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A propósito do Outubro Rosa, iniciativa de prevenção do cancro da mama, conversámos com José Carlos Marques, médico radiologista, presidente da Sociedade Portuguesa de Senologia e responsável pela Unidade de Radiologia Mamária do Instituto Português de Oncologia de Lisboa, para sabermos quais as armas médicas atualmente ao serviço das mulheres. Isto sabendo que em Portugal uma em cada oito mulheres irá desenvolver cancro da mama durante a vida.
– Há hoje uma maior consciencialização sobre o cancro da mama e a necessidade da prevenção?
José Carlos Marques – Sim, existe maior consciencialização e as pessoas estão mais atentas. E participam mais nos programas de rastreio e de diagnóstico precoce, que são muito importantes e salvam vidas.
– O que acha que mudou desde que se investiu em campanhas de rastreio do cancro da mama?
– Tudo tem mudado e para melhor, até porque o conhecimento sobre o cancro também mudou. A atitude, sobretudo das mulheres, mais atingidas por este tipo de cancro, é outra, mais consciente, e as diretrizes e orientações também vão noutro sentido. Hoje em dia sabemos que o cancro da mama não é um cancro, são vários cancros, que existem subtipos e que estes requerem tratamentos diferentes.
“Tudo tem mudado e para melhor, até porque o conhecimento do cancro também mudou. A atitude das mulheres é outra.
– Tendo por base o conhecimento atual, com que idade se está a iniciar o rastreio?
– Fazemos rastreio de base populacional entre os 50 e os 69 anos, mas já se discute o alargamento para grupos etários mais velhos (70-74) e também mais novos (45-49). Sabemos, igualmente, que cerca de 20% dos novos cancros ocorrem em mulheres antes dos 50 anos, portanto entre os 30 e os 50, e isso levanta um conjunto de questões sobre que tipo de rastreio deve ser feito, a partir de que idade, que exames se devem efetuar. Isto porque atualmente o diagnóstico quase sempre é clínico, sobretudo abaixo dos 40 anos. Por outro lado, há uma relação maior destes casos com o cancro hereditário e, portanto, com a parte genética, e aqui as coisas também mudaram muito.
– Mudaram em que sentido?
– Hoje em dia os testes genéticos estão mais acessíveis e as suas indicações mais alargadas permitem com maior facilidade identificar mutações genéticas, mas, por outro lado, levam-nos a descobrir outras mutações que têm um significado incerto, ou seja, que os próprios profissionais não sabem muito bem como orientar. Há, certamente, uma preocupação maior em diagnosticar precocemente o cancro nos grupos mais novos.
“O que a comunidade médica recomenda é que, a partir dos 30, 35 anos, haja uma maior atenção para que seja feito um despiste.”
– Perante um cenário de evolução científica rápido, quais são as recomendações clínicas?
– O que a comunidade médica recomenda é que, a partir dos 30, 35 anos, haja uma maior atenção por parte dos médicos assistentes para que seja feito um despiste. A Liga Portuguesa Contra o Cancro faz depois um rastreio populacional, que começa aos 50 e vai até aos 69 anos, e que é feito de dois em dois anos.
– Este despiste deve ser feito a qualquer mulher a partir dos 30?
– Por qualquer mulher, até porque o chamado cancro hereditário, ou seja, que tem associação com história familiar, representa 10% a 15% dos cancros da mama. A maioria dos cancros surge fora do contexto de histórico familiar, portanto qualquer mulher a partir dos 30 anos deve falar com o médico assistente e identificar fatores de risco pessoais e familiares para poder fazer um primeiro exame que dê indicação de que realmente está tudo bem ou se existem alterações. Ou seja, tentar estabelecer um perfil de risco.
– Porquê de dois em dois anos a partir dos 50?
– Porque é, mais ou menos, a barreira de idade da menopausa, e as mulheres depois desta têm um crescimento do cancro mais lento e, portanto, o intervalo adequado é de dois anos. Entre a relação custo/eficácia verificou-se que o intervalo de dois anos é adequado. No Reino Unido até são três. Mas a verdade é que a vigilância entre os 40 e os 50 anos deve existir, e até mais cedo. Não estando incluído neste rastreio da população geral, deve fazer-se na mesma. Aqui, o recomendado é anual ou de ano e meio em ano e meio. Nesta faixa etária, o período de tempo é mais curto, pois, se houver uma alteração, os tumores crescem de uma forma mais rápida e dois anos é muito tempo.
“A vigilância entre os 40 e 50 anos deve existir, e até mais cedo. O recomendado é anual ou de ano e meio em ano e meio.”
– Nas faixas etárias mais novas deve fazer-se a mamografia e ecografia ou apenas esta última?
– A partir dos 40 anos recomendamos sempre com mamografia. É fundamental, pois alguns cancros podem ter um tipo de apresentação que não é identificado na ecografia. Até aos 35, é recomendada ecografia, mas mesmo aqui tem de se avaliar caso a caso. Se calhar, para uma mulher que não teve filhos uma ecografia é suficiente, mas numa com a mesma idade que já teve filhos e amamentou a mamografia vai ter mais valor. A nós, médicos, interessa-nos tratar pessoas, logo, queremos identificar o risco e até poder propor outro tipo de rastreio específico. Atualmente, nos casos de alto risco, nos que têm mutação genética e familiar de primeiro grau, fazemos rastreio com ressonância magnética. Existem novos modelos de avaliação de risco, que incluem dados de imagem, como a densidade mamária, e começa-se a mexer muito com a inteligência artificial, no sentido de conseguirmos, numa idade precoce, identificar pessoas e adaptarmos vigilâncias. Há, de facto, ainda muito caminho para fazer.
– Portanto, quem estiver identificado com fatores de risco deve começar a sua vigilância mais cedo e adaptada ao seu caso? Porque a ressonância magnética como prevenção não era algo que acontecesse até ao presente.
– Exato. Recentemente, nos Países Baixos, fizeram um ensaio com mulheres que tinham mamografias com resultado negativo e mama muito densa e a seguir fizeram ressonâncias magnéticas. O que aconteceu foi que descobriram muito mais cancros, ou seja, a taxa foi muito superior. Com mamografia, a taxa anda à volta de seis por mil e com ressonância de 16 casos por mil. Este estudo trouxe impacto para a comunidade científica e o foco virou-se mais para este tipo de rastreio nos padrões de alta densidade mamária. Quem teve cancro da mama e tem grande densidade mamária deve fazer ressonância e não só a mamografia. Quem tem história familiar ou teve um nódulo benigno tem mais risco do que outras que não tenham nada disto, portanto vai precisar de uma vigilância mais apertada e mais cedo.
– As terapêuticas mais usadas continuam a ser a radioterapia e a quimioterapia?
– Sim, a que se junta a hormonoterapia, as terapias-alvo e em alguns casos a imunoterapia. Nesta área tem havido um grande desenvolvimento. Agora, independentemente de qual seja o subtipo de cancro, o estadio da doença no momento de diagnóstico é muito importante nas decisões terapêuticas.
– De que forma deve reger-se a vida de quem tem cancro da mama, mas ultrapassou a fase de combate da doença?
– A pessoa tem de retomar a sua vida normal, mas com alguns cuidados. A prática de exercício físico é muito importante e tem resultados demonstrados de benefício em relação à doença oncológica. A nutrição também é crucial, tal como ter apoio psicológico, porque a imagem corporal da pessoa muda, a questão da sexualidade também tem muita interferência. A doença oncológica tem sempre muito impacto psicológico, social e até laboral. Por vezes, é necessária a adaptação laboral a pessoas que tiveram doença oncológica. E continua a vigilância, que será adaptada a cada caso. No fundo, o cancro da mama é já uma doença crónica, no sentido em que as pessoas vivem muitos anos, mas têm de se fazer exames de vigilância e, em alguns casos, terapêuticas mais prolongadas, como é o caso da hormonoterapia.
– O stress é uma grande causa para haver cancro da mama em idades mais precoces?
– O stress acaba por interferir com a regulação do nosso organismo na parte hormonal, está associado ao aumento do estrogénio, que é a hormona que estimula a glândula mamária, e pode estar, de alguma forma, relacionada com o aparecimento de cancro. De facto, o stress interfere com o nosso organismo.
– A que se deve o aumento de casos?
– É multifatorial. Tem precisamente a ver com o nosso estilo de vida, o facto de as mulheres terem filhos cada vez mais tarde, muitas fazerem terapêuticas de estimulação hormonal, a obesidade. Não podemos afirmar que isto provoca aquilo, mas sabemos que há um conjunto múltiplo de fatores que têm influência e podem contribuir para o cancro.
Agradecemos a colaboração de Liga Portuguesa Contra o Cancro