Numa altura em que a saúde mental e o bem-estar emocional já não são tabu, expressões como mindset [forma de pensar] ou life coach [um especialista que ajuda alguém a trabalhar o seu potencial] passaram a fazer parte do vocabulário e da vida de muitos. Contudo, ainda há quem olhe para a autodescoberta e o desenvolvimento pessoal como experiências quase esotéricas, uma falácia que Gracinha Viterbo deixa cair por terra partilhando o seu testemunho.
Designer de interiores com clientes pelo mundo inteiro, casada com o gestor Miguel Vieira da Rocha e mãe de quatro filhos, Santiago, de 18 anos, Guilherme, de 15, Benjamim, de 14, e Alice, de 12, Gracinha, de 45, também já se sentiu esgotada, com as energias drenadas por rotinas que pareciam não trazer nada de novo. Reconhecendo o muito que tinha, uma família e um trabalho que adora, convenceu-se de que “a vida é isto e fica por aqui”. Porém, não foi só “isso” nem se ficou por “ali”. Em 2016, a diretora de projetos da Viterbo Interior Design começou a trabalhar com uma life coach, que a levou a arriscar, a pensar e a fazer diferente, um passo que transformou por completo a forma como vive e olha para si e para os outros.
Numa conversa sem filtros, Gracinha convidou-nos a entrar na sua cabeça e no seu coração, um ato de generosidade que pode inspirar outras mulheres a iniciarem esta jornada rumo a um lugar onde se pode ser mais feliz.
“Não me quero limitar, quero fazer tudo o que me faz feliz. Sou mãe, mulher, criativa, e posso ser e fazer tudo.”
– Estamos no seu atelier. A ideia que temos é de que consegue ter tempo para fazer tudo bem. É verdade?
Gracinha Viterbo – A experiência ajuda muito. Hoje dizem-me que faço determinada atividade muito depressa, em dez minutos, mas levei 20 anos a conseguir fazê-la em dez minutos. Muitas vezes as pessoas comparam-se com uma experiência que não têm, o que as deixa frustradas, sobretudo as mulheres. A primeira regra é não nos frustrarmos por vermos outros a conseguir. Ninguém faz tudo bem.
– Há um processo de aceitação na base de tudo isto?
– Sim, e tive um sentimento de culpa durante muitos anos. O sentimento de culpa está impregnado na sociedade, sobretudo nas mulheres. É bom os nossos filhos verem-nos a trabalhar e a sermos produtivas. Não temos de pedir desculpa por estarmos a fazer algo espetacular. O mesmo acontece quando cuidamos de nós. Percebi também tarde que não fazia mal deixar a família e organizar-me no trabalho para ter tempo para tratar de mim.
Ao lado do marido, o gestor Miguel Vieira da Rocha, Gracinha lidera o Viterbo Interior Design, um gabinete de arquitetura de interiores e decoração que já foi distinguido internacionalmente.
– Houve algum ponto de viragem na sua vida?
– Em 2016, comecei a trabalhar com uma life coach, a Claudia Vece. Na altura, estava a conversar com uma amiga e disse-lhe que tinha uma família espetacular, um trabalho que adoro e que, se calhar, a vida é isto e fica por aqui. Ela disse-me que não, que a vida poderia ser muito mais. Estava numa fase de grande cansaço, sentia-me esgotada, os miúdos ainda eram pequenos e estava a perder um bocadinho o fogo de fazer mais, de criar na minha vida outras oportunidades.
– O que aprendeu com a sua life coach?
– A Claudia ensinou-me que o cérebro é um músculo e que para vermos resultados temos de o trabalhar nas áreas que queremos. É incrível a mudança que vi acontecer na minha vida desde essa altura. Já trabalhava esta questão do mindset, que para mim é algo muito importante, desde a altura em que vivi em Singapura e conheci o growth mindset. O mindset é a forma como pensamos. É uma expressão que foi inventada pela Carol Dweck, que escreveu o livro Mindset. Esta obra explica-nos o que é a forma de pensar fixa e a forma de pensar em crescimento. A forma de pensar fixa prende-se com pensamentos como: “Isto é difícil.” A cabeça assume que não vai conseguir. O pensamento em crescimento reconhece que é difícil, mas acredita que vai conseguir. No fundo, o pensamento em crescimento é um processo de conquistas, enquanto o fixo é um processo de barreiras que nos impede de alcançar os nossos objetivos.
