Magnética e enigmática
Grace Patricia Kelly tinha 18 anos quando, em 1947, chegou a Nova Iorque, para estudar representação na American Academy of Dramatic Arts. Apesar de ter pais ricos, quis singrar sozinha, pelo que depressa começou a trabalhar como modelo para se sustentar. O seu rosto fino, de traços perfeitos e pele luminosa, emoldurado por cabelos dourados ondulados, o seu sorriso suave, a contrastar com uns olhos de um azul-metálico que lhe valiam ser muitas vezes considerada uma beleza magnética mas fria, e a sua figura esbelta tinham com as objetivas fotográficas uma relação profundamente sedutora. Nesses anos de estudante, a jovem Kelly não só fez editoriais para inúmeras revistas de moda como também muitos anúncios, pois os publicitários sabiam o potencial que a sua frescura tinha para fazer vender sobretudo produtos de beleza, desde champôs e sabonetes a pastas de dentes e cremes.
A beleza de Grace Kelly, que foi, sem dúvida, o seu grande passaporte para Hollywood e, mais tarde, para a Europa, onde se tornou princesa do Mónaco, não era a das típicas atrizes do seu tempo, por norma voluptuosas e dispostas a mostrar os seus atributos com o mínimo de tecido possível. Kelly era, pelo menos na aparência, exatamente o oposto: enigmática, inacessível, distante, virginal. Era a personificação da elegância clássica e também do bom gosto, tanto nas roupas desportivas colegiais que usava no dia a dia como nos vestidos que levava às festas, de preferência com linhas fluidas de estátua grega ou românticas, em tons suaves e que nunca lhe expunham demasiado o corpo. Em suma, a americana perfeita, sobre quem alguém disse: “É a rapariga com a qual qualquer homem gostaria de se casar.”
A filha “diferente”
Nascida em Filadélfia a 12 de novembro de 1929, Grace Kelly era neta de imigrantes irlandeses por via paterna e alemães por via materna. O pai, John B. Kelly, era um homem ambicioso, que, depois de ter começado a vida a assentar tijolos, construiu uma verdadeira fortuna na construção e chegou a tentar uma carreira na política, candidatando-se a mayor de Filadélfia pelo Partido Democrata. Além disso, foi um atleta multifacetado e venceu três medalhas de ouro olímpicas em remo. A mãe, Margaret Majer, uma ex-modelo de quem Grace herdou a beleza, era nadadora de competição e depois de se licenciar em Educação Física tornou-se treinadora de várias modalidades na Universidade da Pensilvânia. Ao contrário dos pais e dos irmãos – Margaret, nascida em 1925, John Jr., em 1927, e Elizabeth, em 1933 –, a futura atriz era uma criança introvertida e contemplativa, mais dada à leitura e a brincar ao faz-de-conta que a atividades físicas e competitivas. Por isso mesmo, apesar de ter uma verdadeira idolatria pelo pai, este considerava-a um fracasso.
John Kelly esperava dos filhos a excelência que exigia de si próprio e Grace parecia-lhe incapaz de a conseguir. Por isso, quando ela quis ir para Nova Iorque estudar representação (curiosamente, influenciada por dois irmãos do pai, George Kelly, um ator que se tornou dramaturgo e recebeu um Prémio Pulitzer, e Walter, um bem-sucedido ator de vaudeville), este, apesar de contrariado, acabou por aceitar, achando que desistiria depressa, até porque pouco dinheiro lhe dava.
A vida, porém, trocou-lhe as voltas, e a filha que via como o “patinho feio” acabou por se tornar não só um cisne – um dos filmes que protagonizou chamava-se, por ironia, The Swan (O Cisne) –, mas também uma princesa. E ao casar-se com Rainier do Mónaco Grace deu ao pai um estatuto aristocrático que nenhum outro milionário de Filadélfia conseguiria alcançar.
Ascensão meteórica
Grace Kelly estreou-se numa peça na Broadway em 1947 e em 1948 fez a primeira de cerca de 60 participações em séries televisivas. Até que em 1951 decidiu tentar a sorte em Hollywood, onde, em apenas seis anos, fez 11 filmes, foi dirigida por realizadores consagrados, contracenou com os maiores galãs (e, diz-se, teve casos com vários deles), foi nomeada para um Óscar, ganhou outro e ainda três Golden Globe Awards, entre outros prémios.
Foi quando rodava o seu primeiro filme, Horas Intermináveis, no qual fazia um pequeno papel, que a sua beleza discreta chamou a atenção de Gary Cooper. O ator, 28 anos mais velho, ficou tão fascinado por aquela rapariga “diferente de todas essas bonecas sexy que estamos fartos de ver” que a quis para o papel de sua mulher em O Comboio Apitou Três Vezes, de Fred Zinnemann, que ganhou quatro Óscares. A seguir foi John Ford que se rendeu ao seu “pedigree, qualidade e classe”, convidando-a para Mogambo, onde contracenou com Clark Gable e Ava Gardner e que lhe valeu uma nomeação para o Óscar de Melhor Atriz e um Golden Globe na mesma categoria.
