Nos Teus Olhos Vejo o Mundo – A vida tal como ela é. Um livro escrito com sorrisos, mas também com muitas lágrimas, as mesmas que não escondeu durante esta entrevista. Luísa Castel-Branco, 61 anos, uma mulher que aparenta ser forte, decidiu partilhar pedaços da sua vida em páginas intimistas. Fala no amor. Incondicional pelos filhos, António, de 37 anos, Gonçalo, de 35, e Inês, de 34, e inabalável pelos cinco netos, Inês, de 11 anos, Simão, de cinco, António e Vasco, de três, e Pedro, de um. Do primeiro amor e do que descobriu mais tardiamente, depois dos 40, ao lado de Francisco Colaço, com quem vive até hoje. Fala do peso da idade, da falta de dinheiro, da solidão e do medo. Confessa que sofre de uma doença autoimune e que luta todos os dias para enfrentar a vida. Aqui fica, em discurso direto, a verdade de Luísa Castel-Branco.
“Os jovens falam imenso de desamor e da solidão. Com efeito, creio que passam muitas vezes do estado de paixão ao de desencantamento, e nada mais. Nesse aspeto, nós tivemos mais sorte. Apaixonámo-nos, amámos e depois caímos redondas com a cara no chão!”
– Está a falar do primeiro amor?
– O primeiro amor marca-nos para o resto da vida e quando amámos alguém, esse alguém nunca nos é indiferente, seja através do ódio, do esquecimento ou das memórias que nos fazem reviver aquele primeiro amor. Do meu primeiro amor resultou um casamento do qual houve filhos. O pai dos meus filhos foi o meu primeiro e único namorado.
“Temos a tempestade perfeita para andarmos à procura de um companheiro, que dantes se imaginava príncipe encantado ou alma gémea, bastando agora que o sujeito não viva à nossa conta, não seja pervertido em gostos e se apresente minimamente interessado.”
– Quando se apaixonou pelo pai dos seus filhos, via-o como um príncipe encantado?
– Completamente! Era príncipe, era encantado, tinha um cavalo branco, não lhe faltava nada. E foi completamente injusto porque, olhando para a vida, pus uma carga enorme em cima dele. De satisfação dos meus sonhos, que eram encontrar alguém que me ia salvar, levar para outras nuvens, mundos encantados. Hoje ninguém acredita nisso.
– Quando terminou esse casamento, foi um desgosto?
– Foi duro, especialmente porque fui eu que quis terminar essa relação. Não vou falar muito sobre isso, porque envolve outras pessoas. A lição que tirei e que tento passar aos meus filhos é que o amor não chega. Podes separar-te de uma pessoa amando-a, e contudo saber que se te mantiveres naquela relação vais acabar destruída. É estranho, mas é verdade, é um murro no estômago.
– Apaixonar-se depois dos 40 foi certamente diferente…
– Sim, com o Francisco a paixão é diferente, não só é muito intensa como te apanha desprevenida, é uma época da vida em que já choraste, já lamentaste erros, és muito mais exigente com a outra pessoa. Acho que há pessoas que não conseguem amar. É preciso ter dimensão de alma para amar e eu tenho a sorte de já ter amado duas vezes na minha vida. Considero que a empatia sexual e a paixão são diferentes. Se foi fácil? Não. Têm sido 21 anos muito difíceis. Uma relação não tem só momentos bons, tem momentos maus, muito maus, e depois há uma reconstrução, além do amor. O Francisco sempre me incentivou a dizer que eu era capaz e isso é das coisas mais importantes da nossa relação. Os livros que escrevi e o ser capaz de fazer televisão, devo-o a ele, porque eu achava que não era capaz e ele sempre me disse o contrário. E esse é o segredo do amor. É quando tu fazes a outra pessoa acreditar que ela é capaz de ganhar asas para fazer qualquer coisa. Ter alguém ao meu lado que me conforta, que me puxa para cima, que tem sempre alguma coisa de positivo para me dizer e tenta afastar o medo de mim.
“O meu AVC não teve consequências motoras. No meu caso perdi a visão periférica do lado direito. (…) Não fiquei numa cadeira de rodas. Não perdi a fala. Não perdi nada de importante. (…) Dei comigo a ser outra pessoa, sem ter participado nessa mudança. Virei introspetiva. Calada. Cheia de medos.”
– Faz alguma coisa para evitar sofrer outro AVC?
