Esta não foi a primeira vez nos anos mais recentes que o anterior rei de Espanha, Juan Carlos, faltou às férias familiares em Palma de Maiorca e perdeu a importante regata de vela com o seu nome. Este ano, porém, a sua ida era dada como certa. Até que começaram a sair na imprensa espanhola notícias que envolvem o nome do atual rei emérito num escândalo financeiro, que incluirá dinheiro em paraísos fiscais – haverá pelo menos uma conta bancária no Mónaco em nome de um primo, Álvaro de Bórbon, e outra na Suíça, em nome de um advogado suíço, Dante Canonica – e propriedades secretas no estrangeiro, entre elas uma em Marrocos. Depois disso, a Zarzuela anunciou que Juan Carlos afinal não iria às Baleares, justificando a ausência com o agravamento dos problemas que sofre na coluna.
A razão apontada pela imprensa, porém, é bem diferente: para proteger a sua imagem, o atual soberano, Felipe VI, terá querido evitar, nesta altura, ser visto ao lado do pai. A associação de Juan Carlos a um possível crime financeiro surgiu depois da divulgação das gravações de conversas que a alegada ex-amante do rei emérito, a alemã Corinna zu Sayn-Wittgenstein (que terá acabado a relação de seis anos com Juan Carlos na sequência do escândalo da caçada aos elefantes no Botswana, em 2012), terá mantido em Londres, em 2015, com um amigo, o empresário Juan Villalonga, e um ex-comissário da polícia, Juan Villarejo.
Nessas gravações, Corinna tenta limpar a sua imagem dizendo, entre outras coisas, que o antigo soberano espanhol se serviu dela como testa de ferro para ocultar os seus investimentos no estrangeiro, abrindo, por exemplo, uma conta em seu nome no Mónaco, onde a alemã reside, não porque a amasse muito, mas porque no principado não é necessário declarar rendimentos. Corinna revela ainda que Juan Carlos acumulou uma enorme fortuna com os negócios que manteve no estrangeiro desde os tempos em que ainda era apenas príncipe herdeiro e que tentou escondê-la usando para isso vários testas de ferro.
Essas conversas foram gravadas, supostamente, sem o conhecimento de Corinna e as gravações divulgadas no início de julho pelo jornal El Español, dando origem a uma investigação sobre as contas que Juan Carlos possuirá em paraísos fiscais, as propriedades que tem fora de Espanha e os 100 milhões de euros que terá recebido em luvas para viabilizar o projeto de um comboio de alta velocidade na Arábia Saudita.
A justiça espanhola iniciou, entretanto, diligências para apurar a verdade das afirmações de Corinna, e no passado dia 26 Villarejo (que está preso há nove meses por suspeitas de corrupção) assegurou perante o juiz Diego de Egea que se reuniu em Londres com a ex-amante do rei emérito por “ordem do Estado”. E que este encontro, registado pelo ex-polícia com um microfone oculto, pretendia resolver “os problemas de Juan Carlos com a sua amiga”. Declarações que o chefe dos serviços secretos espanhóis, o general Félix Sanz Roldán, já desmentiu, negando a interferência do Estado em tal reunião.
Adiante-se que a partir do momento em que abdicou, Juan Carlos perdeu a imunidade, mas sem efeitos retroativos. Ou seja, não poderá ser julgado por nada do que fez enquanto foi soberano de facto. Tal significa, portanto, que o mais provável é que esta história não tenha consequências. A menos que Juan Carlos dê ouvidos à imprensa, que já começou a aconselhá-lo a sair de Espanha.