
Foi no mar que se encontrou e que lhe dá o retorno de tudo o que dele já recebeu. Por isso é que se assume com orgulho como “o surfista ecológico”. Um nome que é também uma atitude e que faz de Miguel Blanco uma força da mudança enquanto embaixador da sustentabilidade e da preservação dos oceanos. Todos os dias luta e alerta para a necessidade urgente de diminuirmos a nossa pegada ecológica, e, na sua opinião, parte da solução deste problema não passa apenas pela reciclagem, mas sim pela diminuição do lixo que fazemos. E foi sobre estas problemáticas que Miguel Blanco aceitou falar com a CARAS, num cenário que lhe é tão familiar: a praia.
– Quando é que o mar começou a ser casa para si?
Miguel Blanco – Morei em Lisboa até aos sete anos, altura em que fui viver para São Pedro do Estoril, mesmo em frente à praia. Não me identificava muito com nenhum desporto, mas, como sempre gostei de praia, a minha mãe decidiu inscrever-me no surf. E foi aí que começou a minha jornada. Aos sete anos surfava aos fins de semana, comecei a querer surfar cada vez mais e pelos 10 anos, talvez, já surfava todos os dias e passava os fins de semana todos na praia. Aos 11 comecei a fazer competições locais e foi tudo muito gradual. A partir daí comecei a surfar mais na Ericeira, a querer ir para Peniche, a conhecer a Nazaré e a viajar pelo mundo. Tive um período muito competitivo, onde cheguei a ser campeão nacional de sub-12, 14 e 16. Há dois anos e no ano passado fui campeão nacional de Open, ganhei algumas etapas do Europeu, tive alguns resultados nos campeonatos mundiais, mas, de certa maneira, sempre senti que nós, surfistas, somos um bocado os embaixadores dos oceanos.
– Essa consciência tornou-se numa responsabilidade?
– Sem dúvida. Com o contacto privilegiado que temos com o mar e com a Natureza, é impossível negar ou fechar os olhos aos problemas atuais, porque está tudo à nossa frente. E cada vez mais sentimos as consequências: o aquecimento global, o plástico nos oceanos, o derrame de petróleo… Comecei a ganhar mais esta consciência há cinco anos, numa viagem que fiz a Bali, na Indonésia. Estava a surfar e fiquei realmente chocado com a quantidade de plástico que encontrei na praia e no mar. Desde aí que tenho esta certeza de que nós também temos de dar ao mar algo em retorno. O mar é a minha vida, entro nele todos os dias, e por todos os momentos que o mar já me proporcionou percebi que tinha de lhe dar algo em troca.
– É a lei do retorno…
– Exatamente. E sempre senti que tinha que fazer algo que realmente importasse, que fizesse a diferença. E com o tempo comecei a criar esta consciência sobre os problemas atuais e a fazer algumas recolhas de lixo. Também me juntei a vários projetos relacionados com o ambiente, no sentido de fazer a minha parte para, assim, conseguir fazer a diferença.
– O surf é, nesse sentido, a liberdade de poder ser quem é?
– Claro. É através do surf que posso ser a 100 por cento a pessoa que sinto que tenho de ser. Sou surfista e o meu objetivo é poder continuar com esta minha paixão pelo mar, que tenho desde sempre. Poder estar tanto tempo no mar, que é algo tão puro, influencia a minha personalidade. Acabo por ser quem eu sou sem vergonha nenhuma de mostrar isso.
– Tomar consciência da dimensão dos vários problemas ambientais foi a força motriz por detrás de todas as suas ações?
– Sim, mas tudo é um processo. A parte da consciencialização é a primeira fase para qualquer coisa, é o nós percebermos em que ponto estamos e o que está certo e errado. O surf permitiu-me viajar pelo mundo todo e vi muitas realidades diferentes. A da Ásia chocou-me muito. É dos continentes mais poluídos. E ver de perto essa realidade levou-me a querer fazer a diferença e a passar esta mensagem às pessoas. O surf promove um estilo de vida ativo, saudável, a constante quebra de barreiras, porque também surfo ondas grandes… Isto tudo fez-me perceber que podia fazer mesmo a diferença através das minhas redes, passando esta consciência para as pessoas no geral. Tenho também ideias para tentar fazer coisas mais localizadas: ir a São Tomé e Príncipe, por exemplo, tentar passar a mensagem, instruir as camadas mais jovens, fazer recolhas de lixo como fiz nas Maldivas. O meu objetivo é a consciencialização.
– Um objetivo que também cumpre através da arte e de um estilo de vida saudável e consciente…
– É verdade. Tento juntar-me a marcas sustentáveis, que promovam a sustentabilidade e que tenham consciência ambiental. E o surf e a arte são dois veículos privilegiados para transmitir esta mensagem. Acredito que podemos não saber onde queremos chegar, mas, se fizermos o trabalho hoje e pusermos energia no que gostamos, vamos ser recompensados de alguma maneira. Mostro isso através das ondas grandes que surfo, através dos treinos físicos, dos treinos de piscina, através da recolha de lixo nas praias, na forma como cozinho – tenho uma dieta maioritariamente vegetariana –, com o intuito de ser o mais sustentável possível. Faço ioga, foco-me no bem-estar do corpo, mas também da mente.
– Isso ajuda quando tem que entrar no mar e surfar ondas grandes? Porque medo toda a gente sente, o que se faz com ele é que nos diferencia…
– Nem mais. Toda a gente tem medo e quando vem uma onda gigante esse medo é real. Mas quem está mais ciente do que é capaz, quem controla melhor a emoção e quem se sente mais conectado é quem se vai dar melhor nessas ondas. Praticar ioga e meditação é um treino para a mente e um contributo para o meu bem-estar pessoal. Vivemos num mundo muito acelerado, cheio de estímulos externos, e as pessoas não param para se consciencializarem do que está a acontecer. Aliás, tenho a certeza de que foi por praticar ioga e meditação que consegui passar um confinamento calmo e tranquilo. Vivemos um problema atual e mundial, que não nos afeta só a nós, e tem de haver aceitação. Essas técnicas dão-nos força interior para conseguirmos enfrentar uma situação destas. Ainda por cima, enquanto surfista, estava habituado a estar no mar todos os dias, a viajar pelo mundo todo, a sentir a Natureza, portanto, o que estamos a viver este ano mudou por completo as minhas rotinas. Por isso foi importante ter estas práticas que já faziam parte de mim para conseguir aceitar e sentir-me bem comigo mesmo durante este período.