Na próxima terça-feira, dia 10 de janeiro, estará disponível nas bancas o novo livro do príncipe Harry, Spare, uma autobiografia que se prevê polémica, com revelações sobre a vida do duque de Sussex e a sua relação com a família real. Para promover a obra, o filho mais novo do rei Carlos III deu uma entrevista, que será transmitida na íntegra no próximo domingo, dia 8, na qual falou abertamente sobre os problemas que enfrenta, em especial sobre a tensa relação que mantém atualmente com o pai e o irmão, William.
Na CARAS recordamos alguns dos momentos mais importantes da vida recente de Harry, como a explosiva entrevista que os duques de Sussex deram a Oprah Winfrey, em março de 2021, onde a duquesa revelou que o filho, Archie, tinha sido alvo de racismo por parte de um elemento da família real, falou sobre os problemas de saúde mental que enfrentou e, juntos, revelaram ainda o sexo do segundo filho, uma menina, que viria a nascer três meses mais tarde, a 4 de junho de 2021. Leia abaixo, na íntegra, o texto que foi publicado na edição da CARAS dessa semana, a 13 de março de 2021.
As revelações explosivas de Harry e Meghan na entrevista a Oprah
A entrevista que Meghan e Harry deram à apresentadora de televisão americana Oprah Winfrey, e que foi emitida nos Estados Unidos na noite do passado domingo, dia 7, pela CBS, é demolidora para a imagem da família real inglesa – ou “A Firma”, expressão cínica supostamente criada pelo príncipe Filipe, marido da rainha Isabel II, e que também Meghan usou nesta conversa de duas horas, a segunda metade na companhia do marido, e na qual retrata um percurso que começou como um conto de fadas, com uma atriz afro-americana a apaixonar-se e casar-se com um príncipe, e que acabou numa realidade opressiva e sufocante, com a qual não conseguiu lidar e que a deixou num profundo estado de depressão, que a fez pensar em suicídio quando estava grávida do filho, Archie, que faz dois anos em maio.
Depois de ouvirmos a duquesa de Sussex, que se casou com Harry em maio de 2018, retratar a forma como se sentiu negligenciada pela família real, que diz não a ter protegido e que acusa de ter, inclusivamente, promovido versões falsas de episódios que se passaram com ela para poupar a imagem de outros membros da família, sacrificando a dela – “há um papel ativo por parte d’A Firma em perpetuar mentiras sobre nós”, garante –, é impossível não pensarmos que os Windsor parecem nada ter aprendido com a história da princesa Diana, também ela emocionalmente abandonada pela família e perseguida pela imprensa ao ponto de morrer num acidente enquanto fugia dos paparazzi.
É, por isso, compreensível que Harry tenha pensado o mesmo quando, há pouco mais de um ano, tomou a decisão de se afastar, ele, a mulher e o filho, Archie, de um ambiente tóxico que estava a minar a saúde mental de Meghan como minou a da sua própria mãe. “Tive medo que a história se repetisse”, diz ele a Oprah nesta conversa, e a frase, que já se conhecia há uns dias dos teasers de promoção da entrevista, ganha nova dimensão depois de ouvirmos Meghan assumir que teve pensamentos suicidas.
Uma das “bombas” largadas por Meghan nesta conversa é a revelação de que a família real chegou a fazer assunto da cor de pele do bebé durante a gravidez dela, deixando implícita uma atitude racista: “Nesses meses em que estava grávida (…) disseram-nos que o nosso filho não teria direito a segurança, que não receberia o título de príncipe (…), e houve conversas sobre quão escura poderia ser a pele dele quando nascesse”, diz Meghan, adiantando que essas conversas foram tidas só com Harry e que este depois lhe contou. Oprah pergunta diretamente a Meghan se isso quer dizer que alguém na família receava que o bebé fosse “demasiado escuro” e que considerava essa hipótese “um problema”, e a duquesa confirma, mas recusa-se a revelar quem o fez, adiantando: “Acho que isso seria muito prejudicial para eles.” Mais tarde, quando Harry se junta à entrevista, Oprah volta a abordar o assunto, mas o príncipe é taxativo: “Essa conversa nunca irei partilhar.” E acrescenta: “Na altura foi estranho, fiquei um pouco chocado”, sublinhando que ao longo destes anos nunca um membro da família real se manifestou a propósito do racismo que considera que a mulher enfrentou por parte da comunicação social. “Isso magoa”, conclui.
O outro grande tema desta entrevista é, como já se disse, a confissão de Meghan de que chegou a ter ideias suicidas quando estava grávida. A duquesa conta que começou a sentir-se só à medida que lhe iam estabelecendo limites ao que poderia fazer – ter de ceder chaves, carta de condução e passaporte à guarda da instituição real, como exemplifica, dá uma noção da privação de liberdade que sentiu –, revelando que a certa altura passou meses sem sair de casa. “Não poderia sentir-me mais sozinha”, conta.
