À primeira vista, a cara de Tainá Müller pode não ser totalmente familiar, mas se falarmos da série Bom Dia, Verônica, que protagonizou, e que foi um sucesso mundial ao alcançar os lugares cimeiros do top 10 da Netflix em vários países, as dúvidas dissipam-se.
Determinada e de espírito aventureiro, a atriz brasileira, de 41 anos, encontra-se numa fase da vida em que quer explorar as oportunidades que a projeção internacional deste thriller policial lhe deu, o que a levou a aceitar o convite para participar na série da RTP Faro, que gravou recentemente durante um mês e meio em Portugal, ocasião em que nos deu esta entrevista.
Apaixonada pelo nosso país, Tainá admite que gostava de cá passar uma temporada com a família, uma vez que quer “dar mundo” ao seu filho, Martin, que faz oito anos este mês, fruto do casamento de sete anos com o realizador Henrique Sauer, de 43.
– É a sua quarta visita a Portugal. Sente-se sempre bem recebida?
– Sim. Já cá estive a gravar uma novela em 2008, a promover outra, Revelação, uns anos mais tarde, e também como jurada de um festival de cinema. Conheci várias cidades, de Norte a Sul, e fiquei encantada. O povo português recebe muito bem as pessoas, sentimo-nos imediatamente à vontade, como se estivéssemos em casa e fossemos da família de alguém.
– Acredita que o facto de não haver barreira linguística facilita esse contacto mais próximo?
– Talvez… Mas acho que também tem muito a ver com o calor do povo. A língua portuguesa é poética e partilhamo-la, mas além disso os portugueses são doces.
“Não há uma vez que não tenha vindo a Portugal e não me tenha apetecido ficar. Come-se e bebe-se bem e as pessoas são maravilhosas. Não é preciso mais para ser feliz.”
– Sentiu muitas diferenças desde que veio cá da última vez?
– Passaram-se dez anos e a cidade ainda não era tão turística e movimentada. E é para melhor, acho que ficou mais cosmopolita. Sou apaixonada por Portugal, não há uma vez que tenha vindo e não me tenha apetecido ficar. Dá para perceber o porquê de os brasileiros se mudarem para cá [risos]! Come-se e bebe-se bem e as pessoas são maravilhosas. Não é preciso mais para ser feliz.
– Vê-se a viver em Portugal com a sua família?
– Em algum momento da minha vida acho que passarei cá uma temporada. Tenho esse desejo há dez anos e deveria tê-lo feito antes, porque estava mais barato! O meu marido e o meu filho têm cidadania alemã e temos o sonho de passar algum tempo fora com o Martin, para conhecer outras culturas e ter outras vivências.
– Essa sede de aventura pessoal também lhe dá vontade de explorar outros mercados profissionais?
– Tenho uma agência que me representa aqui em Portugal e surgiu o convite para fazer a série Faro. Estou a desfrutar das oportunidades que a série Bom Dia, Verônica me deu. As novelas davam projeção, mas com esta série da Netflix houve uma grande expansão.
– Sentia que a sua carreira no Brasil já estava estagnada?
– Não sentia a minha carreira estagnada, até porque trabalhei durante dez anos na Globo e, na altura, sentia que precisava de mais liberdade. Participei em muitas novelas e fui muito feliz, mas queria trabalhar em mais sítios, com pessoas diferentes. Adoro isso, tal como acontecia na minha carreira de modelo, em que trabalhei na Europa e na Ásia. A oportunidade de conhecer pessoas através do trabalho deixa-me muito feliz. Sinto-me mais integrada.
– Imaginava o sucesso que esta série teve?
– Queria ter a experiência do streaming, justamente para trabalhar com mais pessoas, mas não imaginava que tivesse esta repercussão, as pessoas reconhecem-me na rua, até fora do Brasil! Está a ser muito bom. Todos os artistas gostam desse feedback, sentimo-nos realizados quando ficamos a saber que o nosso trabalho tocou a vida das pessoas.
