Chama-se
Pedro Manuel Guedes de Passos Canavarro, é trineto do político e parlamentar
Passos Manuel e vive em Santarém numa casa outrora habitada por
D. Afonso Henriques, mas que, desde 1841, se mantém na família. Divorciado, com três filhos e dez netos, é licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa e diplomado em Museologia e Conservação de Museus no Museu Nacional de Arte Antiga, onde veio a ser docente.
Foi leitor de Português no Japão, nas universidades de Tóquio, Keio, Sophia e Línguas Estrangeiras e, na Faculdade de Letras de Lisboa, ensinou História de Arte, Arte Portuguesa e Ultramarina, Civilização Grega, Urbanismo e Cultura Portuguesa. Não haveria espaço para inventariar tudo o que fez na vida, desde Comissário-Geral da XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura até membro da Assembleia Municipal e vereador da Câmara Municipal de Santarém, passando por militante, secretário-geral e deputado do PRD (Partido Renovador Democrático) e candidato independente às Eleições Europeias, em Itália.
É ainda autor publicado de preciosos contributos nas áreas de História, Arte, Cultura e Política, e foi distinguido com importantes condecorações: Medalha Pró-Mérito do Conselho da Europa, Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e Grã Cruz do Mérito do Descobridor do Brasil Pedro Álvares Cabral, além da Ordem do Sol Nascente com Raios de Ouro pelo Imperador do Japão.
Com tudo isto, podia permitir-se a alguma jactância, mas cultiva a atitude contrária: amável, acolhedor e excelente conversador, terminou a sessão de fotos a jantar com os elementos da nossa equipa num restaurante ao lado de casa, frente às Portas do Sol, e as horas passaram sem ninguém olhar para o relógio. No dia 14 de Maio, presta um novo serviço a Portugal e a Santarém: inaugura a Casa-Museu da Fundação Passos Canavarro, que preside, tendo em permanência duas exposições particulares cujo teor revelará aqui.
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– Esta casa, situada numa alcáçova conquistada por D. Afonso Henriques, começa por ser residência real. Que voltas dá até chegar às mãos da sua família?
– Depois de nela habitar Afonso Henriques, a casa varia de proprietários até ter sido comprada por Passos Manuel e sua mulher a 1 de Maio de 1841.
– Fale-nos um pouco dela…
– A casa actual não tem uma arquitectura particular, já que foi construída sobre sucessivas ruínas. Tem porém um encanto especial pela sua localização no Morro da Alcáçova, desenvolvendo-se em rés-do-chão à volta de um jardim claustral, dando as traseiras para o jardim das Portas do Sol e abrindo-se a N/E num terraço que olha de frente o Tejo e a lezíria ribatejana.
– Quer confiar-nos mais algum dado interessante sobre a casa? Algo secreto que os turistas não conheçam?
– O mistério poderá estar naquilo que as escavações arqueológicas trouxerem alguma vez à luz do dia. Por enquanto, gosto de passear sobre o mistério!
– Sobre o seu trisavô Passos Manuel, que fundou esta casa histórica: que ideia pessoal tem dele?
– Passos Manuel foi um político de pensamento muito avançado para o seu tempo, preocupando-se prioritariamente com a educação e a participação cívica. As suas ideias são transversais do séc. XIX até hoje.
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– Ainda dorme no quarto em que nasceu, o que é raríssimo. Que sentimento experimenta quando pensa nisso?
– É um sentimento forte de identidade com o espaço e o tempo, os quais sempre procurei casar, não só com o quarto mas com a própria casa. Mais do que dormir, o privilégio é nele descansar!
– Foi também o quarto onde Almeida Garrett pernoitou, a convite do seu trisavô, e começou a escrever
Viagens na Minha Terra. Que escreveu ele sobre esta casa, no livro?
– Garrett descreve a chegada a este jardim e a esta casa, as conversas sobre Santarém à volta da mesa, o acordar ao repicar dos sinos da igreja da Alcáçova e o espanto quando abre a janela deparando-se com a indescritível paisagem.