É depois deste sucesso que surge Alfred Hitchcock, que em 1954 lhe dá o protagonismo em dois filmes de culto, Chamada para a Morte, com Ray Milland, e A Janela Indiscreta, com James Stewart, voltando a dirigi-la em 1955, em Ladrão de Casaca, com Cary Grant. Kelly não era uma atriz especialmente versátil, mas o mestre do suspense conseguiu moldá-la como barro e tirou dela as suas melhores interpretações.
Curiosamente, seria guiada por um realizador bem mais obscuro, George Seaton, que em 1954 conseguiria o Golden Globe e o Óscar de Melhor Atriz com Para Sempre. Dois anos e dois filmes depois (The Swan, sob a direção de Charles Vidor, e Alta Sociedade, com Bing Crosby e Frank Sinatra) despedia-se para partir rumo a um novo papel: o de princesa do Mónaco.
Casamento de filme
Enquanto trabalhou em Hollywood, Grace Kelly pagou um dos preços da fama: a cada filme que fazia surgiam rumores de que estava envolvida com um (ou até mais do que um) colega do elenco. Muitos desses rumores eram pouco credíveis, pois provinham da má língua de Hedda Hopper, a famosa autora da coluna de mexericos “Hedda Hopper’s Hollywood”, do Los Angeles Times, outros talvez tivessem tido fogo por detrás do fumo, mas hoje isso será quase impossível de provar, pelo que ficará para sempre como lenda.
Inegável, porque publicamente assumido, foi o romance que manteve, em 1954, com Oleg Cassini, um designer de moda filho de um conde russo e de uma condessa italiana. Cassini, que desenhou o guarda-roupa de vários filmes de Hollywood, tornar-se-ia famoso por dois motivos: ser um dos estilistas preferidos de Jacqueline Kennedy e ter sido noivo de Grace Kelly. Um noivado que a mãe da atriz tratou de reduzir a cinzas, pois o criador era divorciado duas vezes.
Seguiu-se um romance tórrido com o belíssimo ator francês Jean-Pierre Aumont, que conheceu em 1955, quando estava no Sul de França a rodar Ladrão de Casaca. Grace não só não se incomodou com as consequências da publicação de fotografias dos dois aos beijos no terraço de um hotel como assumiu abertamente o caso, deixando-se filmar a passear com ele na Côte d’Azur e levando-o com ela a vários eventos, entre eles o Festival de Cannes.
Na mesma altura, a atriz americana foi convidada pela Paris Match para fazer uma sessão fotográfica no Palácio do Mónaco, onde foi apresentada ao príncipe Rainier. Grace continuou a sair com Aumont, mas terá também começado a trocar cartas com o príncipe. E a 7 de janeiro do ano seguinte o mundo descobria que Rainier pedira a mão da atriz em casa dos Kelly, que convidaram toda a imprensa para fotografar e filmar a grande ocasião.
Digno de filme, o casamento seria celebrado na Catedral do Mónaco no dia 18 de abril de 1956, perante cerca de 600 convidados, entre eles representantes de todas as casas reais e muitos atores. Deslumbrante num vestido de renda e cetim desenhado pela figurinista Helen Rose, nomeada para dez Óscares e vencedora de dois, e oferecido pela Metro-Goldwyn-Mayer, Grace, que em The Swan dera vida a uma princesa de ficção, transformava-se, aos 23 anos, numa princesa de carne e osso. Ficaria a dúvida se o seu rosto tenso se devia ao peso da nova responsabilidade ou à incerteza do passo precipitado que estava a dar.
Disponível e protetora
Desde o dia em que chegou ao Mónaco, Grace Kelly assumiu de corpo e alma a sua nova condição de princesa, envolvendo-se em inúmeras iniciativas solidárias e culturais, sendo a melhor das embaixadoras do seu novo país e dando-lhe três desejados herdeiros: Carolina nasceu no dia 23 de janeiro de 1957, nove meses depois do casamento dos pais, Alberto, a 14 de março do ano seguinte, e Stéphanie, a 1 de fevereiro de 1965.
Apesar das exigências da sua vida pública, Grace nunca foi uma mãe distante como a sua fora. Não só amamentou os filhos como se encarregou pessoalmente da sua educação, preocupando-se em transmitir-lhes valores morais sólidos e estimulando neles o gosto pelo desporto, dança, teatro, música ou leitura. Garantindo que tanto ela como o príncipe Rainier gostavam verdadeiramente de ter Carolina, Alberto e Stéphanie à sua volta, na última entrevista que deu, a 22 de junho de 1982, revelou: “Sempre tentámos incluir as crianças nas nossas vidas e ter as várias idades todas juntas.”
Nessa conversa, a princesa mostrou-se também uma mãe bastante protetora, explicando que uma das suas maiores preocupações era vê-los serem desrespeitados por alguma imprensa: “Eles sentem-se animais perseguidos. Já cheguei a escondê-los na mala do carro quando os ia pôr ou buscar a algum lado.”
Para Carolina, Alberto e Stéphanie, os tempos da presença tranquilizadora da mãe acabariam abruptamente menos de dois meses depois. No dia 13 de setembro seguinte, a princesa, que viajava com a filha mais nova a seu lado, teve um acidente de automóvel e morreu no dia seguinte. Stéphanie, então com 17 anos, ficaria magoada sem gravidade, mas mesmo assim não pôde comparecer ao funeral da mãe. A morte trágica e precoce da mãe – Grace tinha 52 anos – deixaria profundas sequelas emocionais nos três príncipes.