“Para mim, representar é terapêutico,uma necessidade do meu corpo.”
– Representar é a melhor forma de extravasar emoções?
– Para mim, é terapêutico, uma necessidade do meu corpo e também criativa. Gosto de me deslocar nas realidades e pensar através de outras peles. Aprendo e evoluo mais rapidamente.
– Os vários registos de representação preenchem-na de igual forma?
– São linguagens diferentes, mas com a mesma essência. A matéria-prima do trabalho do ator é uma vivência corporal e emocional que vai acumulando ao longo dos anos, com as pessoas que se atravessam no nosso caminho, os acontecimentos do dia a dia e a cultura que absorvemos. Ao lado das ferramentas que temos para desempenhar este ofício, resulta num trabalho subjetivo, em que cada um tem a sua maneira de o fazer.
– Como é que está a ser a experiência de gravar uma série em Portugal?
– Muito proveitosa, os atores são muito bons e o Joaquim [Leitão] é um realizador muito especial. Senti-me bastante acolhida por todos e adorei a cidade de Faro.
– É um desafio diferente dos que teve antes?
– É, no sentido de ser um projeto internacional. A personagem é muito diferente da Verônica, mas é boa onda, muito diferente de mim também.
– Tem de estar sempre absorvida pelo trabalho para se sentir realizada?
– Sim, é muito difícil para mim estar parada. Não gosto, preciso de incluir a minha energia criativa para gravar.
– Esse estilo de vida é conciliável com a sua vida pessoal?
– Na medida do possível, sim. O meu marido e o meu filho vieram visitar-me a Portugal durante as gravações, mas o Martin tem aulas, por isso não conseguiram ficar muito tempo.
– Acredito que seja difícil ficar longe deles…
– Já estão um pouco habituados, porque com a série Bom Dia, Verônica também viajei várias vezes. Depois de ser mãe, voltei a trabalhar muito cedo, por isso ele está acostumado aos camarins.
– Cada vez mais se fala da igualdade dos direitos das mulheres. Considera-se uma feminista?
– Com certeza. Em primeiro lugar, tento mudar a minha própria realidade, ao conhecer os meus limites através do respeito que acho que mereço e a ouvir as mulheres à minha volta. Tento também educar o meu filho de uma forma que eu acredito que seja diferente, dando-lhe mais condições para entrar em contacto com as próprias emoções. Não quero que seja mais uma vítima da masculinidade tóxica, porque acredito que os homens também estão um pouco aprisionados nesse sistema.
– O seu melhor contributo para esta mudança é através das artes?
– Completamente. Gosto de falar da realidade emoldurada pela ficção. Sou jornalista de formação, mas não tenho muita sensibilidade para lidar com a realidade nua e crua. Preciso desse invólucro da arte.
– Depois dos 40 anos, considera-se uma mulher mais segura?
– Muito mais. Começamos a selecionar muito o que vale a pena. O tempo escasseia e refletimos sobre o que realmente queremos da nossa vida, o nosso propósito e o que nos deixa bem e confortáveis. A maturidade é uma arma muito poderosa da mulher e o mais desafiante é saber aproveitá-la. Ficamos mais intuitivas e passamos a ter uma perceção mais ampla e aberta sobre as outras pessoas, chegando à conclusão que todos procuram o seu caminho. Há mais empatia por essa travessia, seja pela nossa ou pela dos outros, porque as pessoas andam meio perdidas entre o certo e o errado, e percebemos que há respostas que nunca vão chegar.
– Tem a família com que sempre sonhou?
– Sim. O meu marido e o meu filho são tudo para mim. Sou tão feliz com os dois que acho que vou ficar por aqui, não irei ter mais filhos [risos]!
Cabelos e maquilhagem: Daniela Inácio
Agradecemos a colaboração de 1908 Lisboa Hotel, Elisabetta Franchi e Infame Lisboa