Aquilo que outrora era uma prisão de raparigas tornou-se, pelas mãos de Teresa Ricou, uma escola secundária de arte e cultura. Este seu projeto de vida, que se confunde com o próprio percurso pessoal, ocupa-lhe hoje os dias, que já gostava que fossem mais calmos e menos burocráticos. E foi no seu Chapitô que aceitou ser fotografada para a CARAS, ao lado do neto João, de 21 anos. “Ele é maravilhoso, tem uma consciência social grande”, disse-nos Teresa durante esta entrevista. E embora o desejo seja o de regressar rapidamente à Teté, a personagem que criou enquanto palhaça, Teresa tem vários projetos para o Chapitô, um dos quais a criação da primeira universidade circense portuguesa. Aos 75 anos, o seu olhar mantém o lado desafiador de costumes e preconceitos e a força de quem luta por uma justiça social permanente. O seu legado fala por si. Mas foi a própria que deu voz à sua vida e ao que vai sentindo nesta conversa feita de passado, de presente e de futuro.
– Quanto de si é Teresa e quanto de si é Teté?
Teresa Ricou – Isso é uma pergunta “altamente”… Então vamos lá: a minha profissão é, de certa maneira, pintar a cara e transformar o ser humano numa figura cómica e divertida, implicativa e sempre atualizada com a movimentação social. Isso é a Teté. Gosto muito dela, foi uma personagem que demorei muitos anos a encontrar, coincidiu com o meu despertar para a condição feminina e levou-me a assumir o ser palhaço sendo mulher. Há muitos anos que não faço companhia à Teté, porque a Teresa Ricou pôs-se a caminho de criar um espaço para muitas outras Tetés – o Chapitô –, um espaço de cultura, aberto a todos, onde todas as classes sociais e todas as culturas têm lugar. Acredito que o mundo precisa de uma mudança, a humanidade está um bocadinho perturbada, por isso estes espaços servem para as pessoas se encontrarem, até porque a cultura é o que nos une a todos. E o Chapitô está de boa saúde… Não sou rainha, por isso não estou à espera de sucessão, mas preciso de ter gente que se disponha a arregaçar as mangas e que entenda este projeto, para o manter dinâmico e vivo.
– Escolher ser palhaço foi escolher ser uma ativista da felicidade?
– Não sei, porque não conheço a felicidade, nunca estive com ela, não sei quem ela é. Mas se falarmos de qualidade de vida, de uma vida mais aprazível, sem ser tão sofrida, então, sim. Mas eu não cheguei a ser feliz. Sinto-me realizada porque encontrei a minha profissão, mas não me sinto nem feliz nem realizada agora, porque estou a administrar uma coisa muito grande.
– E isso é castrador?
– Completa-mente. Neste momento trabalho para que os outros encontrem o seu caminho. Ainda não me adaptei muito às novas tecnologias, sou infoexcluída, o que é grave, mas acho que me tira muito alma. Do pouco que me resta e do que quero ainda usufruir do que me falta viver. Não encontrei nenhuma forma de dialogar com as tecnologias e tenho medo de ser engolida por elas e não saber servir-me delas. Mas por aqui, no Chapitô, tudo anda sem grandes tecnologias. Embora ache que é preciso dar esse passo e encontrar uma linguagem mais próxima, mas humanizante, não sei se vou chegar lá.
Uma entrevista para ler na íntegra na edição 1245 da CARAS