Na sua autobiografia, Na Sombra, o príncipe Harry não esquece as duas relações amorosas mais relevantes que teve na sua vida adulta antes de conhecer Meghan Markle: Chelsy Davy, natural do Zimbabué e a viver na África do Sul, filha do proprietário de uma quinta que organizava safaris e de uma antiga modelo e Miss Rodésia, e Cressida Bonas, uma inglesa filha do empresário milionário Jeffrey Bonas e de lady Mary-Gaye Curzon, por sua vez filha de um conde. E revela que foi a segunda que lhe permitiu ultrapassar um bloqueio de anos: chorar pela primeira vez a morte da mãe desde o seu funeral.
“É a primeira vez, depois do funeral, que consigo chorar pela minha mãe. Limpando as lágrimas, agradeci-lhe.”
Estava-se em 2014 e tinham passado 17 anos. Harry e Cressida passavam férias numa estância de esqui na Suíça e a relação tornara-se pública nesse ano, depois de dois anos “clandestinos”. Tinham-se conhecido num festival de música, apresentados por uma das primas de Harry (não especifica qual, embora Eugenie seja muitas vezes referida como a mais próxima), e conseguiram manter discretos os encontros, que aconteciam sobretudo em casa. “Regressámos ao chalé (…) e Cress estava a lavar a cara e a escovar os dentes enquanto a observava sentado na borda da banheira. Estávamos a falar de trivialidades quando, de súbito, ela perguntou-me sobre a minha mãe. Inédito. Uma namorada perguntar-me sobre a minha mãe. Invulgar foi também a forma como perguntou. Usou o tom certo de curiosidade e compaixão. A maneira como reagiu à minha resposta também foi adequada. Surpreendida, preocupada, sem fazer julgamentos. (…) Talvez fosse da neve que caía suavemente do lado de fora das janelas ou o culminar de 17 anos de sofrimento abafado. Talvez fosse da minha maturidade. Fosse qual fosse a razão, ou a combinação de razões, respondi-lhe diretamente e comecei logo a chorar. Lembro-me de pensar: ah, estou a chorar. E de lhe dizer: ‘É a primeira vez que consigo…’ Cressida inclinou-se para mim e disse: ‘A primeira vez que consegues… o quê?’ ‘É a primeira vez, depois do funeral, que consigo chorar pela minha mãe.’ Limpando as lágrimas, agradeci-lhe. Era a primeira pessoa que me ajudava a ultrapassar aquela barreira, a soltar as lágrimas. Foi catártico, aprofundou a nossa relação e acrescentou-lhe um elemento raro nas relações anteriores: uma gratidão imensa.”
A relação não duraria muito mais e Harry acabaria por terminá-la ainda nesse ano, depois de outras férias na neve, passadas no Cazaquistão. “A determinada altura, durante aquelas férias, apercebi-me de que não éramos compatíveis. Era evidente para mim, penso que para Cress também. Tínhamos uma grande afeição e uma lealdade profunda e permanente um pelo outro – mas não amor eterno. Ela sempre deixou claro que não queria o stress de ser um membro da realeza, e eu nunca tive a certeza suficiente para lhe pedir que o fizesse; este facto inalterável, embora já nos assombrasse à distância há algum tempo, tornou-se por demais evidente.” Uma conversa, já em casa de Cressida, poria fim ao relacionamento.
“Apercebi-me de que não éramos compatíveis. Tínhamos uma grande afeição e uma lealdade profunda um pelo outro – mas não amor eterno.”
Quanto ao namoro com Chelsy Davy, que durou de 2004 até 2010, embora muitas vezes mantido à distância, terá sucumbido sob a pressão mediática. Tudo começou numa visita de Harry à Cidade do Cabo, quando ele se lembrou de a convidar para um jantar de grupo. Conhecera-a uns tempos antes em Inglaterra, num clube de polo, e esta chamara-lhe a atenção por ser “diferente”, como escreve. Chelsy acabaria por aceitar o convite, pedindo para levar uma amiga e o irmão. “Ela não me parecia de todo preocupada com as aparências, com o decoro, com a realeza. Ao contrário de muitas raparigas que conheci, não estava a tirar as medidas à coroa quando me cumprimentou com um aperto de mão. (…) Sempre quis saber como seria conhecer uma mulher que não arregalasse os olhos com a menção do meu título e que, pelo contrário, fosse eu a abri-los através da minha mente, do meu coração. Com Chels essa possibilidade parecia real. Não só não queria saber do meu título como parecia entediá-la.” No dia seguinte, Chelsy e a amiga integravam o grupo que partia com Harry para o Botsuana, onde começaram a namorar. Ela só ficou uns dias, Harry manteve-se em África e foi nessa ocasião que conheceu um casal de africanos na casa dos 30 que passaria a ter alguma influência na sua vida: Teej e Mike, que faziam documentários sobre a vida selvagem, e aos quais Harry se juntaria sempre que possível. Foram testemunhas desta relação ao longo dos anos, já que era no Botsuana que passavam o tempo livre que tinham.
