Filha mais nova de D. Jaime Álvares Pereira de Melo, 10.º duque de Cadaval, e da sua segunda mulher, Claudine, Alexandra de Cadaval, de 36 anos, cresceu num meio muito privilegiado. Depois da morte do pai, a irmã de Diana de Cadaval foi para a Índia, e a partir desse momento a sua vida nunca mais foi a mesma. Seguiu-se Moçambique, e no meio das tribos, das suas gentes e tradições descobriu uma nova casa. E foi precisamente esta sua paixão pela cultura africana que a levou a organizar o Festival Evora Africa. O ambiente clássico do Palácio Cadaval revela-se o cenário ideal para exibir a criatividade e o talento de artistas contemporâneos como Esther Mahlangu, Romuald Hazoumè e Amadou Sanogo, entre muitos outros que “pintam” agora com cores vibrantes as paredes deste espaço histórico.
Com este festival dedicado às artes plásticas e à música africanas a decorrer até 25 de agosto, Alexandra de Cadaval recebeu a CARAS em sua casa e abriu as portas deste seu mundo sem fronteiras, onde a cada viagem se redescobre numa humanidade solidária e repleta de afetos.
– Foi fácil “casar” o ambiente mais clássico de Évora com a criatividade dos artistas africanos?
Alexandra de Cadaval – Foi um grande desafio, porque não estamos em Lisboa e sabemos que descentralizar dá muito trabalho. Mas abrir a nossa casa a África tem sido mágico. A música está muito presente na vida dos africanos, por isso achámos que seria interessante fazer uma programação musical que acompanhasse a exposição ao longo de três meses.
– Há algum artista que destaque nesta exposição ou na programação musical?
– É difícil destacar, porque todos eles são fantásticos. Temos a Esther Mahlangu, que pintou aqui o seu maior mural. Esteve connosco durante seis semanas, e ver uma senhora com mais de 80 anos a pintar um mural gigante com penas de galinha foi extraordinário.
– A Alexandra nasceu em Nova Iorque, viveu em Paris, cresceu em Portugal e estudou em Londres. Depois, foi para a Índia e Moçambique. É caso para dizer que já teve muitas casas…
– Sim, e este festival reflete isso mesmo. Estive sete anos em Moçambique, onde comecei com missões humanitárias. Depois, desenvolvi um trabalho na área da preservação do património cultural nas zonas rurais. Há quatro anos comecei a trabalhar no combate à lepra. Estas experiências levaram-me a entrar no mundo da arte contemporânea africana. Abri os olhos para uma nova realidade artística. O mundo ocidental nunca me atraiu, o meu chamamento sempre foi outro. Quando perdi o meu pai, decidi ir para a Índia, para ver se descobria o meu rumo. Era suposto ficar dois meses e acabei por ficar muito mais tempo. Tinha 19 anos e o bichinho pelas viagens nasceu aí. Quando voltei, já não era a mesma.
– E é fácil abdicar de uma vida privilegiada para se confrontar diariamente com realidades que são por vezes bastante duras?
– Partir em missão é mesmo a minha vocação. E não é fácil regressar a Portugal depois de ter estado no meio de uma extrema pobreza. Aqui temos tudo. É um confronto emocional muito difícil. Em cada viagem confronto-
me com muitas coisas pessoais. As viagens constroem-me e destroem-me. Estar fora do nosso elemento transforma-nos. Em todas estas experiências tento deixar a minha humanidade, todas as coisas boas que vêm do coração.
– Este festival permite-lhe estar em casa durante três meses. Também é bom poder estar entre os seus?
– Sim, claro. Estou muito feliz por poder trazer esta minha inspiração e sonho até Évora. Este é um projeto que vem mesmo do coração. Fizemos a candidatura numa fase em que a minha mãe esteve doente e isso ainda tornou tudo mais especial. Foi tudo montado e pensado com muito amor. Este é um festival de família, porque a minha mãe, a minha irmã e eu trabalhámos juntas. Queremos continuar a alargar os horizontes da nossa comunidade.
– Com tantas viagens e missões, construir a sua própria família passa para segundo plano?
– O mundo e as viagens são o meu grande fascínio. Antes, pensava mais nessa possibilidade de construir uma família, sentia mais essa pressão. Tenho uma vida fantástica! Se surgir uma pessoa que acompanhe o meu ritmo e não se importe de andar sempre de um lado para o outro, ótimo. Se não aparecer, também não faz mal. Vivo o momento e as oportunidades. Gosto de ser livre e de viver sem grandes planos. Temos de ousar e arriscar, caso contrário não vivemos.
– Considera-se uma rebelde?
– Quando era mais nova, gostava imenso de ser considerada rebelde, agora já não. Hoje prefiro só ser, sem rótulos.
fotos: Paulo Miguel Martins Produção: Vanessa Marques Maquilhagem: Madalena Martins