E stamos no palco do Coliseu dos Recreios, de frente para a sala que irá receber Herman José num espetáculo emblemático, que marca a sua estreia em nome próprio nesta casa, e já começámos a sentir o sabor ao seu sentido de humor único e perspicaz. Quase a chegar aos 65 anos, Herman transmite a frescura de quem continua a criar, mas a serenidade de quem sabe que merece o lugar que conquistou. “Não tenho que juntar património para descendentes, não tenho que me preocupar com nada, só fazer com que a vida faça sentido. Portanto, se a pessoa trabalha muito, nos momentos em que não trabalha as coisas têm de ter o mínimo de qualidade”, partilhou o humorista durante uma conversa sem falsas modéstias e cheia de verdade.
– Disse numa entrevista que está “a viver o terceiro ato” da sua vida…
Herman José – É a lei matemática da nossa distribuição etária. Sabemos que, infelizmente, temos uma finitude. A finitude artística pode ter mais ou menos longevidade, consoante a arte que se tem. Nós temos esta felicidade de ter uma arte que se perpetua no palco, onde não temos idade, e isso é maravilhoso.
– Perpetua-se no palco e também no tempo?
– Isso já não sei, porque a partir do momento em que se desaparece já me é completamente indiferente. Já estou como o Karl Lagerfeld, que morreu há pouco tempo: perguntavam-lhe como queria ser recordado e ele dizia que se estava a borrifar. O que interessa é este momento, e gostava muito que a minha vida fosse interessante até ao último momento. O facto de ter voltado aos palcos tem muito a ver com isso, porque o palco é infinitamente generoso. O que se sente neste terceiro ato é muito mais intenso do que imaginaria que fosse. Quanto mais tempo passa, mais valor damos a tudo. Como estou nesta fase giríssima de reunir gerações, tenho esta felicidade de as minhas plateias serem gloriosas fotografadas do palco.
– Hoje é um homem e um humorista mais sereno?
– Depende do que considerar serenidade. Sempre fui muito sereno, curiosamente. Era o tipo de pessoa que ia para Ibiza para ir para a praia às oito da manhã e adormecer nos restaurantes, no colo das minhas amigas, às 11 da noite. O que talvez tenha agora, que se ganha com a experiência, é uma melhor capacidade de fazer a gestão do tempo.
– De que sonhos se compõe?
– A maior parte deles não foram realizados. Não realizei o sonho da internacionalização, hei de morrer com essa angústia. No outro dia fui ver a Glenn Close à Broadway, estava na primeira fila, ela a agradecer, e eu pensei: “Já vou ter contigo ao camarim para te dar um beijinho.” Depois pensei que não ia nada porque ela não sabe quem sou. [Risos.] E tenho este desgosto de não fazer parte da comunidade internacional artística. Nem era para ter mais prestígio ou dinheiro, era para falar com as pessoas que admiro. Já os sonhos a nível nacional devo dizer que os realizei todos.
Herman José “Depois dos 60, os dias são pérolas preciosas para respeitar”
“Herman de Big Band em ‘Ris-te’” é o nome do espetáculo que o humorista se prepara para apresentar no Coliseu dos Recreios, no dia 12 de abril.
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