É tão genuíno que chega a ser desarmante.
Mico da Câmara Pereira, 51 anos, está sereno, de bem com a vida e a fazer o que mais gosta: cantar. E desta vez, fado. Embora não imponha limites à conversa, pede discretamente para começarmos a falar da música antes de lhe perguntarmos como tem sido este ano e meio depois da separação da arquiteta
Joana de Sousa Cardoso, e como gere a rotina dos dois filhos,
Afonso, de 11 anos, fruto desta última união, e
Francisco, de 18, do seu primeiro casamento, com
Maria João Lima Mayer. Respeitamos o pedido.
Mico da Câmara Pereira, 51 anos, está sereno, de bem com a vida e a fazer o que mais gosta: cantar. E desta vez, fado. Embora não imponha limites à conversa, pede discretamente para começarmos a falar da música antes de lhe perguntarmos como tem sido este ano e meio depois da separação da arquiteta
Joana de Sousa Cardoso, e como gere a rotina dos dois filhos,
Afonso, de 11 anos, fruto desta última união, e
Francisco, de 18, do seu primeiro casamento, com
Maria João Lima Mayer. Respeitamos o pedido.
Mico, diminutivo de Domingos, nasceu e cresceu em Évora, com os pais e os sete irmãos, e já em criança cantarolava. Um dia, numa festa em que estava a cantar uns fados, foi malcriado e o pai pô-lo de castigo. Nunca mais cantou. Andou afastado da música até à adolescência, altura em que entrou para a tuna do liceu de Évora. A isto seguiu-se um percurso musical ao lado do irmão
Nuno da Câmara Pereira. Tocava cavaquinho e entoava uns temas. Cansou-se, pegou na viola e pôs-se a cantar à noite em bares. Fez o que lhe apeteceu. Durante muitos e muitos anos. E só agora, depois dos 50, achou que tinha maturidade suficiente para editar um disco de fado, que coincide com uma nova etapa na vida. Está sozinho, a viver na zona da Praia das Maçãs, e já não tem um sítio fixo para cantar. Prepara-se para, no dia 21 de fevereiro, subir ao palco do Teatro Garcia de Resende, na sua terra natal.
Nuno da Câmara Pereira. Tocava cavaquinho e entoava uns temas. Cansou-se, pegou na viola e pôs-se a cantar à noite em bares. Fez o que lhe apeteceu. Durante muitos e muitos anos. E só agora, depois dos 50, achou que tinha maturidade suficiente para editar um disco de fado, que coincide com uma nova etapa na vida. Está sozinho, a viver na zona da Praia das Maçãs, e já não tem um sítio fixo para cantar. Prepara-se para, no dia 21 de fevereiro, subir ao palco do Teatro Garcia de Resende, na sua terra natal.
– Uma grande responsabilidade cantar em Évora, não?
Mico da Câmara Pereira – Tinha seis anos quando subi a esse palco pela primeira vez para cantar. E agora, tantos anos depois, vou viver a alegria de lá voltar. É um prazer muito grande e vai ser emotivo, não sei se vou aguentar sem chorar…
– Porquê só agora um disco de fado?
– Só agora sinto que tenho maturidade suficiente e está a dar-me um gozo brutal.
– Até porque conta com a participação de algumas pessoas que admira…
– Sim, o Silvestre Fonseca, a Olga Prats, a Mafalda Arnauth, o Luís Represas, os meus irmãos Nuno, Gonçalo e Francisca, a Noa, a Samantha Castilho, e ainda conto com a genialidade da Mafalda Veiga, que escreveu uma letra brilhante, que eu não conseguiria nem nos meus melhores dias, para o fado Rua do Capelão, que tantas vezes ouvi a minha mãe cantar enquanto fazia a lida doméstica. Agora a letra fala de saudade e é o fado que abre os meus espetáculos e o primeiro do meu CD.
– Há coisas de que tenha saudades?
