Nasceu e cresceu no calor de Cabo Verde, na liberdade de uma infância feliz com sabor a manga. Aos dez anos, quando veio para Portugal com a mãe, Cleo Tavares tinha a certeza de que toda a gente iria querer ser sua amiga. Para sua surpresa, não foi isso que aconteceu. Foi o primeiro embate com o racismo e o preconceito. Hoje, com 30 anos, bate-se de frente, cheia de força, com quem só vê nela uma cor de pele diferente. E faz questão de usar a sua arte, a da representação, e a sua voz para transformar o mundo. Porque o caminho, tal como fez questão de sublinhar nesta entrevista, faz-se de amor e aceitação.
– Quando era criança, já tinha uma vontade enorme de ser atriz ou alimentava-se de outros sonhos?
Cleo Tavares – Não sei se tinha vontade de ser atriz, mas tinha uma grande vontade de estar em palco. Lembro-me de que queria participar em tudo o que estava relacionado com dança e atividades artísticas em que pudesse subir ao palco.
– O que é que o palco a fazia sentir?
– Acho que passava pelo poder de me expressar. Como sou um bocado tímida, sempre que me expresso através do meu corpo deixo de pensar, deixo de ter controlo, o que me permite ir mais além. Sendo tímida, tenho tendência a fechar-me e a ficar no meu canto. Estar no palco permite-me abrir um pouco mais para o mundo.
– E quando surge a certeza da representação?
– Quando estava a estudar Finanças e Contabilidade no ISCTE. Porque quando era mais nova nem sabia que havia uma escola onde podia estudar para ser atriz. E a verdade é que não era suposto seguir isto como carreira. Mas quando fui para o ISCTE senti-me perdida e deixei de ir à faculdade. Quando ia, era para fazer teatro amador. Quando percebi que ia à faculdade só fazer teatro, pensei candidatar-me ao Conservatório. Nunca pensei conseguir entrar, porque não tinha qualquer experiência.
– Se ia com essa certeza, conseguir entrar deu-lhe a noção de que era mais talentosa do que pensava?
– Sim. Mas, mais importante do que descobrir que poderia ter talento, foi perceber que, se calhar, não estava assim tão errada em escolher esse caminho. E decidi tentar para ver no que dava. Trocar um curso que me daria estabilidade – embora não me desse felicidade – para ser atriz é um passo muito grande. Tens mesmo de querer estar nesta profissão, porque a maior parte dos atores não vive só do teatro, do cinema ou da televisão. Tens mesmo de querer estar aqui, porque tens de fazer outros trabalhos para teres o privilégio de, de vez em quando, fazeres o que amas. É um ato de coragem.
Uma entrevista para ler na íntegra na edição 1234 da CARAS