Maria João Abreu morreu esta quinta-feira, dia 13, aos 57 anos. A atriz estav ainternada desde dia 30 de abril no Hospital Garcia da Orta, em Almada, na sequência do rompimento de um aneurisma. A CARAS recorda a última entrevista que a artista concedeu à nossa publicação.
Foi em dezembro de 2020, quando se preparava para viver mais um Natal, que Maria João Abreu falou com a CARAS. Na altura, atravessava um dos períodos mais tristes da sua vida. Tendo perdido o pai, João Abreu, em novemo, a atriz fazia o seu luto, deixando que as memórias e o carinho de quem lhe está mais próximo atenuem aos poucos as saudades. Não obstante ter o “coração despedaçado”, Maria João mantinha o sorriso, na certeza de que se desenham no horizonte os dias felizes que queria partilhar com o marido, o músico João Soares, os filhos, Miguel, de 34 anos, e Ricardo, de 28, que nasceram do seu casamento com o ator José Raposo, e os netos, Matias, de cinco anos, e Noah, de três, filhos de Ricardo.
A atriz abriu as portas do seu mundo privado e mostrou os seus protagonistas. Nessa tarde de mimos, Miguel e Ricardo também partilharam o lugar que a mãe tem nas suas vidas, evidenciando a relação cúmplice e próxima dos três.
Recorde aqui a entrevista:
– Este vai ser o seu primeiro Natal sem o seu pai…
Maria João Abreu – Estou triste e tenho o coração despedaçado. É tudo muito recente. Estou a tentar que passemos este Natal todos juntos, para recordarmos o meu pai, de maneira que não seja tudo tão triste e pesado. O meu pai era uma pessoa muito bem-disposta e tranquila, um homem de grande generosidade, que sempre ajudou o próximo. Tinha uma grande alegria de viver. Quando estava mais estressada, ele dizia-me: “Filha, a vida é uma fantasia, não pode ser levada a sério.” Acho que agora o meu pai vive em mim e na minha irmã. Há esse legado. Depois, tenho os meus netos, que representam o verdadeiro espírito do Natal. Com crianças, esta época ganha uma força e energia diferentes.
– Tal como muitas famílias que têm os seus familiares internados, a Maria João também não pôde despedir-se do seu pai no hospital. É ainda mais difícil fazer-se o luto quando se atravessa uma pandemia que afasta as pessoas?
– É uma angústia muito grande. Quando temos um familiar, que já tinha várias patologias, internado com uma pneumonia provocada pela covid-19 e não o podemos ver é terrível. O meu pai partiu e não pudemos identificar o corpo. Não poder haver uma despedida é a maior dor. E deixo aqui a minha solidariedade para com todas as famílias que passaram e passam por isso.
– A Maria João também ficou infetada. Como é que viveu essa situação?
– Ficámos todos infetados, os meus pais, a minha irmã, eu e o meu marido. Os meus pais foram sempre a minha grande preocupação. A minha mãe esteve assintomática e o único que teve de ser internado foi o meu pai. Obviamente, nunca vamos saber como isto aconteceu. O meu pai tinha cancro, Parkinson, era diabético e hipertenso e andava em vários hospitais. Sempre tivemos todos os cuidados, penso que não houve nenhum descuido da nossa parte. Acredito que tenha sido o meu pai que nos tenha contagiado a todos. Mas isso agora também não importa nada.
– Esta perda acontece numa fase muito boa para si a nível profissional. Para lá do sucesso que sempre alcançou, ter sido a protagonista de Golpe de Sorte consolidou-a em definitivo como uma das atrizes mais acarinhadas pelo público e pelos seus pares. O que significaram estes últimos dois anos?
– Foram dois anos maravilhosos, mas sinto isso em relação a tudo o que também está para trás. A minha carreira tem sido construída progressivamente. Já trabalhei com praticamente todos os encenadores deste país e tenho a sorte de também fazer televisão. Sinto que sou muito abençoada, o que me leva a pensar nos outros e a ajudar quem não tem essa sorte. Se todos ajudarmos quem está à nossa volta, o mundo será melhor. É muito angustiante ver tantos colegas a passarem por dificuldades. Se há coisa que esta pandemia nos veio mostrar, é que precisamos muito uns dos outros.
– E como se mantém essa humildade numa área que tem tantos egos?
– Com simplicidade. A vida tem de ser simples. Temos de ser tolerantes e olhar para o próximo como igual. O sucesso e a felicidade são efémeros, hoje estamos cá em cima e amanhã estamos lá em baixo. Claro que ter sucesso também me alimenta, é uma espécie de ignição que me leva a fazer cada vez mais e melhor. Tento sempre superar-me a mim mesma, não me comparo com os outros.
– Estamos numa fase em que as mulheres na casa dos 50 ganham um protagonismo sem precedentes, provando que a beleza e a juventude não são as únicas características que tornam alguém desejável aos olhos do público. O que devemos saber sobre as mulheres desta idade?
