O encontro foi marcado em Alfama, numa daquelas últimas tardes de verão em que o sol ainda convida a conversas ao ar livre. Neste caso, o cenário foi um típico pátio alfacinha, onde chegavam as vozes dos bairristas e dos turistas que se passeavam lá fora. A conversa começa. São José Correia acende o cigarro e revela-se doce nos modos, suavizando-se assim, cara a cara, a imagem mediática de uma mulher impulsiva, dura, que diz sempre o que pensa. “Quando entro numa discussão, perco a razão pela forma como falo. Mas estou muito melhor! Tenho tentado pensar bem antes de dizer alguma coisa, mas isso é um trabalho em construção”, explica a atriz. Contudo, esta tentativa de ser mais ponderada não lhe apagou o entusiasmo com que fala das suas paixões, nomeadamente da representação.
Atriz de corpo (até porque não tem pudores em usá-lo ou mostrá-lo em prol da sua arte) e alma (é totalmente dedicada ao trabalho, tendo deixado naturalmente para trás outras realizações, como ser mãe, por exemplo), São José chegou a um patamar da sua carreira em que aprendeu a dizer ‘não’, escolhendo os trabalhos que a fazem crescer. Uma ‘ousadia’ que lhe proporcionou a vilã da novela Santa Bárbara, Antónia Vidal, uma personagem que lhe tem enchido as medidas.
– Ser a vilã de uma novela deve ser um trabalho especialmente aliciante…
São José Correia – Tem sido um prazer interpretar a Antónia. Creio que pela primeira vez tive de ler livros para fazer uma personagem de telenovela. Nunca me tinha acontecido! Nas novelas, normalmente, as personagens retratam pessoas comuns, que não têm um universo literário. Contudo, seria impossível fazer este papel sem ler O Príncipe, de Maquiavel, que nos mostra logo o universo daquela mulher. É uma pessoa má sem qualquer justificação, a vilã clássica. É uma mulher culta, que não olha a meios para atingir os seus fins. Esta personagem tem-me levado a aprender bastante e isso é o que me faz crescer enquanto atriz.
– Ainda aceita papéis que não lhe permitem crescer enquanto atriz e pessoa?
– Cada vez perco menos tempo com as coisas que não me acrescentam nada. Já me aconteceu fazer teatro e televisão ao mesmo tempo, o que faz parte do percurso de qualquer ator, porque temos de trabalhar, de aprender e de nos mostrarmos. Contudo, nos dias de hoje, já muito dificilmente faço isso. Chegamos a uma altura em que percebemos que estamos a perder tempo. Já me é muito mais fácil dizer ‘não’. Não é benéfico para mim andar numa correria. O que me fez sentido é estar concentrada nesta personagem e fazer um bom trabalho.
– O dizer ‘não’ implica uma grande dose de liberdade… O ser livre paga-se, por vezes, demasiado caro?
– Ser-se livre nunca sai demasiado caro. A vida não é fácil, mesmo para quem cumpre todas as regras. Também engulo sapos e faço cedências. Agora, há consequências ao ser-se livre e até agora tenho sabido viver com elas. Posso não conseguir algumas coisas, mesmo no campo profissional, mas durmo sempre muito bem e não há preço para essa sensação.
– Completou recentemente 41 anos. Em que fase da vida se encontra?
– Não tenho vida privada, porque o meu dia-a-dia é ocupado com gravações. Nesta fase, a minha vida privada é isto, o meu trabalho. O que me entusiasma são as personagens que interpreto e que me desafiam. A minha prioridade é o trabalho, sempre foi.
– E foi uma escolha consciente? Ou a sua vida profissional foi-se sobrepondo, naturalmente, à pessoal?
– Ter o trabalho como prioridade não foi uma escolha consciente. Esta profissão implica alguma obsessão e quando somos obcecados não há espaço para muito mais. Ter a representação como prioridade não foi uma opção. Não pensei: “vou ter filhos ou vou ser atriz a tempo inteiro?” As coisas aconteceram assim. O trabalho foi surgindo, a minha curiosidade foi aumentando, os anos foram passando e é esta a minha vida. Tem sido um percurso natural. E se me perguntarem se me falta alguma coisa por não ser mãe, a minha resposta é não. Adoro crianças, aliás, fui agora a Marraquexe com os meus sobrinhos e adorei! Sinto-me muito bem com a vida que tenho.
– Sente-se realizada, portanto.
– Sim, mas também sou uma pessoa fácil de contentar. Para ser feliz preciso de saúde, de trabalho e de ter esperança.
– A São José parece ser uma mulher muito emotiva. É uma imagem verdadeira ou é muito mais racional do que aparenta?
– Sou muito emotiva, comigo está tudo à flor da pele. Durante o dia discuto, rio, choro… Às vezes, gostava de não mostrar logo o que sinto… Também tenho lutado muito contra a minha timidez. Hoje já não se nota tanto porque tenho feito um trabalho nesse sentido. Há 15 anos tinha muita vergonha!
– Até porque as pessoas mais emotivas acabam por ser mais vulneráveis e por se magoarem mais facilmente…
– Sim, precisamente. Aprender a ser mais racional e distante das coisas ajudar-me-ia. Como uma amiga me disse, não posso carregar sempre a dor dos outros. Quando entro numa discussão, perco a razão pela forma como falo. Mas estou muito melhor! Tenho tentado pensar bem antes de dizer alguma coisa, mas isso é um trabalho em construção.
– É muitas vezes descrita como uma atriz sensual. O rótulo de mulher sexy aborrece-a?
– Não! O rótulo de mulher sexy não me aborrece nada e até o encaro como um elogio. Só me chateia quando essa definição acaba por ser redutora. Sou muito mais do que uma atriz sensual.
– E o avançar da idade tem mudado a relação que tem com o seu corpo e com a sua sensualidade?
– Por vezes não me sinto tão sexy como os outros me definem, o que pode trazer algum conflito. Sempre me senti bem com a minha imagem. Mudei o que tinha de mudar e farei sempre tudo o que estiver ao meu alcance para me sentir bem. Gosto muito da minha imagem e entrei nos 40 com muito à-vontade. Considero-me uma mulher sexy, mas dou cada vez mais importância à minha cabeça. O meu poder está aí, mas, claro, também valorizo o que vejo ao espelho.
São José Correia: Uma atriz que se entrega de corpo e alma
Numa conversa descontraída e franca, a atriz, que interpreta a vilã da nova novela da TVI ‘Santa Bárbara’, mostrou ser uma mulher muito emotiva, que se entrega por inteiro às suas paixões.