Chama-se
Simonetta Bianchi Ayres de Carvalho Luz Afonso, é museóloga especializada em conservação e restauro e gestora cultural. Casada, tem 64 anos, uma filha advogada,
Ana, e uma neta,
Vera. Foi conservadora dos museus do Palácio Nacional da Pena e do Palácio de Queluz, comissária da Europália Portugal 91, comissária e administradora das Exposições de Lisboa Capital Europeia da Cultura, em 94, e comissária de Portugal para a Expo’ 98 e para Hanôver 2000. Presidiu ainda ao Instituto Português de Museus, ao ICCROM (Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauração de Bens Culturais) e ao Instituto Camões.
Há um ano, concorreu a presidente da Assembleia Municipal – a convite de
António Costa, como independente – e a sua vida mudou. Da reverência dos museus e do prestígio das grandes exposições europeias e universais, passou a aprovar e a desaprovar propostas no parlamento da câmara, cabendo-lhe a última palavra nas moções dos munícipes representados pelos vários partidos e autarquias competentes. Não se deixou intimidar e, agora, temos à frente dos destinos de Lisboa uma força da natureza de entusiasmo redentor e determinação coriácea. Solar e folgazona, dizem-na a alegria de todo o evento ou comitiva. O segredo pode residir numa espontaneidade torrencial que nenhum formalismo encobre. Depois de há muito ouvir falar nesta figura singular e desassombrada,
Rita Ferro quis conhecê-la pessoalmente para formar o seu próprio juízo e apresentá-la mais intimamente aos cidadãos que a elegeram. Conversaram na rua, entre o MUDE (Museu do Design e da Moda) e a Biblioteca Municipal de São Lázaro – lugares de orgulho para a autarca – e tornaram-se imediatamente cúmplices na secreta feminina, numa tarde de chuva copiosa ultrapassada por momentos de humor vivificantes.
– Começo pelo seu traço mais distintivo: uma personalidade vulcânica! De onde lhe vem esse fogo? Não pode ser só português…
– Está-se a referir à minha alegria de viver e à minha capacidade de ver o copo meio cheio? Olhando para trás e reportando-me à minha infância, lembro-me sempre que perante as dificuldades a minha mãe me dizia para não ficar paralisada, pois quando se fecha uma porta, abre-se sempre uma janela! A minha mãe era italiana, de Florença, e tive também a sorte de ter vivido com a minha avó materna, pelo que a minha educação foi luso-italiana. Sendo o meu pai português, sempre vivi entre estes dois mundos fascinantes da Europa do Sul.
– Todos me dizem que é empolgante trabalhar consigo e que a Simonetta é uma ‘máquina de trabalho’ capaz, como poucos, de rasgo e improviso. Perante um perfil destes, avassalador, pergunto-me: será fácil trabalhar consigo?
– Gosto imenso de trabalhar e ao longo da minha vida tenho feito sempre o que gosto! Nunca fiz nada pela rama e portanto se há que fazer, faz-se! Arregaçam-se as mangas, pensa-se, inova-se, decide-se e avança-se! Tenho um gosto enorme por formar equipas, porém sei exactamente aquilo de que cada um é capaz e até onde pode ir, e… respeito! O que não suporto é a preguiça, o ‘faz-de-conta’ e os estratagemas burocráticos para fazer perder tempo. Não sei se lhe respondi, mas posso dizer-lhe que fiz grandes amigos até hoje entre as pessoas que trabalharam comigo… mas também alguns inimigos de estimação! [risos]
– Aproveitando esse seu proverbial sentido de humor: transitar dos museus para a política não é um pouco como passar do convento ao cabaré?
– Enquanto estive na vida activa entendi que não devia misturar actividade política com actividade profissional. Um alto dirigente dos quadros da administração pública que executa políticas não deve fazer política.
– Mas agora representa a segunda força política do município. Como ponderou esse instante decisivo?
– Aposentada, por que não servir a
Res Publica de outro modo, sujeitando-me ao escrutínio democrático? Foi uma experiência muitíssimo interessante e que representa uma responsabilidade acrescida: os eleitores confiam em nós!
– Conte-nos como funciona a Assembleia Municipal…
– A AM é o órgão fiscalizador e ao mesmo tempo facilitador da actividade do município onde os munícipes estão representados pelos deputados municipais e pelos presidentes de juntas de freguesia, uma espécie de parlamento da cidade. Porém, os próprios munícipes podem participar a título pessoal nas sessões ordinárias, apresentar as suas reclamações ou sugestões, ou escrever-nos, cooperando e podendo assim intervir directamente na resolução dos problemas da cidade.
