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Não vai correr tudo bem, já todos temos consciência disso. A pandemia de Covid-19 chegou acompanhada por uma série de sentimentos assustadores, ansiedades e medos, abalou a economia mundial, fez aumentar a taxa de desemprego, acentuou desigualdades e impede manifestações de afeto que impliquem proximidade física. Mas nem tudo tem sido um desastre, garante Eduardo Sá. No início de um ano letivo que se prevê duríssimo, tanto para alunos como para professores e pais, o psicólogo e psicanalista sublinha o espírito de missão dos professores, aplaude as famílias que sobreviveram com distinção ao confinamento dos últimos meses e chama a atenção para a importância de medidas que protejam a saúde mental de crianças e jovens.
– Quanto tempo demorará a nossa memória a cicatrizar as feridas provocadas por esta pandemia?
Eduardo Sá – Depende de quanto tempo mais estivermos nestas circunstâncias, da forma como formos capazes de gerir tudo isto, sendo que, quanto mais prolongado for, mais teremos de multiplicar este período, para que haja, de facto, uma cicatrização. Portanto, que não se tenha a ideia de que seis meses depois de ganharmos a luta contra o vírus o mundo volta ao normal. Do ponto de vista da saúde mental, vai precisar de muitos meses, anos, para cicatrizar isto tudo.
– Haveria forma de preparar a comunidade escolar para um regresso às aulas mais tranquilo?
– Não, e, para minha surpresa, acho que estávamos a falar deste regresso à escola num português suave que não entendo. Num país que se entrega às vezes a discussões em torno da educação para a cidadania, acho que professores, pais e alunos estão a dar um grande exemplo de cidadania, já que este regresso se dá num contexto em que vão estar em perigo durante um ano. Há direções de escolas que estão a discutir se deve ou não ser obrigatório que os alunos tomem banho na escola depois da Educação Física, porque têm noção de que aquele banho é o único que muitos alunos tomam durante uma semana. O sistema educativo está muito anquilosado, qualquer pequena mudança faz com que ranja por todo o lado, e o que lhe está a ser solicitado é uma enormidade. Evidentemente que não há maneira de prolongar os espaços das escolas nem de contratar o dobro ou o triplo de professores e assistentes operacionais. Há diretores de escolas que, dando o melhor de si, discutem se a distância entre alunos é de um metro a partir do ombro ou das cabeças, porque têm noção de que ter 30 alunos numa sala mal ventilada faz com que os professores estejam a dar um exemplo de cidadania absolutamente único. Adorava que este país também lhes batesse palmas a uma determinada hora do dia, porque aceitam correr riscos todos os dias, em condições inacreditáveis.
– Que conselhos daria aos pais?
– Que sejam muito sensatos e não infernizem as crianças em relação aos resultados escolares, que vão precisar de correr mal de vez em quando. Como se compreende, ter crianças muito tempo fechadas numa sala, com recreios de cinco minutos de onde não podem sair, são crianças que, obviamente, vão estar mais agitadas, mais indispostas, mais tensas. Portanto, os nossos filhos vão ter mais engasgadelas em termos de resultados escolares, vão ter algumas perturbações de comportamento em consequência disto tudo, vão precisar de pais que conversem com as direções das escolas e vice-versa, mas, acima de tudo, temos que ter o bom senso de não exigir aquilo que não podemos exigir. Porque o que estamos a tentar fazer é salvar mais um ano letivo em condições inacreditáveis.
– Eliminar os tempos de recreio ou obrigar as crianças a ficar dentro da sala de aula durante o tempo de pausa não será um segundo confinamento?
– Sim, estamos a trocar um confinamento por outro. Nunca entendi a forma pouco cuidadosa como o ensino se foi relacionando com os recreios. É inacreditável que haja escolas públicas, nomeadamente em Lisboa, onde os recreios são uma vergonha, onde as crianças não têm espaço para correr, onde não há um recreio coberto digno desse nome, como se o direito a ter um recreio fosse um luxo sazonal. Se isso sempre me preocupou, imagine o que me preocupa ver autoridades de saúde sugerir que as crianças tenham cinco minutos de recreio entre aulas de 100 minutos e que esses cinco minutos sejam passados dentro da sala… Aquilo que se está a passar com os recreios neste ano letivo, independentemente de tudo o resto, que já é grave, é uma catástrofe.
Uma entrevista para ler na íntegra na edição 1311 da Caras.