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Foi num cenário histórico, os jardins do Palácio Marquês de Pombal, em Oeiras, que que decorreu a conversa com Ana Peneda Moreira, jornalista da SIC, que vimos deixar o papel de pivô para cobrir a guerra na Ucrânia, uma experiência que a marcará para sempre, como assumiu. Aos 41 anos, e com uma carreira feita na televisão, tem a certeza de que as mulheres trazem sempre algo de positivo por onde passam. E conta que é na cozinha, a improvisar pratos, que descansa dos dias acelerados. Ao lado do marido, Miguel Barriga, realizador do mesmo canal, encontrou o equilíbrio perfeito.
– Estamos habituados a vê-la tanto como tanto como pivô como enquanto repórter. Prefere alguma destas áreas?
Ana Peneda Moreira – Gosto de ser jornalista e agrada-me ter alguma polivalência. A minha paixão sempre foi o “terreno”, a reportagem. Gosto de trabalhos que exigem alguma superação mental e física. A guerra na Ucrânia e a cobertura do ciclone IDAI, em Moçambique, foram dos que mais me preencheram. Realiza-me saber que estou nos locais e que depende de mim procurar as histórias que melhor refletem os factos. A vontade de ser pivô veio numa fase mais madura da carreira. Em estúdio, o registo é mais formal, mas agrada-me muito a preparação das entrevistas e a realização de debates. Hoje, sinto que são lados que se complementam.
– Esteve na Ucrânia quando começou o conflito com a Rússia. Foi uma experiência dura?
– Foi, obviamente, duro, mas não estaria a ser sincera se não dissesse que valeu muito a pena. Quando estamos no terreno, a nossa visão e atenção estão completamente centradas no que se está a fazer, sabemos que o trabalho vai resultar em algo positivo. As pessoas que se cruzavam connosco agradeciam por estarmos ali, e isso é extremamente prazeroso, vê-se a coisa numa certa dimensão. Não há tempo para pensar. No regresso, penso, então, no medo, nos riscos, nas coisas menos boas que vi.
A minha paixão sempre foi a reportagem. Gosto de trabalhos que exigem alguma superação mental e física.
– Quando está na linha da frente, da frente, é mais reativa ou procura ter perceção de toda a envolvência?
-Obrigava-me, no final do dia, a pensar em todas as pessoas com quem me tinha cruzado, vivas ou mortas, todas as histórias. Era essencial para perceber que não tinha perdido a minha sensibilidade naquele trabalho. Nós, jornalistas, não podemos ficar a chorar. Temos de seguir para contarmos a história que aquelas pessoas merecem que seja contada. Mas depois há o outro lado, o de ser mulher, que não me deixa indiferente. Penso que tenho de me lembrar destas pessoas, de as respeitar na sua dignidade, portanto, todos os dias, antes de dormir, revia tudo, precisamente para nunca me esquecer de que me cruzei com cadáveres, com crianças órfãs, com pessoas que tinham perdido os seus familiares, e isso ajuda-me hoje a conseguir viver melhor.
– Custou-lhe ter de deixar a Ucrânia de repente?
-Sim, na primeira vez em que lá estive, a dada altura recebemos indicação de que corríamos perigo e foi uma decisão difícil. Quando a direção de Informação ligou para dizer que havia um movimento para os jornalistas saírem juntos, o meu primeiro instinto foi dizer que não queria sair. Mas também isso foi uma grande aprendizagem: perceber que às vezes temos de privilegiar a segurança, porque um jornalista morto não conta histórias. Saí com a sensação de deixar o trabalho a meio. Não dormi até chegarmos à Roménia, sempre a ver aquelas pessoas todas que, como nós, estavam a tentar sair. Hoje em dia, talvez porque regressei ao terreno, estou mais confortável com essa decisão.
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– O regresso à Ucrânia apaziguou-a?
– Sim, foi essencial voltar lá em abril. Acabei por fazer a abertura dos arredores de Kiev e perceber tudo o que aconteceu e que estava a acontecer. Na primeira vez, ouvi a guerra, na segunda, vi os efeitos desta, e aí, sim, confrontei-me com imagens que ninguém gostaria de ver. No futuro, gostava de voltar para perceber como é que o país se vai reconstruir.
– Quando lhe foi proposto ir, não hesitou?
– Quando me desafiaram, não me questionei. Não disse imediatamente que sim, porque percebi que a dimensão do que ia fazer era tão grande que teria impactos na minha família. Pedi cinco minutos para falar com eles. Todos me apoiaram e aceitei.
Na Ucrânia obrigava-me sempre a pensar em todas as pessoas com quem me tinha cruzado, vivas ou mortas.
– A família não ficou relutante à medida que a ia vendo num cenário cada vez pior?
– Sobretudo apoiou-me, a minha mãe com muito receio. Quando começou a guerra, ligou-me a chorar, queria que me viesse embora, e é natural, mas deu-me sempre apoio. A minha família, nomeadamente o meu marido, foi muito importante na forma como me transmitiu força e tranquilidade, essencial para me poder preocupar apenas com o que estava a viver. E também tive um grupo de amigas fantásticas, que reforçou o contacto com os meus pais.
– Viveu na Beira Alta até ser adulta. Foi importante crescer numa cidade pequena e rodeada de Natureza?
– Nasci no Luxemburgo, mas fui viver com um ano para Mêda, e foi um enorme privilégio crescer no meio da Natureza, com paz, um ambiente saudável, numa comunidade muito solidária. Olhando para trás, tenho a noção de que essa vivência contribuiu muito para a forma como consigo aproximar-me das pessoas enquanto repórter.
– Quando decidiu que queria ser jornalista?
– Tirando o facto de querer ser cantora e polícia, sempre quis ser jornalista. Queria contar histórias e informar.
A minha família, nomeadamente o meu marido, foi importante na forma como me transmitiu tranquilidade.
– A televisão é o “bichinho”?
– Inicialmente era a rádio. Depois, tive um professor na faculdade que me entusiasmou a ir para a televisão. Fui estagiar para a SIC e gostei imenso. Continuo a gostar de rádio, recentemente tive um podcast, mas adoro fazer televisão.
– De que forma encara o jornalismo no feminino?
– Não quero ser demasiado feminista, mas acho que nós, mulheres, trazemos sempre coisas boas a tudo o que fazemos. A sensibilidade feminina é importante na forma como olhamos para as histórias e vemos outros lados. Não me sinto, de todo, diminuída ou que tenha de provar mais por ser mulher. Sinceramente, adoro aproveitar essas minhas características mais femininas, a minha sensibilidade, a voz que pode ser doce ou autoritária, este meu lado franzino. Uma sorte para uma beirã que adora cozinhar e comer [risos].
– Cozinhar é o seu escape?
– Sim. Adoro cozinhar para quem gosto e de repente, em cima da hora, improvisar um banquete de entradas. É uma coisa que me relaxa muito.
– Qual é o seu prato mais famoso?
– Gosto de fazer petiscos e passo a vida a inventar. Às vezes tento lembrar-me de receitas que me correram muito bem, mas não me recordo, porque pelo meio já inventei outras coisas. Inspiro-me nas receitas e depois vou à experiência. O que me diverte é o improviso.
– Como é viver uma relação com um colega?
– Nós trabalhamos em áreas diferentes, somos complementares. Percebemos bem o trabalho um do outro e isso traz mais coisas positivas à nossa relação do que negativas. E brincamos. Ele diz que está do lado cor-de-rosa e eu mostro, por vezes, o lado menos bom da vida.