Oprah pergunta-lhe então se chegou a pensar em fazer mal a si própria, a ter pensamentos suicidas, e Meghan confirma: “Sim. Não sabia a quem recorrer. (…) Tinha vergonha de o admitir ao Harry. Mas sabia que se não o dissesse, o faria. Eu simplesmente já não queria viver. E esse era um pensamento constante, muito claro, real e assustador.” E diz que chegou a falar com um membro sénior da família sobre a possibilidade de pedir ajuda profissional e que este lhe respondeu que isso não era possível, porque “não seria bom para a instituição”. Apesar da hesitação inicial que refere, entretanto desabafou com Harry, explicando a Oprah que falou com o marido no dia em que foram juntos a um evento no Royal Albert Hall, em janeiro de 2019, adiantando que o acompanhou porque sentiu “que não podia ficar sozinha”, e que se lembra de Harry lhe agarrar firmemente a mão enquanto assistiam ao espetáculo.
Essa confissão terá feito soar todos os alarmes na cabeça de Harry, muito marcado pela morte da mãe, e desencadeado toda a decisão de deixarem de ser membros ativos da família real, o que concretizaram no início de 2020, passando a viver nos EUA, depois de uma temporada no Canadá. Harry conta nesta entrevista que o assunto foi debatido com a avó e o pai, o príncipe Carlos, através de telefonemas e correio eletrónico, já que estavam no Canadá. “Tive três conversas com a minha avó e duas com o meu pai antes de ele deixar de atender as minhas chamadas e dizer-me: ‘Podes pôr isso tudo por escrito?’”
Quando Oprah pergunta a Harry porque é que acha que o pai deixou de lhe atender o telefone, este responde: “Porque tratei o assunto de forma pessoal. Sentia que tinha de fazer isto pela minha família. Não foi uma surpresa para ninguém. É realmente triste termos chegado a este ponto, mas tinha de fazer algo pela minha própria saúde mental, pela da minha mulher e pela do Archie também.”
Oprah aproveita a oportunidade para o questionar sobre a relação com o irmão, William, de quem toda a vida foi muito próximo e com quem agora terá uma relação fria. “É meu irmão, passámos por um inferno juntos, temos uma experiência partilhada, mas estamos em caminhos diferentes. (…) A relação é distante neste momento. Mas o tempo cura tudo.” E refere ainda que sente compaixão pelo pai e pelo irmão, que considera estarem “presos pelo sistema”, do qual “não conseguem sair”. Diz que mantém uma boa relação com a avó, mas não tanto com o pai: “Há muito a trabalhar em relação a isso… Sinto-me bastante dececionado. Ele passou por algo semelhante, sabe o que é sofrer, e o Archie é neto dele… Claro que hei de amá-lo sempre, mas há muita mágoa.”
Também a suposta zanga de Meghan com a cunhada, Kate Middleton, por causa da roupa das meninas das flores no casamento da primeira, foi referida: a duquesa aproveitou para esclarecer que a história tem sido mal contada, já que nos media sempre se disse que terminou com Kate a chorar. Afinal, sustenta Meghan, quem chorou foi ela e diz que mais tarde a cunhada lhe enviou flores e um cartão com um pedido de desculpas.
O esclarecimento, reforça, fá-lo para mostrar como a família real nunca se deu ao trabalho de clarificar as histórias que a deixavam ficar malvista. Meghan afirma ter sido “silenciada” e que desde o princípio lhe pediram para nunca confirmar ou desmentir rumores, mas que só mais tarde, quando começaram a surgir boatos e histórias mal contadas na imprensa, é que compreendeu que isso não jogava necessariamente a seu favor. “Senti que estavam dispostos a mentir para proteger outros membros da família, mas não estavam dispostos a dizer a verdade para me proteger a mim e ao meu marido.” Apesar destas indicações, garante que nunca lhe deram propriamente formação sobre as regras de protocolo a que deveria obedecer e que foi ela própria que procurou informar-se online, sentindo a pressão de não querer desiludir a família, mas pouco apoio teve para que se saísse bem.
As finanças do casal foram outro dos temas referidos por Oprah Winfrey, que logo no início da conversa esclareceu que a entrevista não implicou quaisquer contrapartidas financeiras para o casal nem as perguntas tinham sido previamente combinadas. Harry explicou que têm vivido do que a mãe lhe deixou e que os contratos de trabalho que assinaram com a Netflix e o Spotify “não faziam parte do plano inicial”, mas que precisaram desse dinheiro para pagar a segurança, depois de a família ter considerado que com a saída deles cessavam também todas as fontes de rendimento.
A entrevista, na qual revelaram ainda que o filho que esperam é uma menina, terá superado as piores expectativas da família real britânica, que muito provavelmente não fará comentários às afirmações de Meghan e Harry, seguindo a habitual política muda de Buckingham sobre assuntos de família, mas dividiu os britânicos: no dia seguinte, muitos referiam, em declarações à imprensa, a forma como se sentiram tocados e emocionados pelas revelações do casal e apontavam o dedo à família real britânica, acusando-a de ser uma instituição obsoleta. Outros condenavam a exposição da privacidade e criticavam a vitimização do casal num momento em que o mundo atravessa uma crise pandémica que está a provocar tantos mortos. Sobressaíram, no entanto, as inúmeras manifestações de apoio e solidariedade sobre a questão do racismo e a depressão de Meghan. O assunto não ficará certamente por aqui e abre caminho a discussões e reflexões sobre a monarquia.
Texto: Ana Oliveira Fotos: Getty Images