A conversa com Cláudia Lucas Chéu, de 44 anos, começa por esclarecer que o amor é amor, sem géneros que o definam ou espartilhem. Contudo, os protagonistas que se apaixonam ou desapaixonam no palco só agora começam a mudar, mostrando que as borboletas na barriga, o encantamento, as rotinas de casal e de família, o desgosto e a desilusão não acontecem só quando se contam pelas linhas da heteronormatividade.
É precisamente este lado empático do amor que a artista encena em A Iguana Viúva, um texto de Raquel Serejo Martins, que venceu o Prémio Miguel Rovisco – Novos Textos Teatrais, e que vai ser levado à cena no Teatro da Trindade na próxima temporada. “Quero tratar exatamente da mesma forma que trataria uma história de amor entre um homem e uma mulher. Esse é o ponto a atingir. Tem de se tratar com o mesmo cuidado, respeito e admiração uma relação heteronormativa ou homossexual. Enquanto artista, é esse o meu objetivo. É uma história de amor que acaba. Duas pessoas que partilharam um projeto de vida durante 20 anos mas que chegou ao fim. Interessou-me perceber como é que uma pessoa fica depois dessa perda, desse desgosto, mostrando que não há qualquer diferença se esse parceiro é homossexual ou heterossexual. Um desgosto de amor vive-se da mesma maneira”, explica Cláudia.
Auscultando as pessoas e a sociedade, a escritora reconhece que as vidas se fazem cada vez mais de mudança e de relações fugazes: “A amizade e o respeito devem ser a base de qualquer relação. Também tem de haver a admiração pelo outro, que é algo que rareia nas relações amorosas e nas relações humanas, vistas numa perspetiva mais geral. Estamos a viver tempos em que o amor parece descartável, não só o amor como a amizade. Estamos a aplicar a lógica do consumismo e da lei do mercado às relações, e as redes sociais reforçam isso. No Tinder, por exemplo, basta um deslizar de dedo para dizer o que queremos ou não queremos. Estamos a tratar uma pessoa como um objeto. Quando se está numa relação, as pessoas têm sempre a ideia de que há outros ‘modelos’ disponíveis e que podem trocar aquele que têm. É uma ideia ilusória e as relações estão mais frágeis por isso.”
Na peça Orlando, que escreveu a partir da obra homónima de Virginia Woolf e cujo elenco também integra, Cláudia traz a reflexão sobre a dignidade humana e as questões de género para o palco, mostrando, mais uma vez, que as novas vozes da dramaturgia portuguesa têm histórias para contar: “Esta peça é uma espécie de grito de revolta. Cada pessoa tem o direito de ser como é sem ser julgada por convenções preexistentes. O Orlando começa por ser um homem e vê-se transformado numa mulher e percebe que toda a sociedade se altera com essa mudança. Há pessoas transsexuais assassinadas todos os anos. Orlando é uma espécie de manifesto contra a tacanhez que ainda se manifesta na nossa sociedade.”
Este espetáculo estará em cena no Teatro Nacional D. Maria II de 31 de março a 9 de abril.