Nome incontornável do mundo do espetáculo em Portugal, Virgílio Castelo é um ator completo e dá cartas não só nas diferentes esferas da representação, como também na área da direção de atores e enquanto argumentista. Raramente está parado e muitas vezes concilia diferentes projetos. De momento tem em mãos a peça Heisenberg – O Princípio da Incerteza, que voltou ao palco do Teatro Aberto, em Lisboa, para uma nova temporada. Trata-se de um espetáculo que tem comédia e tragédia e que protagoniza ao lado da atriz Ana Guiomar.
– Fale-nos um pouco desta peça e deste personagem.
Virgílio Castelo – É uma peça muito curiosa, porque é bastante original. O autor pega num princípio da física, que é o princípio da incerteza – que determina que quando se observa uma coisa com muita atenção não se consegue dizer para onde é que vai nem a que velocidade lá vai chegar –, e aplica-a a uma relação amorosa. Uma relação que, à partida, já tem um grau de incerteza muito grande, pois trata-se do relacionamento de um homem de 65 anos com uma mulher de 38. O que ele faz, no fundo, é dizer que a vida tem um princípio permanente de incerteza, porque tudo nesta relação, do ponto de vista racional e científico, não tem razão para funcionar. O autor dá ao espectador a possibilidade de analisar se é possível ou não este tipo de relação. E, depois, o espectador, em função da sua vivência e experiência, e idade também, tenderá a enquadrar-se numa ou noutra perspetiva.
– E tem um resultado final?
– Tem um resultado final que não é claro. A peça tem seis cenas e acho que, apesar de haver uma evolução muito grande desde o momento em que as duas pessoas se conhecem numa estação de comboios até ao final, a verdade é que nós não sabemos se terminam realmente juntos ou não. Ambas as interpretações são possíveis, podem ter ficado juntos ou não.
– E o Virgílio tem a sua própria interpretação?
– Essa pergunta é difícil, porque eu, como homem, não tenderia a acreditar que fosse possível uma relação com esta diferença de idades. Mas a realidade e a vida desmentem-nos permanentemente e há “n” casos de homens com esta idade com mulheres muito mais novas. Só que a história e a tradição quase que demonstram que, de um modo geral, este tipo de relação tem sempre um interesse qualquer, seja financeiro – o famoso golpe do baú –, seja porque algumas mulheres mais novas sentem que com um homem mais velho têm uma segurança que não tiveram com o próprio pai. Para a minha vivência, tendo a acreditar que uma relação destas pode acontecer, pode até ter sinceridade intrínseca, mas eu dificilmente me veria com bons olhos numa situação destas.
– E como está a ser trabalhar com a Ana Guiomar?
– Nós já tínhamos trabalhado juntos numa novela, ela fez de minha filha, e também já a tinha dirigido numa outra produção, mas nunca tínhamos tido uma proximidade destas, muito menos em teatro. É uma descoberta. A Ana Guiomar é uma atriz com muitas ferramentas e tem uma capacidade de trabalho fantástica, e revejo-me muito nisso, pois também tenho prazer em trabalhar. Acho que fomos a pouco e pouco ultrapassando alguma inibição inicial, porque não tínhamos uma relação além do “olá, estás boa?” e de repente estamos numa peça que nos obriga a criar muita intimidade, inclusive uma cena de cama em que estamos praticamente nus, e isso não foi fácil. Embora também não tenha sido difícil, porque arranjámos maneira de a tornar real e autêntica, e isso passa para o público.
– Como é que tem sido a recetividade do público a este espetáculo?
– Bastante boa, com os espectadores a aumentarem todos os dias. Esta peça tem um denominador comum: é transversal, ou seja, qualquer tipo de público se pode rever nas personagens, tanto o mais letrado e sofisticado como o menos. A peça tem muitos momentos de comédia, de drama, de tragédia, e há uma coisa que as pessoas dizem que é muito interessante, que é a peça ter uma história com princípio, meio e fim, por esta ordem.
– Era isto que lhe apetecia fazer agora, teatro? Como é que surgiu esta proposta?
– Bom, a proposta surge como todas as propostas do João Lourenço [diretor do Teatro Aberto]. É um amigo e encenador com quem tenho uma relação que não existe com mais ninguém. Ele telefona-me e eu não lhe pergunto o que é que vou fazer, confio em absoluto e, se tiver disponibilidade, aceito. São mais de 40 anos a trabalharmos juntos. Se era o que me apetecia fazer agora? Eu nunca olhei para as coisas dessa forma. Considero-me um operário do teatro, da televisão, do cinema. Raramente escolhi coisas porque me apetecia fazer isto ou aquilo e, como dizia Agostinho da Silva, não faço planos para a vida, para não estragar os planos que a vida tem para mim.
– Mas tem conseguido sempre um equilíbrio entre trabalhar na televisão, no teatro, no cinema.
– Sim. Mas tenho esse equilíbrio porque tenho muita sorte. Tenho propostas de vários quadrantes, felizmente, e isso é maravilhoso. Gosto quando me propõem algo de que não estou à espera, porque é mais desafiante.
– Costuma conciliar mais do que um projeto?
– Às vezes acontece. É um drama que todos nós nesta profissão, em Portugal, temos. Embora hoje em dia, no teatro, talvez o ator saiba que vai fazer uma peça com antecedência, mas depois na televisão e no cinema as datas mudam constantemente. A conciliação acaba por ser inevitável.
– Que outros projetos vêm a caminho?
– Em novembro vou repor o espetáculo O Homem da Amália no Teatro da Malaposta, em Lisboa, e tenho de voltar aos Açores para a minha atividade de autor, há feiras do livro para as quais estou convidado. Tive um convite para fazer uma comédia musical, mas acabei por não aceitar.
– Comédia foi precisamente o que fez na sua última novela. Gosta desse género?
– Gosto imenso. Nas últimas duas novelas, aliás, fiz papéis no registo cómico. Tive a sorte de numa contracenar com a Manuela Couto e na outra com a Rita Blanco, que são maravilhosas e têm uma grande capacidade de improvisação. Também dei por mim a ir à gaveta da memória para encontrar processos de trabalho que usei há 50 anos, quando me estreei no teatro de revista. A revista exige um treino muito grande da capacidade de lidar e criar empatia imediata com o público e nunca mais fiz isso, a minha vida foi noutro sentido. Ao recuperar essas memórias com estes papéis em televisão, diverti-me imenso e senti que para uma parte do público foi uma surpresa, porque está habituado a ver-me em papéis mais pesados e dramáticos.
– No mês de agosto aproveitou para ir de férias?
– Sim, estive de férias em família. O meu cunhado tem um barco e fomos uns dias a Ibiza e depois alugámos uma casa em Vila Nova de Milfontes. Este ano não fomos para o Algarve, porque a minha filha Violeta foi para o Brasil, ao abrigo do programa Erasmus, e a Sancha, que já tem 15 anos, foi de férias com as amigas.
– Como lidou com o facto de a Violeta ir estudar para fora?
– Bem. Ela é muito atinada, é super-responsável, confio inteiramente nela. O que me preocupa são os resultados escolares – está a tirar Psicologia –, e esses são bons.
– Tenciona ir visitá-la?
– Sim, nós fazemos sempre uma semana de férias no Natal fora de Portugal e este ano vamos ter com ela ao Rio de Janeiro.