A serenidade de Gonçalo Diniz transparece nas palavras e na atitude perante a vida. Aos 47 anos, e depois de ter sobrevivido a um cancro, o ator desfruta verdadeiramente da vida que tem junto da companheira, Sofia Cerveira, e da filha de ambos, Vitória, de três anos e meio. Há apenas uma sombra: o facto de ter estado quase um ano e meio sem trabalhar em televisão na altura em que teve cancro, que considera ser consequência das alterações que a sua aparência sofreu na época. Mas porque o otimismo é uma das suas principais caraterísticas, sabe que outras oportunidades de destaque chegarão, tal como chegou a peça de teatro que está a fazer. Até lá, vai usufruindo do dia a dia ao lado dos que ama.
– Está numa fase muito boa a nível pessoal e entretanto está a fazer uma peça de teatro…
Gonçalo Diniz – Estou realmente numa fase muito boa. A nível pessoal, é das melhores fases da minha vida, e profissionalmente as coisas estão a alinhar-se. Estou a trabalhar para que seja uma fase muito boa, com a peça Ding Dong e com um projeto que estou a desenvolver em modo stand up. Sinto-me muito mais virado para os palcos.
– Porquê?
– Porque começo a descobrir, passado tantos anos de carreira, o que é que me faz realmente feliz. E confesso que no palco sinto uma felicidade absurda. Em televisão temos de lidar com muita gente, os projetos não são só nossos e fica complicado de gerir. Para mim, o palco tem um lado místico, do silêncio, da ligação que se cria entre os atores. Eu gosto de trabalhar em qualquer um dos quatro registos, televisão, locução, cinema e teatro, mas é no palco que me sinto mais feliz. Embora goste muito de fazer televisão e ame o cinema, pelo seu cuidado e forma. Será, provavelmente, o meu próximo foco.
– Depois de uma caminhada difícil, nomeadamente com a doença, parece ter-se tornado um homem mais tolerante e compreensivo…
– A questão da minha doença já passou, não ando a viver isso o tempo todo, agora preocupo-me mais em ajudar as pessoas que estão a passar pelo mesmo. Mas sim, tornei-me mais compreensivo em relação a tudo, principalmente em relação às expectativas sobre aquilo que posso esperar dos outros. Hoje em dia já não crio grandes expectativas, por isso não me desiludo. Diz-se que quem procura aplausos depois desilude-se quando não vêm, e eu tento não procurar os aplausos, tento fazer o meu melhor dentro do meu trabalho. Acredito muito na força divina, que tu recebes aquilo que projetas.
– A doença tornou-o mais crente?
– Julgo que não. O que me tornou mais crente foi ter uma mãe brasileira, muito religiosa e que acredita muito, tem muita fé. Mas claro que a doença afinou o meu caráter: tudo aquilo em que eu acreditava, os valores que acho primordiais, ficaram, os outros foram-se diluindo. Ainda tenho coisas que fazem parte da minha “vida passada”, porque há uma vida antes e depois do cancro, sem dúvida, e fica para sempre. Qualquer problema que tenhamos depois, qualquer arranhão, vai-se logo ao médico a pensar que é cancro. De certa forma, a doença acabou por trazer alguma paz à minha vida.
– E acredita que tudo o que tem passado o tornou num pai melhor?
– Não, porque a Vitória já nasceu no meio da confusão que estava a viver na altura, da doença, da falta de trabalho, porque estava inchado do cancro e isso fazia com que não houvesse grande recetividade dos canais de televisão, o que também é compreensível, porque os padrões estéticos são muito elevados. Mas também não guardo rancores e entendo cada vez mais que a vida é o que é. A Vitória, quando nasceu, veio como um rompante de luz, veio de cima para nos dar luz. Um homem que tem um cancro e pode morrer, tem uma metástase enorme entre a aorta e a veia cava… Quer dizer, é uma coisa periclitante, estamos na corda bamba. Isso torna-nos mais inseguros, indefesos, humildes.
– Não deve ser fácil para um ator ver o seu trabalho “desvalorizado” pelo seu aspeto físico…
– O pior momento da minha vida foi o pós-cancro, altura em que me ofereceram tudo em televisão. Antes, quando comecei a inchar, deixei de ser uma persona grata na televisão. Não digo isto com rancor, mas sim como uma constatação de causa. Esse foi o lado cruel. Podia ter-me tornado uma pessoa rancorosa, amargurada, mas não me permiti isso e essa é a minha grande luta. É nisso que me sinto vitorioso, o cancro pode voltar, mas aquele eu consegui mandar embora de uma forma digna. Mas fiquei triste, sim, por ver que os meus empregadores, de certa forma, olharam para mim com desdém e desprezo. Estive quase um ano e meio sem trabalhar em televisão e acho isso uma crueldade. Também não acho que tenham de me privilegiar por estar doente, mas o trabalho normal que eu tinha antes do cancro e que acho que era merecido foi-me tirado. Foi muito difícil, até hoje, de reconquistar, de me reposicionar como galã, como o Gonçalo apetecível… Ainda tenho de provar isso, mas cá estarei para ver a grande mudança. Acredito que a minha hora ainda há de chegar, a de fazer um grande papel, um protagonista, a minha hora de ser cobiçado pelas empresas. Para que também eu, a Vitória e a minha mulher tenhamos uma vida melhor. Almejo isso.
– Isso faz com que, de certa forma, olhe para a Vitória com mais orgulho ainda?
– Ela é, sem dúvida, o meu maior orgulho, olhar para ela é das melhores coisas que tenho hoje em dia. Voltar a casa para a ver é sempre o que mais desejo no meu dia.
– Saber que não terá mais filhos fá-lo desfrutar do crescimento dela de outra maneira?
– Não sei… Acho que a educação e o amor que damos à Vitória seria o mesmo se ela tivesse irmãos. Temos uma forma de pensar, agir e educar que é sempre igual. E também não acredito que tenha mais mimos ou mais atenção por ser filha única.
– Como se descreve enquanto pai?
– Acho que sou um pai normal, carinhoso, tolerante – mais do que sou comigo mesmo –, dedicado, atento. Mas também sei ser duro quando é necessário, porque ela tem o seu caráter e tem de ser educada.
– A paternidade trouxe com certeza sentimentos novos…
– A paternidade é, sem dúvida, o melhor papel que exerci na minha vida. É um papel que me acompanhará o resto da vida e isso é maravilhoso, quer dizer que tenho trabalho garantido até ao fim dos meus dias. [Risos.]
CARAS EDIÇÃO 1272