“Chels voltou a dizer que não tinha a certeza se estava disposta a passar por aquilo. Uma vida inteira a ser perseguida?”
Chelsy conheceu cedo o assédio da imprensa. Semanas depois da viagem a África, acompanhou Harry a Inglaterra e os dois foram fotografados logo no aeroporto. Harry conta que recomendou à namorada que encarasse o problema “como uma doença crónica, algo que tinha de ser gerido. Porém, ela não tinha a certeza se queria ter uma doença crónica. (…) Vais habituar-te, menti”. Depois disso ela convidou-o para ir à Cidade do Cabo conhecer os pais, duas pessoas de quem diz ter gostado imediatamente. “Não queria colocar o carro à frente dos bois, mas pensei: nem nos meus melhores sonhos poderia ter imaginado uns sogros assim.” Foi pouco depois que Harry começou a fazer a sua formação no exército, mantendo a relação à distância, conciliando o trabalho como militar com intervalos em que a visitava na África do Sul ou se escapavam juntos para o Botsuana. Harry relata uma conversa com a amiga Teej – a quem por vezes chama mãe, como conta – em que se questiona se a relação tem futuro: “Ela gosta de mim. Acho que me ama. Mas não gosta da minha bagagem (…) e nada disso alguma vez desaparecerá, portanto que esperança podemos ter?” Nessa altura, Chelsy sofre um assédio permanente da imprensa, que a fotografa tanto em Inglaterra como na Cidade do Cabo, onde chega a descobrir um dispositivo de localização colocado no carro. “Chels voltou a dizer que não tinha a certeza se estava disposta a passar por aquilo. Uma vida inteira a ser perseguida? Que poderia eu dizer? Iria sentir a sua falta, e muito. Mas entendia perfeitamente o seu desejo de liberdade. Nem eu, se pudesse escolher, iria querer este tipo de vida.” E assim termina a longa relação, sobrevivendo uma amizade.
No ano seguinte, 2011, Chelsy seria convidada por William e Kate para o seu casamento, com o acordo de Harry. “Foi difícil ver Chels no casamento de Willy. Ainda nutria muitos sentimentos por ela, sentimentos que havia suprimido, sentimentos que não sabia que tinha. E também senti outras coisas em relação aos homens de aspeto esfaimado que andavam atrás dela, encurralando-a e importunando-a para que dançasse com eles. O ciúme levou-me a melhor naquela noite e disse-lho, o que ainda me fez sentir pior. É um pouco patético.”
Entre Chelsy e Cressida, Harry menciona dois casos amorosos que não terão sido tão relevantes, um breve com a apresentadora de televisão Caroline Flack (que se suicidaria em 2020, o que também refere no livro), outro com Florence Brudenell-Bruce, que dura apenas semanas, mais uma vez porque a pressão mediática lhe põe uma namorada em fuga.
E descreve os dois anos seguintes como uma longa época solitária, em que se vai debatendo com o stress pós-traumático da experiência da guerra. E em 2016 surge Meghan, uma atriz americana que o deslumbra. A relação faz-se à distância durante uns tempos, já que ela continua a gravar no Canadá a série Defesa à Medida, mas em setembro de 2017 resolvem passar a viver juntos em Inglaterra. Harry descreve o momento em que se declarou: “Amo-te. Fiquei à espera de uma resposta. Não houve. Ouvia-a, ou senti-a, caminhar na minha direção. Virei-me e lá estava ela, mesmo à minha frente. Também te amo, Haz. Eu tinha as palavras na ponta da língua quase desde o início. (…) Era evidente que a amava. Meg sabia-o, via-o, tal como toda a gente. Amava-a do fundo do coração, como nunca amei ninguém.”
“Era evidente que a amava. Meg sabia-o, via-o, tal como toda a gente. Amava-a do fundo do coração, como nunca amei ninguém.”
Meghan é a primeira relação que sobrevive ao assédio da imprensa. Casam-se em 2018, cumprindo finalmente o maior desejo de Harry. Desta vez, o que não sobrevive à pressão mediática é a relação deste com a família real, que acusa de nunca ter protegido Meghan contra a perseguição e difamação da imprensa, com os resultados que se conhecem. E retrata uma Kate demasiado protocolar e rígida face a uma atriz americana mais descontraída, cuja popularidade a deixa melindrada, e um irmão e um pai incapazes de combater o statu quo que rege “a Firma”, como tantas vezes se designa a família real britânica, acabando por se tornarem cúmplices de uma inércia que encurralou o casal na sua fuga para os EUA, onde criam hoje os dois filhos, Archie, de três anos, e Lilibet, de um.