
Se há uns anos lhe dissessem que iria ser ator e que aos 26 anos faria parte de uma produção com projeção internacional, André Leitão não acreditaria. Ele que nem sabia que ser ator podia ser uma profissão, pois só conhecia as profissões ditas convencionais. Mas quis o destino, com um empurrão da mãe, que aos 15 anos, quando não sabia bem que área escolher, acabasse a fazer uma audição para entrar na Escola Profissional de Teatro de Cascais, onde teve como mentor Carlos Avilez, que o levou a apaixonar-se ainda mais pela arte de representar e a ter a certeza de que era em cima dos palcos que seria feliz.
Seguiu-se a licenciatura em Teatro na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, onde se cruzou com profissionais de renome e que desde logo reconheceram o seu talento. Estreou-se profissionalmente no TEC em Peer Gynt, foi dirigido por Fernanda Lapa no espetáculo Medeia É Bom Rapaz, trabalhou com o realizador Sérgio Graciano no filme Salgueiro Maia – O Implicado e fez parte do elenco de Al Berto, de Vicente Alves do Ó. Filha da Lei foi a sua estreia numa série e do seu currículo fazem ainda parte novelas como Jardins Proibidos e A Teia. Rompeu preconceitos ao subir ao palco do Maria Vitória numa revista, Vamos ao Parque, mas o seu nome foi catapultado para a fama com Carlinhos, um jovem homossexual e muito católico que é um dos protagonistas da série da Netflix Rabo de Peixe. Uma personagem que lhe abriu as portas do mercado internacional e que o fez crescer profissionalmente. Vamos entrar no mundo de André Leitão, que diz ser ainda um mundo novo, de descoberta.
– A sua mãe, que tem uma profissão convencional, é que o incentivou a seguir esta área, sabendo que poderia não lhe trazer um futuro muito estável. É de admirar!
André Leitão – Acho que é um ato totalmente de amor. À medida que me vou deparando com as dificuldades deste meio vou percebendo que a minha mãe – que trabalhava das sete da manhã às nove da noite para me poder sustentar –, que sabia que eu era bom aluno, de quadro de honra, me podia ter obrigado a fazer uma coisa menos imprevisível, mas não. Foi ela…
– … que o “desencaminhou”.
– Foi ela que me desencaminhou e ainda bem [risos]. Está a correr bem e sei que ela está muito orgulhosa.
“Na pandemia tive muitas dificuldades. Tinha acabado de perder o meu pai, mudado de casa, muitas contas para pagar e não havia trabalho.”
– Mas nunca se deparou com dificuldades?
– Na pandemia tive muitas dificuldades. Tinha acabado de perder o meu pai, tinha acabado de mudar de casa, estava a viver sozinho, tinha muitas contas para pagar, tinha ficado sem agência e com o confinamento não havia trabalho. Estava na pior fase da minha vida, na fase mais negra, mais sem chão.

– Como é que deu a volta?
– Comecei a trabalhar num call center, e foi isso que me ajudou a pagar as contas… E depois, acreditando no Universo…
– Em algum momento pensou em desistir?
– Quase todos os dias [risos]. Há sempre um momento em que penso se valerá a pena. Mas logo depois tenho a certeza de que sim. O que me move não é aparecer, não é o dinheiro, é a paixão por esta arte.
– Não o fez, e tudo se endireitou.
– Uma das primeiras audições de teatro pós-pandemia foi no Maria Vitória, para teatro de revista, e eu não sabia se havia de me inscrever ou não.
– Por preconceito em relação ao género artístico?
– A minha formação é de teatro clássico e, honestamente, havia um certo preconceito da minha parte. Pensava se me iria encaixar naquele género. Mas sentia falta do palco e decidi que sim. E confesso que rompi com todos os preconceitos. No dia da estreia, na primeira fila estava o Carlos Avilez, que foi para me ver. E se ele não tinha preconceitos, mais ninguém pode ter. Adorou e deu-me um sentido abraço. E é interessante ver quando um ator consegue reunir nele todas as valências para poder fazer diferentes tipos de arte.
– Como é que surge a passagem para Rabo de Peixe?
– Havia um casting para um projeto do qual pouco se sabia. Mas comecei a perceber a dimensão que a série poderia ter porque tivemos de assinar um termo de confidencialidade para fazer o casting. Estava sem grandes expectativas, até porque estava com outros atores extremamente talentosos à minha volta, alguns com muito mais nome do que eu e até com projeção internacional. Mas para mim já era bom, porque, mesmo que não fosse escolhido, o Augusto Fraga, realizador, tinha-me visto e podia um dia convidar-me para um projeto.

