O início do ano marcou uma fase de viragem na vida de
Júlia Pinheiro. Aos 48 anos, a apresentadora está de volta à SIC, onde acumulará os cargos de diretora de conteúdos da estação e, claro, de apresentadora.
"O que me fez ir para a SIC foi não só o facto de ser uma proposta nova, mas também por achar que, perto dos 50 anos, é possível baralhar e dar de novo. Tive a sorte de ter uma empresa que me perseguiu durante um ano e meio – uma corte longuíssima -, o que é raro hoje em dia. Isto dá uma sensação muito grande de valor profissional." Um desafio para o qual Júlia está preparada, não só por ter 30 anos de experiência em televisão, mas também por contar com o apoio incondicional do marido, o locutor e diretor de programas da RDP,
Rui Pêgo, com quem vive há 26 anos, e dos filhos de ambos,
Rui, de 22 anos – apresentador do programa
Curto-Circuito – e as gémeas
Matilde e
Carolina, de 16 anos.
– A mudança para a SIC é uma boa forma de começar a festejar 30 anos de carreira?
Júlia Pinheiro – Pois… nem tinha pensado nisso. É verdade, tem toda a razão, e é também uma boa maneira de acabar a década dos 40, contrariando um bocadinho aquela velha ideia de que os grandes desafios e propostas profissionais estão vedados às mulheres que estão perto dos 50, por causa da passagem do tempo e, se calhar, de uma menor frescura física.
–
Começa a sentir essa frescura a fugir?
– Não, antes pelo contrário, estou ótima. Do ponto de vista intelectual e profissional, acho que estou no apogeu, na maturidade plena. Acho que quanto mais experiência tiver um profissional, melhor se torna. Eu estou naquele momento feliz de quem já acumulou muitas experiências: trabalhei nas três estações de televisão e, portanto, o que trago na bagagem, a nível do conhecimento e da experiência, tem peso, tem valor para mim e, pelos vistos, para o mercado também. Portanto, não sinto nada que essa frescura se tenha perdido. Fisicamente… pois não sou a mulher mais bonita do mundo – também não serei a mais feia -, não sou a mais nova, também não serei a mais velha. Acho que sou perfeitamente normal e acho que a normalidade, quando é vivida com orgulho e alguma vaidade, é inestimável, as pessoas reconhecem-se e identificam-se com ela.
– Um mês depois, e com as remodelações que já começaram a ser feitas na SIC, ainda se sente bem-vinda pelos colegas?
– Um mês depois, tenho a gratíssima surpresa de ir encontrando alguns colegas com os quais, por razões várias, ainda não me tinha cruzado. Há a mesma alegria e a mesma sensação de familiaridade no reencontro. Quanto às remodelações a que se está a referir, tudo o que está a suceder tem que ver com equipas externas, não tem que ver com pessoas da própria SIC, portanto, não creio que haja algum motivo para que os meus colegas tenham vontade de me franzir o sobrolho, antes pelo contrário.
– O seu corpo chegou a ressentir-se do excesso de trabalho que tinha na TVI mas, na verdade, chega à SIC e faz exatamente o mesmo: ocupa o cargo de diretora de conteúdos, vai apresentar o programa da manhã e ainda um
reality-show…
– O principal problema de que o meu corpo se ressentiu e, de alguma forma, o meu humor e a minha capacidade de resistir com garbo e entusiasmo, era o horário de antena que eu tinha na TVI. Gostava muito de fazer o programa da tarde, foram quatro anos fantásticos, mas aquilo impedia-me completamente de me afastar do estúdio das onze da manhã às seis da tarde. Não podia faltar – doenças são coisas que não podemos ter -, e não podia combinar nada à hora do almoço. Não podia ter uma dor de dentes e ir à hora de almoço ao dentista, como toda a gente vai, ou ao ginásio, ou, no limite, como chegou a acontecer, na doença do meu pai, poder acompanhá-lo ou ir ter com ele para lhe dar um mimo. Se um filho meu precisasse de mim para alguma coisa à hora de almoço, como várias vezes aconteceu, já sabia que não podia contar comigo. Em cima disto tudo, tinha reuniões das nove da manhã às nove da noite e, a determinada altura, já não havia espaço para mais nada. Portanto, tive que reavaliar muito bem a minha qualidade de vida. Agora tenho o dia todo ocupado, mas à hora de almoço posso sair e ir à farmácia!
