e, como todas as crianças bilingues, ainda fala pouco. Então, está na fase em que mistura as duas línguas na mesma conversa, é muito engraçado. E também gosta muito de cantar, é super afinado, e é louco pela guitarra portuguesa. Às vezes chega ao pé de mim com a guitarra pequenina que tem e pede-me para cantar as músicas dele. Mas também adora esse tema de que falávamos, fica quietinho a ouvir. E quando eu pergunto de quem é a música, ele responde que é do Martim.
– Hoje tem uma vida plena, com uma família feliz e uma carreira de sucesso.
– É maravilhoso poder ter os dois lados da moeda. Não podia escolher uma vida melhor. Tenho a família que sempre idealizei: um marido fantástico, os meus pais são os meus heróis, e o meu filho veio ensinar-me o que é o amor. O Martim ensinou-me o que é realmente importante. Às vezes olho para ele e digo: és tão pequenino e consegues ensinar-me tanto… Ele tem um peso incrível na minha vida e não há nada que eu faça sem pensar na família. Antes só pensava na música. Hoje continuo a precisar de música para respirar, mas tenho uma família que amo e está sempre no meu pensamento.
– Planeado não poderia ter corrido melhor: durante 12 anos construiu uma carreira de sucesso e agora pode geri-la mais tranquilamente…
– É por isso que acredito em Deus e no destino. Cada vez tenho mais a certeza de que nada na vida acontece por acaso. Mesmo nada. Às vezes acontecem coisas que nos fazem questionar tudo, mas, mais cedo ou mais tarde, acabamos por perceber o seu sentido. Hoje vivo intensamente, estou a redescobrir-me, e a descobrir o amor, a família.
– Renasceu depois do grande teste que foi o nascimento do Martim, que nasceu prematuro. Imagino que tenha questionado tudo…
– O nascimento do Martim foi um teste gigante… E sim, questionei Deus, a minha vida e se queria voltar a cantar. Acho que se tivesse acontecido alguma coisa ao Martim nada mais faria sentido.
– Três anos depois, acha que o que aconteceu foi um teste para saber quão forte é?
– Foi. Testei a minha capacidade de encaixe e aprendi imenso. São provas que doem muito, que põem a vida à prova, mas acredito que há pessoas que já passaram por coisas piores. Há três anos Deus mostrou-me que, afinal, a música não é o que vem em primeiro lugar na vida, como eu pensava. Em primeiro lugar está este ser humano que me veio pôr à prova. Quando estive internada, antes do nascimento do Martim, o meu marido perguntou-me muitas vezes se eu tinha a certeza do que estava a fazer e eu pedi-lhe para confiar em mim, sabia que ele ia nascer. Quando o Martim nasceu é que questionei a decisão que tinha tomado: afinal, tinha sido eu a decidir não interromper a gravidez. Seria correto colocar o meu filho, o meu marido, os meus pais, naquele sofrimento atroz? Quando se vê um bebé tão pequenino, com 500 gramas, a lutar todos os dias, questiona-se tudo. Mas quando ele veio para casa foi inacreditavelmente bom.
– Pensa ter outro filho?
– Sinceramente, nunca pensei nisso, mas a verdade é que também nunca tinha pensado em ter filhos. Sempre disse que um dia havia de acontecer até que aconteceu. E ainda bem que aconteceu. Acho que se tiver mais um filho é porque tem de ser, porque Deus quis. Mas não gosto de fazer grandes planos porque a vida com planos não tem muito interesse. O Martim é um menino super feliz, tem muitos amigos, e não sei se irá sentir falta de um irmão se isso não acontecer. Não sei o que a vida me vai trazer, mas a verdade é que tenho 41 anos e seria uma grávida de risco. Está na mão de Deus e do destino.
Realizada e feliz, Mariza reconhece: “Tenho a família que sempre idealizei”
A CARAS acompanhou Mariza no dia em que recebeu o prémio Artista Womex 2014, em Santiago de Compostela.