Só há três anos os pais de Jacinta acreditaram que a sua menina, nascida na recatada aldeia da Gafanha da Nazaré, era capaz de sobreviver do seu dom para a música, nomeadamente para o
jazz. Quando, na verdade,
"foram eles que me puseram a estudar música!", diz a cantora e pianista, de 38 anos, cuja carreira ficará para sempre ligada ao programa da SIC
Chuva de Estrelas, no qual, aos 22 anos, interpretou magistralmente um tema de
Ella Fitzgerald.
Pouco dada a grandes aparatos no que diz respeito ao seu visual,
"só mesmo em ocasiões excepcionais como esta", [a produção fotográfica para a CARAS] a cantora assume, no entanto, que é, desde a adolescência, um animal de palco. E se, quando desce dele, despe a roupagem da sofisticação e da artista, para ser uma pessoa comum – cabelos revoltos, cara desmaquilhada, calças de ganga e um confortável par de ténis -, reconhece igualmente:
"Quando assumo este tipo de sofisticação, como a de hoje, também sou eu, porque me transformo."
Depois de ter vivido vários anos nos EUA – onde foi uma aluna brilhante do mestrado de Jazz Vocal e Performance, na Manhattan School of Music (que lhe ofereceu uma bolsa total, tornando-a quase na única cantora de
jazz a quem isso aconteceu) -, Jacinta está actualmente ancorada em Aveiro, onde os pais vivem e podem dar-lhe apoio logístico nas questões relacionadas com a filha,
Catarina, que nasceu do seu casamento, entretanto terminado, com um engenheiro portuense,
Hugo de Carvalho. Aos nove anos, Catarina já canta pela casa e, ainda por cima, ópera!
Mulher de grandes desafios, Jacinta lançou recentemente
Songs of Freedom, em que recria temas populares dos anos 60, 70 e 80, e que a fez regressar à prestigiada editora Blue Note.
– Apesar de ser uma mulher simples, também tem uma faceta sofisticada…
Jacinta – Sim, gosto de me arranjar e de me maquilhar assim como estou agora, não só para trabalhar, mas para me sentir bem, só que não sou capaz. Tinha de ir tirar um curso para aprender!
– Ou seja, uma mulher diferente da menina que cresceu na Gafanha da Nazaré…
– Acho que só nos últimos cinco anos, quando voltei lá, é que me libertei dessa menina. E já era cantora de
jazz! Era esquisito, porque parecia que aquele lado sofisticado não era meu. Agora acho que já cresci.
– Esses olhos azuis, herdou-os do pai ou da mãe?
– [risos] Dos dois! Do lado do meu pai, todos têm olhos azuis. Eu e as minhas irmãs, que temos olhos azuis, casámo-nos todas com maridos de olhos escuros e, por isso, os nossos filhos já não têm os nossos olhos. A minha filha tem olhos castanhos.
– Como foi a adaptação aos Estados Unidos?
– Foi dura! Não só a nível académico, mas de vida, porque as culturas são completamente diferentes, mas nunca pensei voltar para trás. Foi muito difícil, porque não percebia nada do que eles diziam, mas pus-me a ver televisão e, ao fim de um mês, já percebia o nova-iorquino. E eu até levava uma grande bagagem, porque fiz o curso de composição clássica com livros americanos!
– Quando foi para os Estados Unidos ia casada e quando voltou já trazia a sua filha…
– Fomos para Nova Iorque para eu fazer o mestrado e depois para Silicon Valley, onde o Hugo, que é engenheiro informático, arranjou o emprego dos sonhos dele. Acabámos a relação em 2004, eu voltei e ele ficou lá.
– Como gere a relação da sua filha com um pai que está fora?
– Geralmente ela vai lá passar as férias, o que é óptimo a nível de língua, que fala fluentemente, e de cultura. Por outro lado, isto custa-lhe imenso, porque tem raízes cá e lá…
– Não deve ser fácil manter uma carreira artística quando se está a criar uma filha sozinha…
– Uma das razões por que estou em Aveiro é o facto de ter a minha mãe perto. Ela continua a viver na Gafanha e tem uma casa com quintal, com animais… Acho que é muito importante para a Catarina estar lá e eu acabo por ter mais qualidade de vida.