– E contribuem?
– Infelizmente acho que o fazem pouco, que o fazem muito pensando no ‘seu problema’ e não tanto no colectivo. Essa constatação levou a AM a promover uma actividade junto das escolas do ensino básico da cidade, intitulada Assembleia Municipal das Crianças de Lisboa, que tem por objectivo precisamente contribuir para a educação para a cidadania, dando às crianças o domínio das ferramentas e o conhecimento dos direitos e deveres que lhe permitirão participar na governação da cidade, agora à sua escala, preparando a sua intervenção como adultos.
– Mas as sessões não são demasiado fastidiosas?
– Talvez, mas são obviamente necessárias num processo democrático! E a nossa actividade não se resume a votar propostas! Há um trabalho invisível de estudo dos dossiês, de visita aos lugares ou do conhecimento das situações e da audição do presidente da câmara, dos vereadores ou das juntas de freguesia e de especialistas, que é aquilo que sustenta verdadeiramente as decisões tomadas pelo colectivo a que presido e que dão força e tornam o trabalho interessante. Tem sido também para mim muito gratificante, eu que pensei que conhecia bem Lisboa, a minha cidade, descobrir outras lisboas que gostaria de desafiar os lisboetas a conhecer também.
– Que propostas lhe deu mais gozo aprovar?
– Elejo três, gloriosas: a Can-didatura do Fado a Património Imaterial da Humanidade, votada por unanimidade com aclamação, o que prova ser um traço de união entre os cidadãos; o Regulamento para a Atribuição dos Ateliers Municipais a Artistas Plásticos, que permitirá apoiar os criadores, incluindo jovens, e constituirá um poderoso incentivo à criatividade artística; e a Carta dos Equipamentos Desportivos da Cidade, que possibilitará dotar a cidade de equipamentos desportivos, recuperando-os e tornando o desporto acessível a todos, tendo em conta a sua distribuição por bairros e freguesias e a proximidade com os cidadãos.
– Prevê-se algum benefício para a cidade que possa anunciar-nos em primeira mão?
– Penso que o debate mais interessante e que trará maiores benefícios à cidade girará em torno da Reforma Administrativa da Cidade – a última data de 1959! – que vai agora começar e em que espero que os cidadãos se envolvam de alma e coração, até porque, ajudados pelas novas tecnologias, poderão fazê-lo sem sair de casa! Que cidade queremos para o século XXI? O que deve mudar e manter-se na cidade? Como envolver mais as freguesias para praticarem uma governação de proximidade com os seus fregueses, melhorando a qualidade da resposta, diminuindo custos administrativos, e deixando a câmara com mais tempo e inspiração para o planeamento estratégico e aliviando-a da resolução do imediato.
– Os lisboetas já aproveitam bem a oferta lúdica e cultural da cidade?
– Claro, mas é preciso nunca desarmar a Educação! Se os cidadãos forem habituados desde pequenos a frequentar espectáculos, a visitar museus, monumentos, a olhar para a sua cidade, a apreciar a Natureza, a ler, enfim, se receberem uma educação para a cidadania, verão os mupis, os cartazes, as agendas culturais com que se cruzam todos os dias e reservarão uma parte do seu tempo livre a estas actividades. Penso que nesse aspecto educativo Lisboa está no bom caminho e as escolas públicas que estão sob tutela da câmara fazem um bom trabalho. Trata-se, no entanto, de um investimento permanente, de uma tarefa que nunca está acabada! Quero porém dizer-lhe que noto com prazer muita gente nova que frequenta regularmente as múltiplas actividades culturais que a cidade oferece.
– Sente que, de algum modo, já foi contaminada pela adrenalina do poder?
– Rita: a única coisa que me move é o fazer, fazer o melhor que posso e sei, pelo meu País, pela minha cidade, fazer andar as coisas, pôr as pessoas em contacto, criar redes, criar oportunidades para que outros façam. É essa a minha causa!
– Termino com uma pena imensa de a deixar, pedindo-lhe que se despeça com um
slogan que galvanize os cidadãos!
– "Lisboa é uma das melhores cidades do mundo para se viver, venha vivê-la!"
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico