No ano passado, Cláudia Semedo preparava a estreia da peça que nasceu de si – Zé-Alguém – quando o confinamento começou a ser uma realidade em Portugal. Este ano, ia estrear Perfeitos Desconhecidos na semana em que foi decretado novo confinamento.
“Parece que estou perfeitamente alinhada com as minhas estreias e os confinamentos. É triste e frustrante, porque o trabalho de ator é feito com a nossa voz, corpo, cabeça e energia. Não é algo que fique escrito num papel e que se possa pegar no último ponto final. É um trabalho que exige uma nova convocação, voltar a pôr a personagem no sítio, recuperar os movimentos que lhe encontrámos… É frustrante. Consigo compreender a necessidade social e médica de nos recolhermos e de tentarmos conter os números desta pandemia, mas não deixo de sentir uma sensação de trabalho infrutífero”, contou a atriz, mostrando o seu descontentamento: “Como disse o primeiro-ministro quando lhe perguntaram sobre a cultura neste novo confinamento, ‘a cultura fica para amanhã’, e é isso que sinto. Como todos sabemos, o amanhã nunca chega, porque só vivemos o hoje. Cultura é educação, é a identidade de um povo, é o abrir de horizontes, é um trabalho constante pela empatia, pela igualdade, pelo amor, pelos direitos humanos, pelos deveres cívicos. A cultura dá-nos significado e significa-nos. É basilar. Quando fazemos pela cultura, fazemos pelo nosso país.”
Um país que, na sua perspetiva, tem de saber descentralizar a cultura e regulamentar o estatuto de tantos trabalhadores intermitentes deste setor. “Os novos apoios não são de todo suficientes. São apoios pensados numa lógica das estruturas que gravitam à volta do universo dos pedidos de apoio da DGArtes e do Ministério da Cultura e o tecido cultural do país é muito mais do que isso. Estes apoios não chegam aos trabalhadores e, chegando a eles, 418 euros para pessoas que descontam há 20 anos e que conseguiam por mês fazer mais do que isso para poderem pagar a casa, as contas, a alimentação, é triste e insuficiente. Acho que a cultura tem de ser repensada de raiz. Não são pequenas medidas e pequenos apoios que podem colmatar as necessidades de um setor que já é muito frágil há muito tempo, porque nunca foi entendido como fundamental. Angustia-me muito ver colegas meus em situações muito difíceis. Entristece-me, mas não é só na nossa área que esta crise se faz sentir. E não sinto que o país esteja a dar a resposta real de que as pessoas precisam”, frisou.