– Quando se entra pasma-se logo com duas coisas: pintura magnífica e manuscritos raros e antiquíssimos. Com é possível não ter havido alienação de património ao fim de tantos anos, tratando-se de coisas tão valiosas?
– Desde Passos Manuel que não houve partilhas familiares até à geração dos meus pais e tios. A partir daí lutei, como historiador, para que os objectos mais significativos ficassem na minha posse para um dia dar a esta casa o conteúdo histórico-artístico que se impunha.
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– Antes ainda de falar na Fundação: quer partilhar connosco dois ou três desses documentos raros?
– Documentos familiares assinados pelos reis de Portugal e seus ministros tais como o Marquês de Pombal, desde
D. João V a
D. Luís, assim como mapas do séc. XVI que instruíam os nossos navegadores a viajarem na Arábia e no Mar Roxo.
– Sobre a inauguração ao público da Fundação Casa-Museu Passos Canavarro, já a 14 de Maio. Observam-se aqui obras de vulto: teve apoios?
– Candidatei-me a alguns programas europeus mas acabei por não ser aceite por razões só compreensíveis no âmbito da nossa tipicidade de ser e estar. [risos]
– Se bem percebi, serão inaugurados dois museus, situados em zonas distintas da casa: um, de pintura, outro, de arte japonesa. Que expõe o de pintura?
– Há uma área museológica dedicada ao espólio da pintora francesa
Mimi Fogt doado à Fundação: óleos, aguarelas, desenhos e tapeçaria. Uma amizade de 30 anos levou-a a entregar-me "os seus filhos" – já que os queria reunidos sob a luminosidade com que Portugal a conquistou. A outra área comporta as xilogravuras de
Pedro de Sousa que foram oferta da sua mulher e filho após meses de investigação, nesta casa, no arquivo de Passos Manuel, fundamental para as publicações da Prof.
Magda Pinheiro. Estas xilogravuras são uma proposta de inexcedível modernidade alcançada por um jovem artista que desapareceu na força da sua existência.
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– Que expõe o museu do Japão?
– Mobiliário, bules de ferro, pintura, máscaras do Teatro Nô, são exemplos que reflectem a cultura nipónica, por mim intensamente vivida nos anos 60, quando fui o 1.º leitor de Português em Tóquio.
– Vai estar aberta ao público? A que horários? Será o Pedro em pessoa quem receberá os visitantes ou tem quem os guie e instrua?
– Sim. Diariamente, às 11 e 15 horas, excepto à segunda-feira. E, sempre que puder, terei o prazer de as guiar.
– Entre mil coisas, foi Comissário-Geral para a XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura. Tem saudades dessa adrenalina empreendedora?
– As maiores! Pelo espírito de equipa, por ter sido a 1.ª exposição do Conselho da Europa que ultrapassou as fronteiras europeias e estimulou outros grandes projectos culturais em Portugal.
– Foi fundador e deputado do PRD (Partido Renovador Democrático). Quer contar-nos essa aventura?
– A aventura política mais do que ser contada, vive-se! Num partido inovador que nasceu da democracia, ser militante, secretário-geral, eurodeputado e presidente trouxe tais cargas experimentais que me envolveram para sempre com a bandeira com que fiz política.
– E agora? Afastou-se da política ou continua a não lhe resistir?
– Sou cidadão independente que não deixa de participar tanto quanto possível. Fundei em 1996 uma Casa da Europa para incentivar o sentido crítico dos cidadãos na construção europeia e fui 2 vezes mandatário de altas figuras políticas actuais.
– Também foi autarca, aqui mesmo, em Santarém. Como o vêem as gentes daqui? Com simpatia ou reserva?
– As gentes de Santarém sabem que podem contar comigo, daí preservarem-me tanto quanto baste! [risos]
– Para terminar: onde estava no 25 de Abril? [risos]
– Era assistente na Faculdade de Letras de Lisboa e, a partir dessa data, responsável, com outros colegas, da gestão democrática daquela casa até serem aprovados os novos estatutos.
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico