O dia 14 de Fevereiro de 2009 vai ficar para sempre gravado na memória de
Manuela de Sousa Rama. Não pelo romantismo que, por norma, se associa esta data dedicada a S. Valentim, mas por ter sido, talvez, o pior dia da sua vida. Nessa manhã, uma anomalia no seu jipe (Manuela tem provas de que não se tratou de erro humano, pois os peritos que contratou concluíram que o motor do carro acelerou ao máximo das rotações em cerca de 10m) provocou um aparatoso acidente que levou a jornalista e escritora para o hospital com diversas escoriações, hematomas e, muito mais grave, uma fractura grave de coluna, por esmagamento. Essa fractura obrigou Manuela de Sousa Rama a submeter-se a uma cirurgia e, apesar de já ter terminado a fisioterapia, ainda está a recuperar de vários meses que a deixaram na cama, dependente de terceiros.
Nesta entrevista, a jornalista, que não perdeu o espírito positivo com que encara a vida, recorda como foram esses momentos e deixa um alerta sobre as situações gravíssimas que se vivem nos nossos serviços de saúde.
– Sete meses depois do acidente, já existe uma explicação para o que aconteceu?
Manuela de Sousa Rama – Estava a estacionar o meu jipe, de caixa automática, no Estoril, para ir à minha aula de tai-chi e, sem qualquer aviso, o motor acelerou ao máximo das rotações e o carro arrancou que nem uma bala de canhão, atravessou na diagonal uma pequena rua e foi-se esborrachar, comigo lá dentro, na esquina de um muro de uma casa. A frente do carro ficou completamente destruída. Depois, e por ter ficado sem motor, o jipe deslizou para trás e ainda foi bater noutro carro que estava estacionado. Foi uma anomalia, mecânica ou electrónica, que provocou o acidente. Essa foi a conclusão que me foi transmitida por peritos que contratei para analisar as razões do acidente.
– Ficou ferida, foi transportada para o hospital e ainda está em recuperação, depois de se ter admitido o pior…
– Gostava de esclarecer que nunca me passou pela cabeça ficar paraplégica, como chegou a ser noticiado. O que aconteceu foi que o cirurgião disse que esta fractura (da L1, por esmagamento) é a que provoca o maior número de tetraplégicos. Essa pode ter sido a confusão, porque, até pela minha forma de ser, nunca iria admitir esse cenário. Agradeço todos os dias a Deus a sorte que tive dentro de todo o contexto que envolveu este acidente, e também às minhas pernas e aos meus braços por terem querido ficar comigo. E isto não é uma figura de retórica, é a realidade.
– Ainda assim, foi uma situação delicada, que implicou uma cirurgia e uma recuperação bastante longa. Uma experiência que nunca irá esquecer…
– Depois de ter sido confirmada a fractura por esmagamento, fiquei em observação durante 72 horas – durante as quais podem existir os tais transtornos neurológicos -, até ao momento em que, colocada perante as várias possibilidades de tratamento, optei pela cirurgia. Foram momentos de dor lancinante, mas nunca perdi a consciência. A cirurgia também não foi fácil e o período de recobro absolutamente pavoroso. Felizmente, estava em boa forma física e psicológica, o que ajudou bastante ao sucesso da operação e da recuperação. Ainda assim, quando acordei da cirurgia, pensei que tinha morrido e ido directamente para o Inferno… as dores eram indescritíveis.
– Esteve uma semana internada e depois iniciou a recuperação em casa. Como foi esse tempo em que esteve totalmente dependente de terceiros?
– Foi um processo muito doloroso. Foram dois meses e meio em que estava dependente a 100 por cento. Para me levantar, nem que fosse para tomar banho, tinham que me colocar, e depois retirar, uma ortótese (colete rígido). Felizmente, contei sempre com o apoio extraordinário de toda a minha família. Quem está doente precisa de mais carinho e de mais atenção, mas, no meu caso, eu precisava deles para fazer o que quer que fosse. Apesar de todo o apoio, foram tempos desesperantes, porque, sendo eu uma pessoa superactiva, estava obrigada a ficar numa cama onde apenas podia ler e ver televisão. Não foi fácil, mas pensava sempre que poderia ter sido muito pior…
– Neste momento está totalmente recuperada?
– Fiz fisioterapia durante quatro meses, já retomei as minhas caminhadas de seis quilómetros junto ao mar e conto recomeçar, brevemente, as minhas aulas de dança. E acredito que dentro de um ano vou poder voltar a fazer tudo o que me apetecer.
– Tendo em conta toda a experiência que viveu, decidiu também deixar um alerta a doentes e pessoal hospitalar…
– Depois do acidente e dos cuidados impecáveis prestados pelo INEM, passei por três hospitais no mesmo dia, assistindo e sendo alvo de atitudes por parte do pessoal hospitalar que devem ser denunciadas. E mais, que nós, doentes, não podemos aceitar, pela simples razão de não terem explicação! Como é possível, depois de ter chegado a um hospital imobilizada, com suspeita de fractura de coluna, terem-me retirado a imobilização, sentado numa cadeira de rodas podre e, mais tarde, terem-me pedido para subir para uma maca com três degraus? E nesse mesmo dia, num outro hospital, onde cheguei às urgências por volta das 13h30, não havia um único médico de serviço porque tinham ido almoçar todos juntos! Estas situações são gravíssimas e é importante que todas as pessoas envolvidas pensem seriamente nelas. Ser paciente não implica ser-se paciente e aceitar, sem reclamar, que estas coisas aconteçam.