
É, porventura, o melhor exemplo de como usar a fama adquirida em Hollywood a favor dos direitos humanos. Angelina Jolie, 46 anos, filha de dois atores americanos – Jon Voight (hoje com 82) e Marcheline Bertrand (que morreu em 2007, aos 56, de cancro) –, conhecida pelo seu trabalho de atriz desde a saga Tomb Raider a filmes como Changeling/A Troca ou Salt e pelo casamento com o ator Brad Pitt, com quem adotou três filhos e teve três biológicos, é uma reconhecida defensora dos direitos dos refugiados, área em que trabalha há quase duas décadas, primeiro como embaixadora da Boa Vontade da ONU e, desde 2012, como enviada especial do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Foi precisamente esse papel de ativista que a fez inaugurar, a 20 de agosto, uma conta no Instagram, com a qual bateu todos os recordes associados àquela rede social, através de um post sobre a situação dramática que se vive no Afeganistão: ao fim de três horas, tinha já 2,1 milhões de seguidores. Uma semana depois ia em mais de nove milhões. Essa primeira publicação reproduz a carta de uma adolescente afegã escrita à mão e na qual se leem frases como “os nossos sonhos desapareceram” ou “perdemos a nossa liberdade e estamos presos outra vez”.
No texto que escreveu a acompanhar a carta, a atriz nota que “o povo afegão está a perder a sua capacidade para comunicar nos media digitais e para se expressar livremente” e justifica que aderiu à rede social para “partilhar as suas histórias e as vozes daqueles que lutam em todo o mundo pelos seus mais básicos direitos humanos”. Afirmando que, depois de tantas vidas perdidas e tanto investimento financeiro, este desenlace no Afeganistão “é um falhanço quase impossível de compreender” e que considera “repugnante” ver os refugiados “tratados como um fardo”, Jolie promete que não virará as costas ao problema e que continuará a procurar formas de ajudar, convidando os seguidores a fazerem o mesmo.
No que toca a dar o exemplo, não há dúvida de que tem feito a sua parte: além das viagens humanitárias – da Serra Leoa, onde fez a primeira, à Colômbia, mais recentemente, passando pelo Líbano ou pelo Curdistão – e das chamadas de atenção para as dificuldades que vivem todos os que foram deslocados, tem abordado essas questões em alguns dos filmes que fez como realizadora (Primeiro Mataram o Meu Pai, de 2017, é sobre o genocídio dos khmers vermelhos no Cambodja, Na Terra de Sangue e Mel, de 2011, retrata os efeitos da guerra a partir do exemplo da Bósnia) e, talvez mais importante do que tudo, adotou três crianças cujo futuro estaria, à partida, hipotecado pelas circunstâncias em que viviam, permitindo-lhes reescrever a sua história. Maddox, agora com 20 anos, nasceu no Cambodja, Pax, de 17, no Vietname, e Zahara, de 16, na Etiópia. A eles juntaram-se depois os filhos biológicos de Jolie e Brad Pitt Shiloh, que tem 15 anos, e os gémeos Knox e Vivienne, de 13.
Numa entrevista que deu à Vogue em 2020, diz que cada um deles representa uma maneira bonita de formar uma família e que “em nossa casa ‘adoção’ e ‘orfanato’ são palavras positivas. Com os meus filhos adotivos não posso falar de gravidez, mas falo com muitos detalhes e amor sobre a jornada para os encontrar e como foi olhar para eles pela primeira vez”, conta, sublinhando que lhes proporciona contacto com as respetivas raízes e que procura aprender com todos eles, tal como refere ter aprendido muito nas ações humanitárias em que participou. “Aprendi mais com os refugiados sobre família, resiliência, dignidade e sobrevivência do que posso expressar por palavras”, refere na mesma entrevista.
A dignidade humana é mesmo uma causa que a move, e na segunda publicação que fez no Instagram escreveu: “Comecei a trabalhar com pessoas deslocadas porque acredito apaixonadamente nos direitos humanos. Não por caridade, mas por profundo respeito por elas e pelas suas famílias”, referindo que os deslocados são hoje 1% da população mundial, fruto de guerras e conflitos, assim como da crise ambiental, apelando à intervenção de todos.
A expressão “famílias” surge muito frequentemente no seu discurso e Angelina não esconde que foi muito duro para ela tomar a decisão de se separar do pai dos filhos (juntos desde 2005, separaram-se em 2016, dois anos depois de se terem casado), que, por sua vez, deu origem a um longo e doloroso processo legal. “Os últimos anos foram muito difíceis. Tenho-me concentrado em curar a nossa família. Estou a recuperar lentamente, como se o frio me abandonasse e o calor regressasse ao meu corpo”, descreve numa entrevista que deu já este ano novamente à revista Vogue, na qual explica que está a viver com os filhos em Los Angeles, numa propriedade que pertenceu ao cineasta Cecil B. DeMille, para poderem estar a cerca de cinco minutos da de Brad Pitt.
Nessa mesma entrevista, amplamente citada pela imprensa em todo o mundo, já que até aí sempre mantivera o silêncio sobre a forma como passou pelo processo de separação, Angelina admitiu que esse caminho rumo à estabilidade emocional ainda não estava completo – “ainda não estou lá, não cheguei lá, mas espero conseguir”, afirmava, adiantando que sentia até alguma ansiedade pelo envelhecimento, como se acreditasse que é isso que lhe trará paz de espírito: “Gosto de ser mais velha. Sinto-me mais confortável nos meus 40 do que quando era nova. Talvez porque… não sei. Talvez porque a minha mãe não viveu muito, por isso há alguma coisa sobre a idade que me parece mais uma vitória do que uma tristeza. Estou ansiosa pelos meus 50 anos, sinto que vou atingir o meu ritmo aos 50.”
Angelina sempre disse que a decisão de se separar de Pitt tinha sido tomada pelo bem-estar da família – na altura falou-se sobre um suposto alcoolismo do ator, que ele mais tarde confirmaria, revelando que procurou ajuda nos alcoólicos anónimos. E se dúvidas houvesse, basta olhar para a primeira palavra que a atriz e realizadora escolheu para se apresentar agora no Instagram: “Mãe.” Antes de cineasta e ativista.