– É muito bom ver que as mulheres estão a ter mais protagonismo. Antes, os homens eram sempre os protagonistas, mas agora há cada vez mais séries com mulheres nos papéis de destaque. Não somos mais importantes do que os homens, mas devemos ter as mesmas oportunidades. Em relação às mulheres de 50, temos todo um percurso que nos trouxe sabedoria. Com a idade também nos tornamos mais serenas e tolerantes. Tento usar todo o conhecimento que adquiri para me aperfeiçoar e ser um ser humano melhor.
– E nesta fase quais são os seus grandes objetivos?
– O meu grande objetivo é assegurar a tranquilidade da minha família, mantê-la unida e nutri-la com muito amor. E digo isso em relação à família e aos meus amigos. Nesta fase, e até poderei estar a ser um pouco ingrata, não estou a pensar na minha profissão e naquilo que ainda poderei fazer. Estou um bocadinho em autómato, tenho de fazer e entrego-me com todo o amor e paixão. Mas neste momento a família está acima de tudo. Sempre esteve, mas agora mais do que nunca. A família é o meu grande pilar.
– E como é que vive o papel de mãe quando os filhos já têm as vidas autónomas?
– Sou horrível, porque, sem querer, ser intrusiva na vida dos meus filhos, sou um bocadinho controladora. Não quero saber onde vão ou onde estão, é mais o querer controlar se têm todo o conforto em casa. Estou constantemente a perguntar-lhes se têm dinheiro, se precisam de comida, se têm roupa… Às vezes o João brinca comigo e diz-me: “Deixa lá os miúdos. Se precisarem de alguma coisa, pedem.” Quero ser uma rede, porque se caírem, estou pronta para os amparar. Mas sei que todos temos de cair, faz parte da vida.
Miguel Raposo – Nunca me senti sufocado, porque tudo o que a minha mãe faz é por amor. Compreendo que seja difícil ver os filhos ganharem asas.
Ricardo Raposo – A minha mãe é uma pessoa muito inteligente e sensível, por isso sempre percebeu quando precisamos do nosso espaço.
– E, como avó, também tem esse instinto protetor muito vincado?
Maria João – Como avó sou ainda pior! Quando os meus netos ficam sozinhos connosco, ainda me sinto mais responsável. Quem educa são os pais e tanto eu como o João seguimos à risca as regras deles. Também temos todo o cuidado com a alimentação deles. Todos na nossa família mudámos a nossa alimentação e ninguém ingere açúcar. O meu filho Ricardo e a minha nora Rita até estão a desenvolver um projeto, My Unsweetened Boys, com o qual querem mostrar como se pode retirar o açúcar da alimentação das crianças, promovendo uma dieta mais saudável e nutritiva. A saúde começa pela boca e, no meu caso, sinto esse impacto nas dores provocadas pela fibromialgia. Fiz várias pesquisas, comecei a ser acompanhada por uma terapeuta de medicina alternativa e passei a excluir da minha alimentação glúten, laticínios, açúcar e álcool. Ao fim de uma semana comecei a deixar de ter dores.
– Voltando um bocadinho ao seu papel de mãe, sempre conseguiu ter uma relação individualizada com eles?
– Sim, sempre. O Miguel é a minha alma-gémea, somos iguais. Há inquietações que tenho que só ele entende. Somos muito sensíveis, um pouco depressivos, tudo nos afeta e inquieta. O Ricardo é muito prático e tem sempre uma forma de dar a volta às coisas, o que também me ajuda muito. Desde sempre que falei sobre tudo com eles. Os meus filhos são os meus confidentes.
Miguel – É maravilhoso ter esta mãe. De facto, somos muito parecidos. Somos aquelas pessoas que choram com um anúncio bonito, temos a sensibilidade à flor da pele. A minha mãe está sempre lá para quem precisa, põe sempre o outro em primeiro lugar, o que nem sempre é bom, porque muitas vezes esquece-se dela própria.
Ricardo – Se a puxo para a terra com o meu lado prático, a minha mãe faz-me sonhar e ajuda-me a ser uma pessoa mais imaginativa. Além disso, está sempre presente. Às vezes temos de lhe dizer que está tudo bem e que não precisa de se preocupar tanto.
– E sente que, no meio de tantas voltas que a vida já deu, o João foi mesmo o seu grande “golpe de sorte”?
Maria João – Foi mesmo. Às vezes, na brincadeira, perguntam-me se tenho jogado para me sair um prémio grande e eu digo que o João é o meu Euromilhões. É o meu grande amor, o meu equilíbrio, o homem que ama os meus como me ama a mim. Não lhe dei filhos, mas temos netos. Nenhum avô ama mais os netos do que ele. Os nossos netos têm uma paixão assolapada pelo João. Somos uma família muito unida, há uma genuína preocupação uns com os outros.
– Falando agora de projetos profissionais, 2021 vai ser outro grande ano nessa área?
– Espero que sim. Estou a gravar uma novela para a SIC, da qual ainda não posso falar, e estamos a começar uma sitcom, Patrões Fora, que será gravada no cenário da Casa Feliz. Quando os patrões saem, a dona Odete leva a família lá para casa e tudo pode acontecer. É com o João Baião, José Raposo, Carlos Areia, Noémia Costa, Tiago Aldeia, Sofia Arruda, Natalina José e eu. Mas teremos outros convidados. Estão previstos 13 episódios e estreia agora, a 12 de dezembro.