Chegou com um sorriso meio tímido, como quem não está habituada a produções fotográficas e entrevistas, mas bastaram alguns minutos para se ambientar e partilhar com a CARAS um pouco do seu universo privado. Numa conversa informal e aberta, Solange F. deu-se a conhecer e falou, sem tabus, da sua homossexualidade e do desejo que tem de ser mãe em breve.
– Passa a imagem de ser irreverente, directa e efusiva…
– Este lado mais efusivo e bem-disposto é para disfarçar uma grande timidez que existe em mim. Eu era um bocadinho anti-social, mas já estou melhor. Também gosto que achem que sou antipática, porque proporciona uma certa distância e assim não se metem comigo. Gosto de passar despercebida.
– É curioso dizer que gosta de passar despercebida, pois sempre marcou pela diferença. As várias cores do cabelo, as tatuagens…
– Não sei como é que isso se explica. Costumo dizer que é mais para facilitar a vida aos outros: quando quiserem marcar encontro comigo, assim é mais fácil verem-me… [risos] Ser igual e fazer o mesmo que toda a gente não faz parte de mim. Tenho uma necessidade qualquer de ser diferente.
– Outra das razões por que também deu muito que falar foi o facto de ter assumido, recentemente, a sua homossexualidade, numa reportagem da revista Única…
– Foi um convite que aceitei sem pensar muito nas consequências, mas, sinceramente, estava-me nas tintas para isso. Achei que iam falar de um tema de que eu gosto, que me interessa e do qual achava que fazia todo o sentido falar-se. Nunca tive problemas com a minha homossexualidade. Sempre fui muito directa, sincera e teimosa, e quando tenho de lutar por alguma coisa, luto. E aquela reportagem tinha tudo que ver comigo.
– Teve consequências?
– Imensas, mas positivas. A verdade é que houve muita gente a enviar-me mensagens de apoio. E não tive o ‘anti-Solange’. Mas estava preparada para os dois lados.
– Falou com os seus pais primeiro?
– Os meus pais e todas as pessoas próximas de mim já sabiam. Nunca fiz muita questão de levantar um estandarte a dizê-lo, mas também nunca o escondi. Isso a mim irrita-me. Se estás num sítio qualquer em que te dá vontade de ser mais carinhosa com o namorado ou namorada, tens o direito de o mostrar. Agora, as pessoas devem ter o mínimo de bom senso e ponderar o local e a situação em que estão. Nos vários sítios onde já morei, as pessoas sabiam e respeitavam. Sempre vivi sem problema nenhum, felizmente.
– Os seus pais aceitaram bem?
– A minha família sempre me apoiou. Eu saí de casa muito cedo, com 18 anos. Sempre fui muito independente. Portanto, sempre tivemos uma relação de abertura, mas também de muito respeito.
– Tem namorada?
– Prefiro não responder. Isso já é aquele limite da vida privada.
– E quando tem, é uma pessoa afectuosa?
– Sou muito afectuosa, tenho um lado romântico, mas depende de quem estiver comigo. Tenho uma máxima: quem não me acompanha, é porque me está a atrasar. Portanto, se for uma pessoa que me acompanhe, dou tudo de mim…
– É romântica?
– Sim. Acho que para manter o estado de paixão não nos podemos encostar às relações e esperar que elas andem só porque gostamos muito um do outro ou uma da outra. Tem que haver investimento de ambas as partes. De vez em quando, tem de haver uma surpresa, uma escapadinha de um fim-de-semana, estar com e sem amigos, namorar…
– A homossexualidade não a faz sentir-se menos feminina?
– Não. Sei que há o estereótipo em relação aos homossexuais de que os homens são umas bichonas e as mulheres são camionistas, mas não somos todos assim. Sou bastante feminina.
– Gostaria de se casar?
– Acho piada à ideia de me casar lá fora, embora não tenha validade cá. Em Portugal, um casal homossexual não tem os mesmos direitos, mas, se fosse possível, casava-me. Sou da opinião de que se as pessoas se gostam e querem o devem fazer.
– E deseja ser mãe?
– Quero muito. Penso mais nisso do que no casamento, pois adoro crianças. O problema prende-se com a estabilidade financeira, para poder dar à criança todas as condições necessárias. Mas faz parte dos meus planos a médio prazo. Não quero esperar muito, já tenho 31 anos… Tenho muita vontade de ensinar uma série de coisas à criança que há-de vir.
– Quer adoptar ou ter um filho biológico?
– Quero ter um filho meu. A adopção é muito difícil…
– Vai recorrer à inseminação, portanto…
– A inseminação também é muito difícil, a menos que se tenha dinheiro. Não tendo, fica-se em último lugar da fila, porque para se ir a um banco de esperma, primeiro tem que se provar que se é casada e que o marido é estéril. Agora, se se aparece lá sozinha…Posso dizer que a maneira mais fácil, que se faz muito e com menos custos, não quero saber se é ilegal ou não, é a inseminação artificial caseira. Tens um amigo que faz a doação de esperma… É viável, acontece, não há envolvimento nenhum, e não se gasta um balúrdio de dinheiro.
– É essa a possibilidade que está a ponderar?
– Como deve calcular, não tenho dinheiro para me chegar à frente. Mas fazer um filho não é difícil… [risos]