A máquina de escrever colocada na mesa que separava Woody Allen de Ricardo Araújo Pereira, igual à que o cineasta e humorista americano ainda usa para escrever, dava o mote ao tema da conversa entre os dois, o livro Gravidade Zero, compilação de textos do primeiro editada em Portugal pelo Grupo Almedina, coorganizadora deste encontro em parceria com o festival literário Folio e a Cinemateca Portuguesa, que lhe serviu de cenário e exibiu, logo a seguir, um dos seus filmes mais emblemáticos, Manhattan.
O encontro, que se proporcionou porque Woody Allen estava em Portugal com a sua banda de jazz, na qual toca clarinete, para um concerto no Porto e outro em Lisboa, despertou a atenção do público e convocou centenas de pessoas, que fizeram fila durante várias horas paras aceder aos cerca de 150 bilhetes disponibilizados pela Cinemateca Portuguesa. O espaço acabou lotado, provando que as polémicas que têm rodeado o autor de filmes como Annie Hall, Match Point ou Meia-Noite em Paris – acusado pela ex-mulher Mia Farrow de ter molestado uma vez a filha adotiva Dylan quando esta tinha sete anos, acusação que nunca foi provada – não afastaram o público fiel. Nem mesmo depois de ter feito em Veneza, onde foi apresentar o seu filme mais recente, Golpe de Sorte, um comentário de apoio ao espanhol Luis Rubiales, cujo caso inflamou a opinião pública e levou este a despedir-se da direção da Federação Espanhola de Futebol depois de dar um beijo não consentido a uma jogadora na final do Mundial.
Polémicas à parte, Woody Allen foi recebido com entusiasmo para uma conversa em que confirmou que um comediante olha para tudo na vida através da lente do humor e que isso ajuda a atenuar o impacto das coisas más, revelou que não gosta dos filmes da Marvel – “em teoria, porque nunca os vi”, assumiu, acrescentando que não tem qualquer interesse por filmes “que custam milhões” – e hesitou em concordar que os judeus tenham um talento especial para a comédia. No fim da conversa, um elemento do público conseguiu lançar-lhe o desafio de vir filmar a Portugal. Respondeu que gostaria, até porque a família (a mulher, Soon-Yi Previn, e as filhas, Bechet e Manzie) gosta de cá vir, e que só lhe faltava o pretexto: “Se eu tiver uma ideia com sardinhas…” Os fãs ficam à espera.
Fotos: Luís Coelho