
“Tive a sorte de ser filha de uma dona de casa, uma dona de casa livre, que fez a gestão da sua própria vida, embora trabalhando sempre em casa. Desistiu de uma carreira profissional para acompanhar o meu pai, mas nunca dependeu dele para nada, aliás, não é a única. Sou fruto de uma série de mulheres que eram donas de casa, mas cujos maridos nunca ‘fizeram farinha’ com elas, e elas foram muitas vezes as líderes das suas vidas, da vida da família. E foi com esse exemplo de inspiração que eu cresci.” Foi com estas palavras que Cristina Ferreira começou o seu discurso na cerimónia de entrega dos prémios As 25 Mulheres Mais Influentes de Portugal, atribuídos pelo site Executiva, elogiando assim o papel das mulheres.
Antes deste momento, que lhe valeu muitos aplausos, a apresentadora e diretora de Entretenimento e Ficção da TVI, que é distinguida com este galardão desde a primeira edição, em 2015, teve uma breve conversa com a CARAS que foi precisamente ao encontro destas palavras. Cristina, de 46 anos, reforça a ideia de que podemos ser o que quisermos, que a liberdade é um bem pelo qual devemos lutar sempre e que é através do seu exemplo, uma mulher dona de si, que ensina ao filho, Tiago, de 15 anos, o que é ser livre.
– Reconhece as vantagens de ter nascido depois da Revolução, os privilégios de viver em liberdade?
Cristina Ferreira – É um privilégio do qual acho que nem temos bem a noção. Há toda uma geração hoje que não imagina o que foi viver antes do 25 de Abril. Eu tive a possibilidade de escutar muitas histórias por parte de mulheres da minha família, tive a sorte de serem mulheres livres e nenhuma delas ter uma história de opressão para contar.
“Acho que estamos a viver um processo de algum retrocesso naquilo que à liberdade diz respeito, e isso deixa-me muito inquieta.”
– Ainda assim, é uma realidade diferente da sua.
– Sim, embora eu ache que estejamos a viver algum retrocesso naquilo que à liberdade diz respeito e isso me deixe muito inquieta, devo confessar. Acho que vivemos outra vez um período de censura muito grave, principalmente nas redes sociais, em que já temos dificuldade em dar a nossa opinião, temos medo de o fazer. Não queremos manifestar-nos sobre determinados assuntos com receio do que possa vir a ser dito, das críticas, dos chamados cancelamentos da internet. É uma espécie de censura encapuçada. E eu tento mostrar que não tenho de ser crucificada pelas minhas opiniões. São apenas as minhas opiniões.

– Embora já estejamos muito melhor no que diz respeito ao empoderamento feminino, e a prova disso é o número de mulheres influentes que consta desta lista de premiadas, os homens continuam a liderar em quase todas as áreas…
– Há um caminho longo a fazer por parte das mulheres. Muitas vezes queremos depositar nos outros essa obrigação de sermos iguais ou de termos oportunidades iguais, mas somos nós que temos de fazer esse caminho, eliminando muitas vezes a culpa que vai surgindo ao longo do percurso. É a culpa que impede muitas vezes as mulheres de chegarem a determinados cargos que desejariam. Por exemplo, às vezes basta um simples comentário sobre uma mulher que é mãe e que foi viajar, mesmo que em trabalho, como, por exemplo, “onde é que deixou os seus filhos?”, para ficar a ecoar na cabeça. E algumas acabam mesmo a desistir da ascensão na vida profissional devido à culpa que sentem e que foi instalada pelos outros. E isso eu nunca deixei que me acontecesse.
– Podemos ser tudo o que quisermos?
– Sim, e não há nada que impeça uma mulher de ganhar mais, de estar num lugar de destaque, de atingir um lugar de liderança, a mulher só precisa de fazer o seu caminho.
“As minhas escolhas são minhas e ninguém tem que as questionar.”
– Mas é um caminho sinuoso e por vezes árduo chegar a esse lugar onde a Cristina se destaca com respeito, admiração…
– Muito difícil, mais do que as pessoas possam imaginar, até porque há uma cultura muito patriarcal instalada e perpetuada nos meios de comunicação social, na opinião pública, que faz com que, se não tivermos a força suficiente ou a certeza suficiente, poderemos questionar-nos se estamos ou não a fazer bem. Felizmente, percebi desde sempre que, bem ou mal, o meu caminho, as minhas escolhas, são meus e, portanto, ninguém tem que os questionar.

– Mesmo sendo uma pessoa livre, há alturas em que se sente espartilhada?
– Nunca senti. Não há nada que me demova daquilo que pretendo construir, desde que respeite a liberdade dos outros também. E isso tenho feito desde o primeiro dia.
– É com esse conceito de liberdade que educa o Tiago?
– Eu educo pelo exemplo. A partir do momento em que o meu filho tem o exemplo de uma mãe livre, que é gestora da sua própria vida, que nunca se sujeitou àquilo que os outros quiseram para ela e para o seu percurso, não tenho dúvidas nenhumas de que é a melhor forma de lhe ensinar o que é a liberdade.