Camila Rebelo já conquistou o seu lugar na história da natação portuguesa, mas tenciona continuar a lutar – ou, no seu caso, nadar – pelos seus sonhos, que parecem não ter limite. Com apenas 21 anos, a atleta é a atual detentora do recorde nacional de 200 metros costas e, há duas semanas, em Belgrado, alcançou o melhor resultado de sempre de uma nadadora portuguesa ao sagrar-se campeã europeia da mesma modalidade. Em contagem decrescente para os Jogos Olímpicos de Paris, onde irá representar Portugal, a nadadora natural de Vila Nova de Poiares diz ter a sorte de contar com uma boa rede de apoio que a tem ajudado a manter o foco e a tranquilidade nos momentos de maior desgaste. Os pais, os treinadores e o namorado, o nadador olímpico Gabriel Lopes, de 27 anos, fazem parte dela, segundo nos revelou Camila que, a par da carreira desportiva, tem conseguido prosseguir os seus estudos de forma notável, estando atualmente no 3.º ano do curso de Medicina na Universidade de Coimbra.
– Como é que se celebra uma qualificação para os Jogos Olímpicos?
Camila Rebelo – Consegui a marca para ir aos jogos no Open de Espanha, em março do ano passado. Lembro-me que, quando cheguei à parede, fiquei quase sem reação. Desatei a rir. Foi um misto de emoções. A adrenalina foi tão grande que quase nem consegui dormir à noite.
– Quando é que este sonho se começou a desenhar?
– Ir aos Jogos Olímpicos é naturalmente o sonho de qualquer atleta federado, mas a minha carreira foi evoluindo de forma gradual…
– Com que idade começou a nadar?
– Entrei na natação aos 2 anos, porque na zona onde vivo há muitos rios e os meus pais achavam essencial aprender a nadar. Dizem que na altura fazia birras porque nunca queria sair da piscina quando terminavam as aulas. Aos 8 anos, o meu treinador sugeriu começar a competir e estava nos infantis quando fui campeã nacional pela primeira vez.
– Atualmente tem treinos bidiários. Deve saber exatamente quantos azulejos tem a piscina onde nada…
– [risos] Quase.
– Consegue lidar bem com a pressão nos momentos fulcrais, quando precisa de dar o seu melhor, ou, pelo contrário, tem alguma dificuldade em conseguir ultrapassar essa pressão que está sempre presente?
– Confesso que, em tempos, passei mal com essa pressão, sobretudo em competições internacionais. Fazia disso um bicho de sete cabeças. Com o passar dos anos, e depois de ter procurado ajuda psicológica, comecei a ganhar rotinas e a perceber o que posso fazer nessas ocasiões.
– Deram-lhe ferramentas que a ajudassem a lidar com os momentos de tensão?
– Exatamente. A conquista de resultados também me ajuda a ter essa noção de que posso fazer frente às minhas adversárias. Só tenho de me sentir confiante por já ter trabalhado o suficiente para estar ali e desfrutar do momento.
– Como é que consegue equilibrar duas coisas tão exigentes como os treinos de alta competição e um curso de medicina?
– Acho que a palavra-chave é organização. Desde pequena que treino muitas horas, portanto sempre precisei de ser organizada. Obviamente que nunca consigo ir a todas as aulas. Tento ir às obrigatórias embora, por vezes, nem a essas consigo ir por estar fora, mas temos sempre ferramentas que os professores vão disponibilizando nas plataformas e que me permitem estudar a parte teórica em casa. O meu treino começa às 7 da manhã e acaba às 9 e meia, depois preciso de descansar porque acordei demasiado cedo, e a seguir faço treino de ginásio. Só consigo ir às aulas no final da tarde, que é quando há as práticas e obrigatórias. Como os primeiros anos de medicina são muito teóricos, e sou uma pessoa que tem alguma facilidade em memorizar, consegui fazer os dois primeiros anos no tempo normal. Falta-me apenas uma cadeira. O terceiro ano já é pré-clínico, já tenho de ir mais ao hospital e preciso, obviamente, de estar muito mais presente. Por isso, decidi dividir as disciplinas e fazer o terceiro ano em dois anos, para que este segundo semestre fosse um pouco mais leve, já que é um ano importante em termos desportivos. Não vou estar tão focada no estudo, mas sinto que estou a fazer um bom equilíbrio. Estou a gostar muito do curso e acho que é essencial ter um plano B, porque não sei o que é que pode acontecer daqui para a frente. Mesmo que faça o curso em dez ou 12 anos, não me importo, porque sei que vou ter alguma coisa para fazer depois.
– Esse é um dos problemas que os atletas enfrentam. O tempo que dedicam aos treinos impede, muitas vezes, de prosseguirem os estudos.
– E às vezes também não há flexibilidade entre universidades e atletas, e acabamos por desistir da universidade porque passamos muito tempo fora…
– Porque a carreira de atleta tem um “timing”?
– Exatamente. A minha carreira, enquanto nadadora, vai acabar por volta dos 30 anos. Se for contar os meses que estou fora num ano letivo, é quase metade, é muito tempo. E às vezes até calha na altura dos exames e das avaliações. Se não houver flexibilidade por parte das universidades, muitos atletas acabam por desistir ou nem começar a estudar porque é preciso abdicar de muita coisa.
“Obviamente não tenho vida académica, não há borgas, como se costuma dizer. Sair à noite é muito raro, só mesmo no verão.”
– O que é que tem sido mais difícil abdicar?
– Obviamente não tenho vida académica, não há borgas, como se costuma dizer. Sair à noite é muito raro, só mesmo no verão. Às vezes sinto falta de estar mais tempo com os amigos com quem cresci. Chego a estar quatro meses sem os ver. Posso até estar em Portugal, mas com treinos durante a semana e competições ao fim de semana, acabo por não ter tempo para estar um bocadinho com eles. Até ter tempo para a família é difícil, porque chego a casa às 8 da noite, janto e vou para cama porque no outro dia tenho de acordar às 6 da manhã.
– O que é que a mantém motivada nos dias em que não lhe apetece entrar na piscina?
– Felizmente até agora tenho tido bons resultados, o que me ajuda a encarar os piores dias da melhor maneira. Obviamente que, às vezes, acabo um treino ou uma competição a chorar ou triste por não ter conseguido alcançar algum objetivo, mas tento pensar sempre que fiz tudo o que estava ao meu alcance.
– Que conselho daria a jovens nadadoras que gostassem de seguir os seus passos?
– Que vão ter que abdicar de muita coisa, que tem que haver espírito de sacrifício, mas que as amizades que conseguimos fazer no meio, e até algumas habilidades que vamos adquirindo, como estar focado e ser organizado, são coisas positivas que também ganhamos com o desporto.
– Se pudesse treinar ao lado de um nadador olímpico conhecido, quem escolheria?
– Gostava muito de nadar com uma das duas melhores costistas da atualidade, a australiana Kylie McKeown, e a americana Regan Smith. Já nadei com elas em competição, mas gostava de observar a maneira como estão no treino.
– O seu namorado já competiu em duas edições de Jogos Olímpicos. Já lhe deu alguma dica?
– Sim, sobretudo estar descontraída e encarar os Jogos Olímpicos como mais uma competição e não “a” competição. Esse é o principal conselho que ele me tem dado, não levar isso muito a peito.
Maquilhagem: Inês Matos
“styling”: Patrícia Pinto
Agradecemos a colaboração de Hotel Vila Galé Collection Palácio dos Arcos