Uma nova versão de O Quebra Nozes espera por si no Cineteatro D. João V, na Damaia, nos dias 6 e 7 (às 21h00) e 8 de dezembro (às 16h00). O conceito e a coreografia desta obra é de Daniel Cardoso, fundador e diretor artístico da Quorum Dance Company (ex-Quorum Ballet), que em 2025 festejará o 20.º aniversário.
A CARAS conversou com o responsável por esta companhia de dança contemporânea que foi fundada em 2005 e que apresenta anualmente uma média de 50 espetáculos de norte a sul do país, tendo já atuado em 18 países. Além disso, Daniel Cardoso dedica-se a várias atividades ligadas a esta arte, como poderá constatar na entrevista que se segue.
– Conte–nos um pouco a sua história.
Daniel Cardoso – Nasci em 1977 em Lisboa, no Hospital da Estefânia. Vivi toda a minha infância no bairro da Graça onde morava com os meus pais e a minha irmã, Diana, dois anos mais velha. Mais tarde, quando tinha 19 anos, os meus pais adotaram a Débora, que é 22 anos mais nova do que eu. Passei também parte da minha infância em Oeiras, onde viviam os meus avós e onde hoje em dia vive quase toda a minha família.
– Com que idade soube que queria ser bailarino?
– Quando tinha mais ou menos 15 anos. Já estava no Conservatório Nacional desde os 10, mas foi quando fiz o meu primeiro espetáculo no palco de um teatro que percebi que era o que queria fazer para o resto da vida. Foi no Teatro São Luiz, em Lisboa, no espetáculo final do Conservatório Nacional com o Baile dos Cadetes.
– A família aceitou bem a sua decisão?
– Foi a minha mãe que me colocou no Conservatório. Foi ela quem me inspirou, incentivou e passou o gosto pela dança, pela música e pela arte em geral. Sim, a família aceitou bem, apesar de no início haver alguma resistência por parte dos homens. Hoje em dia todos eles são o meu maior apoio. Quando regressei a Portugal foi a minha família quem mais me ajudou na criação de tudo o que consegui até à data. A minha tia foi e continua a ser o meu braço direito a nível profissional e um dos meus maiores apoios.
– Por ser rapaz interessado na dança, sentiu algum preconceito?
– Sim, senti algumas vezes. Em especial por pessoas que não estavam ligadas ao meio artístico e cultural. Mas não foi nada que me tivesse marcado pela negativa. Utilizava isso para marcar a diferença e para mostrar que a profissão que escolhemos nada tem a ver com as nossas escolhas sexuais ou de género. E sinto que fui muito protegido no Conservatório onde sempre tivemos um ambiente muito saudável.
– Hoje é, ou não, uma questão ultrapassada?
– Acho que não. Existe mais informação, está muito melhor, mas as pessoas continuam ignorantes no que diz respeito a este assunto. É um fenómeno internacional, não é só em Portugal. Infelizmente são preconceitos que estão enraizados na nossa sociedade e que vão demorar a desaparecer. Na realidade, se todos tivessem a capacidade de parar para pensar, sem estarem contaminados com o que lhes foi incutido desde crianças, iriam perceber o caricato que é ligar uma determinada profissão às escolhas sexuais de cada um.
– Estudou na Escola de Dança do Conservatório Nacional, em Lisboa, onde hoje é membro do Conselho Geral. Todos os interessados em seguir dança devem passar por esta formação?
– É uma escola de excelência que é uma referência na nossa área. No entanto, existem outras opções no que à formação diz respeito. Tudo depende que linha artística os alunos querem seguir e o caminho que pretendem para as suas futuras carreiras. Fui membro do Conselho Geral durante dez anos, hoje em dia colaboro com a escola regularmente, como professor, coreógrafo e júri. É um sítio muito especial para mim, foi lá que passei dos melhores momentos da minha infância. Sinto-me muito agradecido por isso.
– Com que idade partiu para Nova Iorque, onde estudou?
– Tinha 19 anos. Terminei o Conservatório um ano mais tarde porque tive de ser operado a um pé quando tinha 17 anos. Terminei o curso em 1996. Fui bolseiro na escola da Martha Graham nos primeiros tempos e depois integrei o elenco da Martha Graham Dance Company.
– Como foi essa experiência?
– Foi um sonho tornado realidade. Era o que mais queria, poder trabalhar na Martha Graham. Era um dos meus grandes objetivos profissionais na altura. Foram tempos incríveis. Cresci muito como pessoa e como bailarino. Aprendi muito num curto espaço de tempo. Hoje percebo que essa experiência contribuiu muito para o que anos mais tarde consegui criar em Portugal. Foram cinco anos em que trabalhei com diversas companhias de dança, coreógrafos e fiz inúmeras digressões pelos EUA e Europa.