“Não gostava de quem estava a ser. Deitava-me a pensar: ‘Não quero ser assim’, mas não sabia sair daquele lugar.”
– Muitas mulheres sentem-se esgotadas, tal como a Gracinha já se sentiu. Como se pode sair desse lugar?
– Sim, tive um esgotamento. Há sinais, como o acordar cansada, ter menos paciência… Não gostava de quem estava a ser. Deitava-me a pensar: “Não quero ser assim”, mas não sabia sair daquele lugar [emociona-se]. Temos de olhar para dentro. As frases bonitas não valem de nada se não forem vividas. Muitas vezes temos um mindset em crescimento com os amigos ou no trabalho, e em casa, com os filhos, temos um mindset fixo. Tudo isso pode ser reprogramado se treinarmos o nosso cérebro. A forma como olhamos para as coisas muda tudo. Temos de olhar para o potencial do momento. Com essa atitude, as pessoas que estão ao nosso lado também têm oportunidade de crescer.
– Como é que se pode educar para o growth mindset num mundo tão competitivo, que privilegia o resultado e a comparação?
– Para mim, o “sempre foi assim” é a expressão mais perigosa da humanidade, porque trava as pessoas. Temos de aprender e perceber que podemos ser várias coisas. Não sou só designer de interiores, sou muitas mais coisas. Não me quero limitar, quero fazer tudo o que me faz feliz. Sou mãe, mulher, criativa, e posso ser e fazer tudo. O growth mindset trouxe-me esse potencial de não ficar fechada numa caixa.
“Foi muito importante separar a Gracinha-mulher da Gracinha-mãe.”
– Por onde se pode começar?
– Primeiro, temos de aceitar que nenhuma mudança se dá de um dia para o outro. É mesmo como ir ao ginásio, tem de haver dedicação e consistência. A única pessoa que pode mudar a nossa cabeça somos nós mesmos, podemos reinventar-nos. No meu caso, impus-me algumas regras, como rodear-me de quem realmente me faz sentir bem e saber dizer não. Somos a média das cinco pessoas com quem mais estamos, temos de escolher bem. Também descanso mais. O sucesso implica que saibamos parar. Além disso, respiro – respirar é tão importante! – e medito, o que pode acontecer num bom passeio ou a ouvir as nossas músicas preferidas no carro. Faço exercício físico e opto por práticas que me façam sair da minha zona de conforto e nas quais posso observar o meu progresso. Também investiguei sobre o tema “traumas geracionais” e quebrei com bastantes “vícios geracionais”, que se instalam automaticamente por fazerem parte da cultura de cada família e que me estavam a limitar e a bloquear. Aprendi a criar barreiras saudáveis, a dizer não a coisas, pessoas e momentos que não acrescentam à realidade que quero. Faço questão de ter tempo a dois com o meu marido. Foi muito importante separar a Gracinha-mulher da Gracinha-mãe sem sentimentos de culpa. Também tenho uma alimentação saudável e danço sem vergonhas e em qualquer lugar, algo que eleva a minha energia. Depois, gosto de partilhar com os outros a minha experiência nesta área e na da educação positiva, seja através de mentorias ou das redes sociais. É o dar de volta, porque o bem-estar não é só centrarmo-nos em nós mesmos.
– Essa filosofia de vida também ajuda a encarar o flagelo de uma guerra, por exemplo?
– Sim, claro. Ser positivo não significa passarmos a vida a sorrir. Também temos dias menos bons, mas sabemos que podemos partir desse lugar e trabalhar as coisas de outra maneira.
Texto: Marta Mesquita
Fotos: João Lemos
Cabelos e Maquilhagem: Carina Quintiliano
Produção: Patrícia Pinto