– Tenho imensas saudades dos meus pais, eram os meus melhores amigos. Às vezes ainda pego no telefone para lhes ligar…
– Deixou alguma coisa por dizer-lhes?
– Os meus pais sabiam exatamente – e felizmente – o amor que eu tinha por eles. E tenho a consciência de que tudo fiz para que, nos últimos anos de vida, tivessem conforto e carinho. E também não tenho dúvidas do amor que eles tinham por mim.
– Faz o mesmo com os seus filhos? Diz-lhes tudo o que sente por eles?
– Sim, tenho a certeza de que eles sabem o quanto os amo e o quanto tenho saudades deles. São miúdos bem formados, sensíveis e serenos. Quero que eles tenham em mim um grande amigo e estou aqui para o que eles quiserem.
– Porque nenhum deles está consigo a tempo inteiro… Imagino que lhe custe sobretudo estar longe do Afonso, que é o mais novo e com quem viveu durante 11 anos…
– Sim, claro. A parte mais difícil da separação é acordar e não ter lá o Afonso. Quase todos os dias era eu que o levava para a cama e são mimos que me fazem falta. Felizmente eu e a Joana damo-nos bem e ele está comigo quando entendemos. Não há horários rígidos.
– Foi um divórcio que ficou bem resolvido?
– Sim, pacífico. A Joana é bem formada, estável, equilibrada, é mãe de um filho meu e a nossa preocupação é o Afonso.
– Lamenta que tenham seguido caminhos diferentes?
– Quando nos casamos, é para a vida. O meu primeiro casamento durou nove meses e este 11 anos. Quando me casei nunca pensei que iria separar-me, ainda por cima com filhos. Por isso é sempre de lamentar, principalmente pelos filhos. Os grandes sofredores disto tudo não somos nós, temos idade para ter juízo e a culpa é sempre nossa.
– Os primeiros tempos são difíceis?
– São de adaptação, mas também depende da maneira como nos separamos. Quando há uma razão forte, uma mágoa, se um quer e o outro não, sim, pode ser difícil, mas não foi o nosso caso. Foi uma decisão ponderada, falada civilizadamente e cada um seguiu o seu caminho. Depois, há uma fase de adaptação a outra vida, um sem o outro, e cada um de nós sofreu com certeza, mas também cada um tem o seu timing…
– Custou-lhe ver a Joana com um namorado?
– Não. Se eu visse uma amiga minha, que ainda por cima foi minha mulher e é mãe de um filho meu, a ser maltratada, sim, isso iria custar-me. Como sei que eles gostam um do outro e que têm uma relação saudável, fico contente que ela esteja bem.
– Isso não é muito racional?
– Claro que é…
– E como é que se consegue? [risos]
– [risos] Com a idade! Quando tinha 20 anos provavelmente não responderia assim. Aos 50 é o que a vida nos ensina.
– Sente que falhou enquanto marido, enquanto companheiro?
– Quando há uma separação, é porque alguém falhou. Eu sei que falhei. Mas também acho que a culpa é sempre dos dois. Mesmo quando existem infidelidades a culpa é dos dois, as infidelidades nunca são provocadas só por um. Não foi o nosso caso, felizmente.
– Alguma vez foi infiel?
– Não.
– E já voltou a apaixonar-se?
– Nunca foi muito fácil apaixonar-me. Desde miúdo. Quando tenho uma namorada, assumo e estou ali. E é difícil chegar a esse ponto de aceitação, de entrega. E com a idade torna-se cada vez mais difícil. A racionalidade que nos dá a idade é uma chatice.
– Mas tem medo de voltar a apaixonar-se?
– Não… O amor passa a ser mais racional, também, e perde um bocado a graça, mas é melhor assim. Não digo que não me volte a apaixonar e a ter uma namorada para a vida, uma família. Mas não ando à procura e agora a minha preocupação são os meus filhos e o meu disco.