– Como surgiu o convite para ser bailarino principal do Peter Schaufuss Ballet, onde esteve de 2001 a 2005?
– Foi através de uma audição privada no verão de 2001. Mesmo depois de sair da companhia, em 2005, continuei a colaborar com o Peter durante muitos anos como bailarino e coreógrafo em projetos em Londres, Edimburgo e Dinamarca.
– Em que altura surgiu a coreografia na sua vida?
– Desde miúdo, a criatividade sempre esteve presente na minha vida. A coreografia surgiu quando tinha cerca de 23 anos, altura em que comecei a experimentar coisas e coreografei a minha primeira peça intitulada No Começo. Esta peça acabou por fazer parte do programa de estreia da Quorum Dance Company em dezembro de 2005.
– O que o levou a criar uma companhia fora de Lisboa?
– A Amadora tem sido o nosso mais importante parceiro ao longo dos anos. Foi a cidade que nos abriu as portas e que acreditou no nosso trabalho quando ainda não éramos “ninguém”. Estou muito agradecido à cidade e ao importante contributo que têm dado à Quorum Dance Company, à Quorum Academy e ao Quorum Project. A nossa ligação com a Amadora já vem desde 2006, é a nossa casa, é onde todas as peças são criadas e onde iremos em breve ter uma nova sede. O Quorum Studios irá começar a ser construído em 2025 e será no Mercado da Damaia, futuro Mercado da Dança. Temos muito orgulho nesta nossa parceria com a cidade da Amadora e no trabalho contínuo de educar, inspirar, fazer sentir, e mudar o estigma/preconceito ligado à cidade, através da dança, cultura e arte.
– Bailarino, coreógrafo e diretor artístico: o que tem sido mais desafiador para si?
– Sinto-me com muita sorte por ter esta profissão, mas tem sido um desafio tremendo. São muitas vertentes e muitos desafios diários. O ser bailarino foi sem dúvida o mais simples. Quando era só bailarino e só dançava, em comparação com o que faço hoje em dia, era como se fossem férias pagas. Fazia o que gostava e só tinha de me preocupar comigo, com o meu corpo, com o meu desempenho. Foi uma altura incrível da minha vida, fui muito feliz.
– E como coreógrafo?
– O ser coreógrafo acaba por ser uma extensão de mim como pessoa e penso ser a evolução natural depois da carreira que tive como bailarino. Coreografar acaba por me preencher ainda mais do que o ser intérprete, sinto-me sortudo e muito realizado a nível profissional.
– Acresce a direção artística…
– É a área que me traz as preocupações, o stress e as dores de cabeça. Não tanto pelo trabalho em si, mas pelo facto de não termos uma robustez financeira equivalente ao trabalho que estamos a realizar a nível artístico. Tem sido um desafio do tamanho do universo manter uma estrutura fixa já há quase 20 anos (fazemos 20 em 2025) sem apoio contínuo do Estado Português ou da DGArtes. Tem sido também uma lição de vida aprender a gerir pessoas e tomar decisões que por vezes não são fáceis, mas tenho crescido muito como pessoa. Tudo é possível graças ao trabalho em equipa, às pessoas que tenho a trabalhar comigo e ao apoio de diversas entidades
– Quem é que o inspira como criador de dança?
– É a minha vida, as minhas vivências, a sociedade que me rodeia, as relações humanas e a música. Na realidade, a coreografia tem sido o meu maior escape. Hoje em dia a coreografia é algo quase terapêutico, é uma necessidade que tenho. Muitas das peças que tenho coreografado para a Quorum têm um carácter muito pessoal, quase que são um diário vivo, um diário em movimento.
– E ter uma filha a dançar deixa-o orgulhoso?
– A Íris tem 15 anos e já dança desde os 3. O que me deixa orgulhoso é muito mais do que o seu desempenho como jovem bailarina, é o facto de já saber o caminho que quer levar com a sua vida, a sua simplicidade, humildade, criatividade, talento e enorme capacidade de trabalho. Tudo o resto naturalmente surgirá.
– Ela pede conselhos ao pai?
– Não costuma pedir conselhos acerca da dança, mas vê, ouve e está muito atenta a tudo. É como se fosse uma esponja. Tenho muita sorte com a filha que tenho.
– Comente a seguinte frase de Martha Graham: “A dança é uma canção do corpo, seja de alegria ou de dor”.
– Para mim a dança é a forma mais orgânica e honesta de nos manifestarmos. O movimento e o corpo têm a capacidade única de transmitir o que as palavras nunca conseguiram.
Agradecemos a colaboração de Câmara Municipal da Amadora e Cineteatro D. João V