– E consegue ter momentos de lazer?
– Lazer, para mim, é poder ter um bocadinho de silêncio, não ter que tomar conta de ninguém, poder ler ou fazer um bom jantar em casa. Não tenho grandes exigências.
– A família não lhe pede mais tempo?
– Claro que pede! Reivindicam, por exemplo, os fins de ano e dias mais serenos perto do Natal, mas isso não creio que vá mudar muito. Agora já podem é almoçar comigo no Dia da Mãe e nos aniversários. Já fui aos anos do meu filho… Não almoçava com ele no dia dos anos há pelo menos quatro anos.
– Agora é colega dele. Cruzam-se nos corredores?
– Ainda não aconteceu. Ele grava nos estúdios em frente da SIC, enquanto eu estou mais na sede. Ainda não almoçámos juntos, mas também não o quero fazer. Coitado, ser visto a dar graxa à diretora? Não, de maneira nenhuma, não quero.
– Tem alguma graça ser diretora do seu filho…
– Ele não acha graça!
– Em relação ao trabalho dele, faz críticas, observações? Gosta de o ver no programa?
– Muito raramente o vejo e não vou dizer se gosto ou não, porque é muito difícil ter uma opinião objetiva e isenta em relação a alguém que esteve dentro de nós. Porque ele diz ‘olá’ e, para mim, será sempre uma declaração extraordinária! Faço críticas de vez em quando, mas vejo pouco o trabalho dele porque, justamente, acho que sou implacável, e ele merece algum espaço. Aliás, eu combinei com o
Nuno [
Santos] que ele nunca me consultará em matéria do meu filho. O Nuno é que decide o que tiver que decidir em relação a ele.
– Gostaria que as suas filhas também estivessem, um dia, envolvidas neste ambiente televisivo?
– Isso é uma grande incógnita, porque elas ainda não se definiram do ponto de vista vocacional. A Matilde já quis ir para Arquitetura, agora fala em Psicologia… A Carolina não sabe muito bem o que quer fazer, mas vejo-a também muito entusiasmada com estas coisas da área da comunicação. No caso do meu filho, saiu-me tudo furado: tentei ao máximo afastá-lo destes universos, e ele, à minha revelia, meteu-se
no
casting para o
Curto-Circuito e ganhou… Portanto, já não digo nada. Desde que tenham conhecimentos, façam a sua formação e se sintam felizes, eu já sou uma mãe contente.
– É uma profissional com créditos firmados, é mulher, dona de casa, mãe de três filhos. Consegue gerir bem estas suas funções?
– Não. Alguém consegue? Vai-se andando. A vítima final dessa má gestão sou eu. Trato pouco de mim, cuido-me pouco. Deveria investir mais, mas não invisto, não tenho tempo.
– Falando ainda da sua imagem, travou uma luta contra o peso…
– Travei e travo!
– É uma luta constante?
– É constante. A partir dos 45 anos, existe uma tendência para não se controlar muito bem o peso. E normalmente é nestas idades que temos os primeiros grandes testes à nossa capacidade de resistência emocional, quando os pais têm doenças e podem necessitar de apoio. Portanto, temos as primeiras perdas e os primeiros sustos, e isso desencadeia uma série de processos que levam uns a emagrecer e outros a engordar. No meu caso, já tinha o peso controlado há três anos, perdi 11 quilos muito bem, mas o ano passado o meu pai adoeceu, depois morreu… Acho que fiz o luto do meu pai à mesa (será que fiz? Acho que ainda nem fiz!). Grande parte da nossa capacidade de resistir àquele momento de perda foi, por exemplo, eu cozinhar furiosamente e ter a família toda à minha volta à mesa para, quase em conjunto, o homenagearmos, porque ele gostava disso, de ter toda a gente à sua volta e de dizermos disparates juntos. Portanto, não é uma justificação mas foi, de facto, uma coisa que desencadeou outra vez um ganho de peso.
–
Ainda consegue ler cinco livros ao mesmo tempo?
– Sempre. Não adormeço sem ler, não adormeço sem meter o nariz noutra história qualquer que não é minha.
– De que géneros literários?
– De tudo, do melhor ao pior. Sou completamente compulsiva.
– O seu segundo livro vai ser publicado em breve?
– Este ano, sem falta.
– Vai ser outro romance?
– Sim, baseado numa história real muito gira.
