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Natural de Fafe, professora de Português e Literatura, casada com o economista açoriano Eduardo Melo, Eunice Maia chegou há 10 anos a Lisboa para trabalhar e, confessa, sentiu-se um pouco perdida e desenraizada. O projeto Maria Granel nasceu da saudade que sentia de um atendimento mais personalizado e rapidamente se transformou numa revolução ecológica que transportou para a sua vida, tal como nos explicou no dia em que nos recebeu na sua loja de Campo de Ourique.
– Este projeto nasceu da saudade das vossas raízes?
Eunice Maia – É verdade. A determinado momento das nossas vidas, apercebemo-nos de que estávamos longe da nossa família, das nossas origens, das pequenas comunidades onde ambos vivíamos, e a Maria Granel nasce de uma homenagem a essas raízes. Foi a maneira que encontrámos de resgatar todo esse imaginário que partilhávamos para perto de nós, na grande cidade.
– Somos treinados, desde cedo, a consumir e a gastar cada vez mais. Parece que temos de encontrar um novo paradigma de consumo, de modo a proteger o planeta, e a solução depende de cada um de nós. O que é que podemos fazer para mudar?
– Acho que precisamos, sobretudo, de reduzir, de repensar se precisamos de tanto e de tudo aquilo que adquirimos. Pensar mais no fim das coisas, de como podemos prolongar esse fim dando uma nova vida àquilo que temos em casa, reutilizando de forma criativa, porque é essencial pensarmos que tudo aquilo que adquirimos representa um desgaste do planeta. São recursos que estamos a exaurir. E temos de ter essa responsabilidade: pensar muito bem se precisamos de mais.
– A nível pessoal, quando é que aconteceu essa mudança de mentalidade?
– Essa transformação devo-a ao projeto da Maria Granel e ao facto de ter estado em contacto com duas mulheres que me inspiraram e revolucionaram a minha vida. A primeira foi Béa Johnson, que é porta-voz internacional do movimento Zero Waste e que me chamou a atenção numa reportagem, por levar os seus próprios frascos e sacos para se reabastecer num supermercado. Aquilo fez todo o sentido para mim, pois se estávamos a trabalhar num projeto em que convidávamos as pessoas a levar apenas a quantidade que precisavam, por que não introduzir também a possibilidade de as incentivar a trazerem os seus próprios recipientes? Com esse gesto estávamos não só a reduzir o desperdício alimentar mas também a prevenir a geração de resíduos. A Béa inspirou o sistema de reutilização de contentores, mas também contagiou toda a minha vida ao mostrar-me um modelo de sustentabilidade e uma metodologia que é simples e extremamente prática, que é pensar primeiro em recusar, depois reduzir, reutilizar, reciclar e também compostar. Se comprarmos de forma consciente, já estamos a ter um impacto muito significativo. A outra mulher foi a Ana Pego, uma bióloga marinha cujo trabalho conheci em 2017, por causa de um projeto educativo ambiental que estava a realizar em escolas, que tenta sensibilizar as pessoas para o impacto global que o nosso lixo provoca.
– Quer enumerar dois ou três hábitos enraizados que podemos mudar no nosso dia a dia de modo a deixarmos uma pegada mais verde?
– Sugestões muito práticas: o primeiro gesto é planificar aquilo que consumimos, fazer a célebre lista, mas em função daquilo que temos em casa. É importante fazer uma boa auditoria à nossa despensa e ao nosso frigorífico, para termos a certeza do que, de facto, precisamos. Depois, quando vamos ao supermercado, podemos levar logo os sacos reutilizáveis, de pano, plástico ou papel. Não há nada mais sustentável do que aquilo que já temos em casa. Por fim, devemos olhar para a cozinha como um aliado na redução do desperdício, escolhendo cada vez mais uma alimentação de base vegetal e tentar aproveitar partes que normalmente descartamos e que são extremamente nutritivas, como a rama da cenoura, que dá um ótimo pesto, a rama do alho-francês, que pode ser salteada, as cascas de ananás, com as quais podemos fazer uma infusão para obter um refresco saboroso. Por outro lado, quando trazemos os alimentos para casa, devemos investir tempo a acondicioná-los corretamente, para que possam durar mais tempo mantendo as suas propriedades. Por exemplo, envolvendo os verdes em panos húmidos e ao verificar se a temperatura do frigorífico está nos 5ºC. Em Portugal, de acordo com a Comissão Nacional de Desperdício Alimentar, a percentagem de desperdício está na ordem dos 31%. Temos o poder de combater estes números em nossa casa. Poupamos o planeta e os nossos próprios recursos financeiros.
– É possível atingir o desperdício zero?
– Acho que zero é uma utopia na sociedade e no mundo em que vivemos, mas, como costumo dizer, é um zero pelo qual vale a pena lutar todos os dias, mesmo que fracassemos. Precisamos é de milhões de pessoas a tentarem todos os dias aproximar-se desse número.
– Defende que cuidar e proteger são verbos que se conjugam melhor no feminino. As mulheres estão mais empenhadas em fazer estas mudanças?
– Não sei se é possível generalizar, mas, pela experiência que temos tido aqui na loja, a verdade é que a iniciativa é muitas vezes feita no feminino, quer do ponto de vista do empreendedorismo, quer das próprias famílias. Talvez porque proteger e cuidar são gestos muito femininos.