Sem querer alimentar estereótipos ou preconceitos, Anabela Moreira não se revê no dualismo homem/mulher, sobretudo quando se trata de talento e de uma subjetividade que vai muito além do género. Se durante muito tempo os homens dominaram sozinhos a indústria do cinema, a verdade é que se caminha na direção da mudança, sendo já visíveis os frutos que a discriminação positiva das mulheres nesta área artística têm gerado.
Um desses “frutos” é a iniciativa Contado por Mulheres, na qual contos, novelas e romances são adaptados por argumentistas e dez realizadoras, tendo Anabela realizado o filme Há de Haver Uma Lei: “Têm existido iniciativas que discriminam positivamente as mulheres. Ainda há pouco tempo houve, por exemplo, um apoio da Netflix a realizadoras portuguesas. Existiu também o Contado por Mulheres. Se existe desequilíbrio, devem existir iniciativas que promovam o aparecimento de mulheres na indústria. Mas julgo que a discriminação, tanto positiva como negativa, pode ser errada. Seria perfeito que cada um alcançasse o seu espaço por mérito individual, independentemente do género. Esse deve ser sempre o objetivo.”
Apesar dos estereótipos e preconceitos ainda terem espaço no cinema e nas restantes artes, a pluralidade de histórias e personagens é explorada com mais cores, mais emoções e sensibilidades no grande ecrã, como defende a atriz e realizadora: “Não nos podemos alhear do normativo e que esse ‘normal’ existe no e para além de. Há um papel que tendencialmente cabe às heroínas, mas o oposto também existe. E através do cinema testemunhamos a disfunção desse papel normativo. Tenho visto heroínas e heróis, tenho visto vítimas, tenho visto exemplos. Tal como na vida e na sociedade, persiste de tudo um pouco. Infelizmente, estamos muito longe de conseguir fugir dos estereótipos criados seja no cinema, na literatura e em outros lugares.”
Numa época em que o feminismo luta por ser visto como uma causa de todos, a atriz recusa fechar o romantismo em ideias preconcebidas, em géneros ou num momento cronológico. “Por norma, por socialização, por preconceito, este meu corpo e identidade estão relacionados com determinadas ideias que existiam muito antes de eu ter nascido. Através da educação, muitas dessas ideias me magoaram, me ostracizaram e até me castraram. O romantismo é, antes de mais, humano. Não é verdade que a mulher pré-contemporânea esteja associada ao romantismo e é mentira que a mulher contemporânea ponha em causa o romantismo. Em algumas sociedades matriarcais, e basta estudar antropologia cultural, as características da sensibilidade e até de certo romantismo estão associadas aos homens, e não às mulheres. Essa construção é fruto da aculturação e não um sintoma de se nascer com ovários ou não.”
Neste caleidoscópio, há lugar para se contarem as histórias de todas as mulheres, trabalhando-as a partir de um universo pessoal a que cada atriz abre a porta. “Quero experienciar todas as mulheres. As minhas personagens serão sempre parte do que sou ou do que consigo descobrir através de mim. As personagens não existem no papel. Elas podem ser tudo e serão coisas diferentes para atrizes distintas”, justifica.