O seu trabalho enquanto atriz é reconhecido e admirado tanto pelo público como pelos colegas, mas a personalidade forte das personagens que interpreta nas telenovelas chega a contrastar com a sua própria maneira de ser. Educada, inteligente e muito sociável,
Alexandra Lencastre revela simultaneamente algumas inseguranças injustificadas.
Afinal, é uma excelente atriz, é bonita e tem duas filhas que lhe retribuem todo o amor e carinho que dela recebem. Foi o que a CARAS testemunhou durante os dias que Alexandra passou em Andorra com
Catarina e
Margarida, de 12 e 14 anos, respetivamente.
– O convite para participar nesta viagem acabou por proporcionar a concretização de um sonho antigo: ver neve pela primeira vez…
Alexandra Lencastre – É verdade. Já tinha vindo a Andorra há uns anos, fazer compras, e lembro-me de ver ao longe os Pirenéus franceses… A determinada altura da viagem parámos e eu saí do carro eufórica porque ia finalmente tocar na neve, quando me disseram que aquilo não era neve, mas sim gelo! [risos] Tem sido, de facto, um sonho que tinha vindo a ser adiado por variadíssimas razões. O ano passado, por exemplo, tinha reservado uns chalés na serra da Estrela para passar o fim de ano com a família toda, mas infelizmente a minha avó adoeceu e acabámos por desistir. Mas estes desportos de neve seduzem-me muito, mais enquanto observadora do que como praticante.
– Estes três dias também são uma forma de estar mais disponível para as suas filhas, antes de regressar aos apertados horários das gravações?
– Eu tenho conseguido estar presente, porque faço uma vida cada vez mais sossegada e tranquila. É isso que procuro e é assim que me sinto bem. Tirando o trabalho que levo para casa, é raríssimo sair à noite. Portanto, elas estão muito habituadas à minha presença. Telefono-lhes imensas vezes durante o dia, deixo bilhetinhos espalhados pela casa, e faço uma coisa muito engraçada e muito simples que aprendi com uma história que elas trouxeram para casa, e que todos os pais que têm horários ao contrário dos ditos normais podem fazer: quando chego a casa e elas já estão a dormir, dou-lhes um nó no lençol. Assim, quando acordam, sabem que estive ao lado delas. É simples, mas muito eficaz.
– Nestes dias não foi preciso dar nós nos lençóis…
– Não. Para elas também foi bom verem-me no meio de um grupo, já que estão habituadas a que esteja sempre muito isolada. Ontem diziam-me:
"Mãe, estavas divertidíssima no meio de tantos amigos!" De facto, isto não é muito habitual. Nós temos uma vida um bocadinho austera, ao contrário do que se possa pensar. Lá em casa não é uma festa, é raríssimo recebermos convidados para jantar, por isso, isto para elas é uma festa…
– O ano passado matou saudades do teatro, falta voltar a fazer um filme…
– Tenho muitas saudades de fazer cinema, é verdade. Houve um ano em que fui convidada para fazer cinco filmes, mas não cheguei a fazer nenhum devido aos compromissos de trabalho com a TVI. A última vez que gravei foi há dois anos, quando fiz uma participação especial num filme de
Fernando Lopes, no qual, ao contrário do que costuma acontecer, gostei muito de me ver.
– Não costuma gostar de se ver no ecrã?
– Nem de me ver, nem de me ouvir! Por vezes, há uma cena ou outra de que gosto, mas, como costumo dizer, pagam-me para fazer novelas, não para me ver nelas. [risos]
– Quer dizer que nunca vê as cenas que grava?
– Só vejo as primeiras cenas de uma novela, para aferir aquilo que está bem ou mal. Depois, quando chego a casa, só tenho duas hipóteses: ou estudo os textos para o dia seguinte ou vejo a novela, tenho de optar. Parece exagero, mas é mesmo assim. Além disso, as novelas não são um produto que me fascine. Gosto mais de as fazer do que de as ver. Fazer é uma excelente musculação para um ator, onde nos divertimos e sofremos também, que nos obriga a reagir muito rapidamente e a ter uma enorme flexibilidade e adaptabilidade em relação a tudo, às roupas, ao cabelo, às expressões, ao tom de voz, aos outros atores…
– E está preparada para ver a sua filha mais velha seguir os seus passos? Ela parece convicta nessa decisão…
– Nunca acreditei muito nisso, mas parece que é mesmo o que ela quer. A Margarida tem, de facto, muitos talentos: toca muitíssimo bem piano, e isso herdou da família do pai, e dança balé – aos dez anos até queriam que ela continuasse a dançar em Paris ou Londres – e tem desperdiçado esses talentos. Representar pode eventualmente ser um dos seus talentos, até porque tudo se trabalha, mas, a meu ver, tem pouca capacidade de sacrifício. Ela agora quer entrar para a escola de teatro do
Carlos Avillez. Eu e o
Piet-Hein já fomos visitar a escola e tirar as nossas dúvidas, e vamos deixá-la ir. Pela primeira vez, ela quer fazer uma coisa em que sabe que não terá a companhia de amigas, que terá de fazer o percurso de transportes e andar imenso a pé, e, ainda assim, está tão disposta a fazê-lo que isso talvez seja revelador. Não há como contrariar. Se correr mal, serei a primeira a pegar nela e voltar a inscrevê-la numa outra escola para repetir o 10.º ano. Isto porque o ensino complementar numa escola artística em Portugal não lhe permitirá ter médias para entrar em faculdade nenhuma. Já tentei que ela tomasse consciência disto, mas ela acha que está a medir forças comigo, quando eu estou só preocupada. Eu própria esperei até ter a certeza de que queria seguir este caminho na área da representação. Só quando percebi que tinha algum jeitinho – e já estava no segundo ano de Filosofia da faculdade – é que fiz os exames para tentar entrar no Conservatório, sempre convencida de que não iria entrar. Quando fui admitida é que acreditei que era aquilo que ia fazer. Foi muito importante e decisivo. Se não tivesse entrado no Conservatório, garanto que nunca teria seguido esta carreira. Estaria a dar aulas de Filosofia num liceu qualquer e, se calhar, estava contente.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.