– A série deu um empurrão à sua carreira. Considera-a um marco no seu percurso?
– Sem dúvida. Rabo de Peixe não foi só uma questão de me empurrar em termos de visibilidade, empurrou-me artisticamente, empurrou-me enquanto ser humano, porque, além de ser uma série que tem uma componente comercial, fez-me mergulhar no trabalho de uma personagem com uma realidade muito diferente da minha numa altura muito específica da minha vida. Tornou-me mais atento, mais perspicaz, e profissionalmente trouxe-me um conjunto de ferramentas muito importante. Foi uma escola trabalhar com aquela equipa.
– Foi um abrir de portas?
– Sim, uma montra. Estar na Netflix é mostrar ao mundo inteiro o meu trabalho. Muito mais gente me vai ver e eventualmente querer trabalhar comigo. Estou a fazer agora uma série porque o realizador gostou do meu trabalho em Rabo de Peixe.
“Achava que estava preparado para a visibilidade. Mas não estava preparado para ser uma coisa tão abrupta.”
– Estava preparado para essa visibilidade?
– Eu achava que sim. Mas não estava preparado para ser uma coisa tão abrupta. A série tinha saído há poucas horas quando fui a um evento e um casal de idosos reconheceu-me na rua, o que deu para perceber que a série é transversal a todas as faixas etárias. O outro momento aconteceu quando fui com o José Condessa [outro dos protagonistas da série] ao Estádio da Luz e assim que chegámos às imediações foi uma loucura. Não esperava aquilo. Foi sinal de que viram o nosso trabalho.
“Quero ser simpático para as pessoas que me recebem de forma calorosa e uma reação menos efusiva da minha parte pode parecer mal.”
– Como é que encara a exposição pública? É descontraído em relação a isso ou tem um sabor agridoce?
– Estou a tentar levar com leveza, mas claro que tem um lado agridoce. Fui ver um concerto na semana em que a série saiu e durante horas estive a falar com as pessoas, já estava muito cansado, mas quero ser simpático para as pessoas, que são tão queridas. E uma reação menos efusiva da minha parte pode eventualmente parecer mal.
– O que é que o Carlinhos lhe trouxe?
– Ele é muito religioso e eu não sou. Acredito no ser humano, no Universo, na energia, mas na religião não. Respeito todas e gosto de conhecê-las, mas sempre foi estranho para mim entrar em igrejas, porque as poucas vezes que o fiz não foi pelas melhores razões. Sentia um desconforto interior e tive de desconstruir isso ao máximo, porque para o Carlinhos a igreja é uma das casas dele, onde eu tinha de me sentir confortável. E deu-me a oportunidade de conhecer a história de uma das vilas açorianas mais pobres do arquipélago. Trouxe-me uma lufada de ar novo.

– O Carlinhos veio pôr a nu questões que ainda são tabu, como a homossexualidade.
– Sim, também estava apreensivo para perceber o feedback em relação a essa situação, mas foi surpreendente. Pessoas mais idosas e crianças, pessoas da comunidade LGBTQIA+ e fora dela vieram ter comigo para me dizerem que a minha personagem era incrível. O Carlinhos é muito mais do que aquilo que veste, é um bom amigo, livre de espírito, supereducado.
– O que é que tem em comum com ele?
– Tenho a mesma liberdade de espírito, mesmo a vestir-me sou capaz de arriscar. Depois, temos em comum o sorriso, que é meu, fui eu que lho emprestei.
Agradecemos a colaboração de Levi’s e Mirari