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João Lima
Quase a chegar aos 50, Camané revela-se hoje um homem mais sereno. É a serenidade de quem se conhece melhor e que coabita pacificamente com a profundidade que o fado lhe deu desde cedo. No olhar carrega a vida e os afetos que o tornam o homem que é. Uma vida repleta de passado, que se faz de futuro, e que lhe permitiu criar um CD cheio de simbolismo ou não tivesse Camané começado a ouvir os fados de Alfredo Marceneiro aos sete anos. Pegando neste seu último trabalho, Camané Canta Marceneiro, a CARAS falou com o fadista numa tarde passada nas ruas do Bairro Alto, que em tanto completam a sua história.
Apesar dos fados do Marceneiro fazerem parte da sua vida desde sempre, este disco não é um sonho antigo.
Não. Contrariamente ao que oiço de muitos colegas, procurei sempre ter e criar o meu próprio repertório. Antes de cantar os fados do Marceneiro, achei que tinha de fazer o meu percurso. E nesta altura da vida já fazia sentido ir buscar este passado.
Este disco acaba por ser mais especial por isso?
Este disco tem um sabor especial como todos os outros que fiz. Mas este é uma homenagem a alguém. Acho que o fado não era o que é se não fosse o Marceneiro. Tudo o que aprendi com ele, a forma de cantar… Claro que é a minha maneira de cantar que está aqui, mas há muitas coisas, como o sentido da palavra, a divisão das orações, o ser mais descritivo quando canto que aprendi com ele, a ouvi-lo.
Foi buscar a Fernando Pessoa o Fado Alfacinha, onde canta “quem quer dizer o que sente, não sabe o que há de dizer”. O fado ajuda-o nisso?
Sim. O fado tem um ambiente musical em que as palavras em português descansam. É uma coisa tão natural…
Sempre se assumiu tímido. Sente que o facto de cantar outras vidas o ajuda a sair para fora de si?
Lembro-me que nos primeiros concertos que fiz só tinha vontade que acabassem. Tinha tanto medo, tanto pânico, que não retirava prazer nenhum daquilo. E percebi que a única maneira que tinha de chegar às pessoas, de fazer bem o meu trabalho, de conseguir fazer aquilo que sabia, mas que ainda não sabia como havia de fazer, era sair de mim. Foi ter a humildade de não estar preocupado comigo e ir por dentro do que estava a cantar. Isso é que me deu prazer. Foi a área da minha vida em que consegui perder a timidez. Foi um trabalho interior. Na vida não consegui alcançar isso. Cantar deu-me a oportunidade de correr o mundo, de chegar a pessoas a quem nunca chegaria, perceber que a música ultrapassa qualquer barreira. Lembro-me de, em miúdo, ouvir o [Frank] Sinatra, o [Charles] Aznavour e os Beatles. Ouvia e não percebia nada do que estava a ouvir. Mas arrepiava-me.
Fotos: João Lima
Leia esta entrevista na íntegra na edição 1169 da revista CARAS.
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