– Faço: fumo! [risos] O que é uma coisa inteligente. Já tentei tudo e mais alguma coisa. É um vício, aliás, eu nunca experimentei uma droga, porque tinha certeza de que me viciaria. Comecei a fumar aos 13 anos, apanhei uma tareia que me serviu imenso, como pode ver. Por exemplo, não faço viagens de avião com mais de duas horas e mesmo assim acabo no cockpit a fumar. Tenho ataques de ansiedade que passam a ataques de pânico. Adorava encontrar uma forma para deixar de fumar.
– No livro diz que entre os 50 e os 60 perdeu dez anos da sua vida. Não deveria ter sido ao contrário, já que o AVC a pôs à prova?
– Aos 49 tive o AVC. Consegui habituar-me às sequelas. Passou a haver um eu antes e um eu depois, ao qual tenho vindo a habituar-me. Tive de aceitar que tinha perdido memórias, habituar-me ao silêncio, mas também a concretizar um sonho: escrever um romance.
– Fala em silêncio. Lida mal com isso?
– Quando os meus filhos saíram de casa par ir à vida deles, não foi fácil. Foi o síndroma do ninho vazio. Sobrava silêncio por todo o lado, tinha vontade de chorar e nunca mais parar. Mas aprendi a respeitar a vida que eles escolheram. Só anos mais tarde é que comecei a saber aproveitar o silêncio e hoje é imprescindível quando escrevo.
“Quem sofre de uma doença autoimune, em conjugação com uma lista extensa de outras maleitas, vive na mentira dos dias. (…) Com revolta. Com lágrimas. Com silêncios e gritos. Depois calo-me. Maquilho-me. Faço um programa de televisão. Dou entrevistas e sorrio para a câmara fotográfica. (…) Eles não sabem, mas esta mãe continua uma luta diária para se manter à superfície. Para não se deixar afundar.”
– O que é que quer dizer com isto?
– Quer dizer que esta é a primeira vez que escrevo num livro, que partilho que tenho uma doença autoimune que faz com que todos os dias esteja doente, que faz com que o meu sistema imunitário seja muito frágil e que apanhe todos os vírus, que basta uma mudança de temperatura para eu adoecer. E quando és confrontada todos os dias com estas adversidades e sentes que o teu corpo cede cada vez mais, que não há melhoras, é preciso uma força enorme para te levantares, pôr um sorriso na cara e enfrentar a vida.
– E há dias em que essa força não vem?
– Há. A falta de saúde que tenho tido nos últimos anos tem sido, do ponto de vista psicológico e emocional, completamente demolidora. Passo a vida a fazer exames, a consultar médicos especialistas, a ir ao hospital e isso torna muito difícil manter um sorriso na cara.
– E está preparada para as reações?
– Não sei. Há aqui muitos momentos em que falo sobre a fragilidade da vida com as quais muitas mulheres se podem identificar. Depois, serei talvez a única figura mediática que diz preto no branco o que é o peso da idade, a falta de dinheiro, a falta de saúde e o que é o medo. Isso não me dá valor nenhum especial, mas senti que precisava de partilhar isto com as pessoas que há tantos anos acham que queriam ser como eu e quero mostrar que o que faço é cumprir a função de estar viva, amar quem me ama e buscar junto dos meus netos a força da minha vida.
“É como se o mundo se dividisse em dois tipos de pessoas. As que têm obrigações para com todos e as outras, as que são frágeis, as que não se espera que consigam reagir à vida. E o mais estranho é que ninguém nos perguntou como nos sentíamos no dia em que alguém olhou para nós e disse: ah!, ela/ele é forte. Aguenta tudo. Se calhar queríamos pertencer ao outro grupo e ficar sentados à espera que alguém tomasse conta de nós, nos desse a mão e ensinasse o caminho.”
– Aparenta ser uma mulher forte, que aguenta tudo. Afinal, não é bem assim…
– As pessoas, através da imagem, criam rótulos e eu sempre tive o de ser uma mulher forte. Eu acho que até sou forte, aguento a dor, mas ser forte não evita que haja um milhão de vulnerabilidades em mim. Mas as pessoas passam a vida inteira a dizer que sou forte, que vou sair disto ou daquilo, que sou capaz.
– O que as demite de a protegerem?
– De tudo, de protegerem, de terem noção de que não é bem assim e que preciso de ajuda. Tenho zero autoestima e a autoestima é o mais importante na nossa vida. Gostarmos de nós é a expressão mais mágica que há.
“Cheguei a ter quatro empregos ao mesmo tempo para sustentar os meus filhos. (…) Acumulei erros e, olhando para trás, tenho a perfeita noção disso. Não existe um manual para nos ensinar a ser bons pais. (…) Educar é difícil. Amar é difícil. Estar vivo e ter valores como a ética e o respeito é difícil.”
– Confessa que não foi nada fácil ficar sozinha com três filhos…
– Fiz tudo o que não era suposto fazer, fiquei sozinha com os meus filhos, tinham 8, 9 e 11 anos. Não dei satisfações a ninguém e eduquei-os de uma forma totalmente contraditória em relação à que as famílias em geral faziam. Não havia ninguém que concordasse comigo. Estávamos completamente sós. Mas tenho a certeza de que foi o momento mais feliz da minha vida. A infância e adolescência foram momentos irrepetíveis. Fui imensamente feliz e se voltasse atrás faria exatamente a mesma coisa.
– Alguém lhe reconheceu o mérito?
– Não. Nunca ninguém veio ter comigo para dizer que fiz um bom trabalho. Seria o mesmo que reconhecer que o status quo que tinham estava errado. Tive muita sorte.
– E agora, quando olha para eles, acha que tem feito um bom trabalho?
– Acho que tive Deus por mim, porque há tantas mães como eu que dedicam uma uma vida inteira, uma vida de sacrifícios para educar filhos e sai tudo ao lado! Criei três seres humanos maravilhosos, todos com o meu mau feitio [risos], íntegros, com opiniões, independentes e responsáveis pelas suas atitudes e consequências. São muito amigos e com uma relação fortíssima entre eles. Tenho um orgulho desmedido neles.
“Sessenta é muito. É-se sexagenária. Cai-se pela encosta que nos leva a depender de terceiros. (…) Agora perguntem-me qual é a parte positiva desta fase da vida? O bom senso? Tretas! Temos melhor feitio porque aceitamos os outros? Mentira! Vivemos mais em paz? Não acreditem! Há uma única razão para gozarmos a vida, e essa são os netos!
– Parece que a idade não é um posto…
– A idade é uma grande merda. Podemos dizer que te traz imensa maturidade, mas é mentira. Vivemos numa sociedade que exige que sejamos novas, elegantes, bonitas.
“O que mais preenche os meus dias é a espera. A espera que o telefone toque e um dos meus filhos me peça ajuda com os meus netos. Que eles venham e encham a casa, a minha vida.”
– E de repente descobriu o amor por um neto!
– Que me apanhou desprevenida. É um amor que não tem explicação. Uma alegria. Não há nada que me possam oferecer que eu troque pelos meus netos. Prefiro mil vezes ficar em casa a ler-lhes um livro de histórias, a brincar com eles, do que ir a uma festa, a um concerto… Costumo dizer que nos olhos deles vejo o mundo inteiro e não me faz falta mais nada.
“Estou exausta. E de repente percebi que estava ali mais uma lição de vida. (…) E assim chego ao Natal. E ao fim de 2015. Foi um ano estranho. Contraditório. Difícil.”
– Um ano em que começou uma nova vida. É preciso ter coragem…
– Sim, é preciso coragem. Quando mudei de casa deitei para trás tudo o que eu tinha sido até aos 60 anos. Despedi-me de objetos, todos com história, e foi muito doloroso, mas o momento a seguir foi de uma libertação enorme. Um começar de novo.
– 2016 já está a ser um ano de grande aprendizagem?
– Sem dúvida nenhuma. Estar aqui e poder mergulhar em mim é um luxo. É um ano em que vou ter de reaprender a saber quem sou, a conviver com esta mulher de 61, quase 62 anos, e que tem problemas de saúde.
– No epílogo fala em mundo perfeito. Qual seria para si o mundo perfeito?
– Eu, os meus filhos e os meus netos, eu, os meus filhos e os meus netos, não querendo ser egoísta…
– Se morresse amanhã, iria com a sensação de dever cumprido?
– Sim. As únicas pessoas com quem eu tenho algum dever são os meus filhos e, por acréscimo, os meus netos. E em relação a isso, e com todos os erros – e foram tantos os que cometi –, fiz o melhor que podia e dei-lhes o amor todo do universo. E por isso, sim, morreria com o sentimento de dever cumprido.
Luísa Castel-Branco abre o livro da sua vida: “A falta de saúde tem sido demolidora”
O amor pelos filhos e pelos netos, a doença autoimune, o medo e a solidão num livro intimista.
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