– Que se passou consigo?
– Não! Não tem graça nenhuma escrever a minha história…
–
Porque se considera desinteressante?
– Completamente! Sou a pessoa mais normal do mundo. Só são interessantes as pessoas que vivem na anormalidade e na amplitude das coisas, ou seja, ou muito mal ou muito bem…
– É curioso que escreva romances, quando diz que em sua casa o seu marido é que é o romântico…
– Pois é. Não sou nada romântica.
– Ele continua a surpreendê-la ao fim de 26 anos de vida em comum?
– Muito. É um querido, às vezes também é um chato, como convém, mas é sobretudo um homem muito atento a tudo, aos detalhes. Isso é fantástico e maravilhoso. Também mereço, não é?
– Acha que um dia ainda vai dedicar-se a um sonho que adiou, fazer arqueologia?
– Sim, seguramente. Não tenho a menor dúvida, tenha eu genica e saúde. Mal tenha uma vida menos ocupada, vou para a escola tirar uma licenciatura em História ou História de Arte, eventualmente virada para a Arqueologia.
–
Apresentou alguns programas mais interventivos, nomeadamente
Noite da Má Língua,
Noites Marcianas,
Praça Pública e
Os Filhos da Nação. Sente falta desse registo?
– Confesso que sinto. Enquanto comunicadora e, sobretudo, como criadora, faz-me alguma falta ter esse tipo de registo. Gosto muito da ironia, do humor fininho, que não é imediato, mas que faz doer. Gosto muito da crítica e, portanto, tenho algumas saudades disso. Essa é uma das razões pelas quais vim para a SIC, já que tem mais espaço para fazer esse tipo de propostas. E se não as puder executar enquanto protagonista, terei pelo menos uma participação como coautora e conceptualizadora.
– Nos programas que apresenta costuma ser moderadora. Em sua casa também é a moderadora das grandes discussões?
– Em grande parte sim. Como sou muito afirmativa e assertiva na maneira como me expresso, as pessoas acham que sou autoritária, inflexível e definitiva. Mas eu sou justamente o contrário. Sou até bastante conciliadora e só vou para o conflito quando não tenho outra alternativa. Portanto, entre quatro filhos – contando com a minha enteada -, acabo por ser a moderadora, aquela que vai distribuindo o jogo. E gosto muito desse papel, acho que o faço bem. Acho que sou boa
pivot em casa!
–
Falando do ordenado milionário que tantos títulos já originou…
– Eu gosto de dar alegrias às pessoas, mesmo que não sejam verdade…
– Sempre negou ganhar os 50 mil euros de que se falava…
– Acho uma ideia bonita, uma fantasia simpática, mas isso é porque não conhecem a indústria audiovisual portuguesa. É absolutamente incomportável uma empresa pagar isso a alguém. Também acho muito deselegante falar sobre o ordenado das pessoas, mas enfim, imagino que haja curiosidade. Eu costumo dizer que sei negociar o meu valor. Sempre tive a grande vantagem de ter um posicionamento muito claro acerca daquilo que são as minhas condições de remuneração e, portanto, as coisas nunca me correram mal, mas nunca foram esses valores. Aliás, eu não vim para a SIC por uma questão de remuneração, porque graças a Deus a TVI também me tinha em muito boa conta do ponto de vista da remuneração.
– Quer dizer que não ganha nem perto dos 50 mil euros?
– Não.
– Investe o excesso de liquidez?
– Eu não tenho excesso de liquidez [risos]. Sou uma pessoa perfeitamente normal, com uma família grande, com filhos que ainda estão a estudar, portanto, que têm as suas despesas. Serei uma pessoa com uma remuneração simpática, acima da média, e posso dizer que vivo bem, com qualidade, mas sem excentricidades. Não tenho motorista nem mordomo, não tenho nenhuma bizarrice na minha vida. Vivo bem e estou a amealhar para a reforma. Tenho alguns gostos que, se calhar, me distinguem das outras pessoas: há quem goste de ir de férias para as Maldivas, eu não acho muita graça. Prefiro ficar em Portugal e comprar quadros e esculturas. Tenho muita roupa, sim, mas na minha profissão isso faz parte. Tenho muitos sapatos, é verdade, mas muito menos do que os que se diz. Sou normal e assim quero continuar a ser.
*Este texto foi escrito nos termos do novo acordo ortográfico.