Aprendeu o cante
alentejano enquanto andava pendurado nas saias da avó, figura muitas vezes
elogiada na conversa de fim de tarde que mantivemos com António Zambujo,
de 36 anos, um homem do Alentejo que já não sabe viver sem o olhar em Lisboa.
Criança feliz, com uma propensão invulgar para a música, o fadista agradece
hoje aos pais terem seguido as palavras de um professor de clarinete que
aconselhou a que o matriculassem no Conservatório de Beja aos oito anos. Depois
do clarinete, instrumento que permanece nas músicas que compõe, ligou-se à
viola e à composição. Trocou Beja, onde nasceu, por Lisboa, e na capital cantou
em casas de fado de renome. Pelo meio, foi-se apaixonando pela vida e pelas
mulheres, duas das quais que lhe deram filhos, Diogo, de 13 anos, e João,
de quase dois.
António chegou agora à marca dos cinco trabalhos discográficos e, por isso
mesmo, o CD que lançou em abril intitula-se, simplesmente, Quinto. Em
setembro, este álbum, que junta, uma vez mais, as suas cinco grandes
influências – a música brasileira, a música africana, o jazz, os
cantares alentejanos e o fado –, terá divulgação mundial, levando o cantor de
novo a uma digressão internacional.
– Diz que trabalha com a mesma equipa de autores há cinco anos, porque eles
conhecem as temáticas de que gosta. Quais são elas?
António Zambujo – Na verdade, gosto de cantar o meu presente, histórias
de amor inusitadas, o quotidiano. Poderia cantar os grandes poetas do passado,
que temos muitos e bons, mas se tenho estes que conheço bem, e que me conhecem,
por que não cantá-los a eles?
– Como foi a sua infância em Beja?
– Eu tive quase duas infâncias paralelas. Aquela infância normal e feliz dos
miúdos que brincam na rua e depois a outra, que era a da paixão pela música.
Entenda-se: a música tradicional da minha região. Ouvia os homens a cantar na
taberna, que era mesmo em frente à casa da minha avó, e andava pendurado nas
saias dela a pedir-lhe para me ensinar as canções. Ela, que tinha, e tem, um
conhecimento muito grande do cancioneiro tradicional, ensinava-me as letras e
eu ia para a taberna cantar com os homens. Eles achavam piada e punham-me em
cima do balcão a cantar. Portanto, tive essas duas infâncias que tentava, e
conseguia, conciliar, porque eram duas coisas que gostava muito de fazer.
– Não me engano muito se disser que é tímido?
– Sou, muito tímido. Foi graças à minha timidez que comecei a tocar viola. Não
me imaginava como um daqueles cantores que ficam à frente e com os músicos
atrás. Sempre preferi estar ao lado deles, até por uma questão de cumplicidade,
e a viola funcionou para isso. E protege-me. Mas apesar de ser tímido, também
sou irreverente e sempre gostei de confrontar e mostrar visões diferentes duma
mesma coisa. Talvez por isto, procurei uma abordagem musical nova.
– Quando começou a cantar, sabia exatamente qual o trilho que queria fazer?
– Sou demasiado irresponsável para fazer planos para o futuro. Sabia que era
isto que queria fazer e sabia do que gostava, mas também tive sempre muita
sorte, a vida aconteceu-me de forma natural. Desfruto do dia-a-dia, a
única coisa que imagino para o futuro é tentar ser cada vez melhor.
– Cinco discos depois, encara a vida da mesma maneira?
– A vida muda muito e nós mudamos muito com a vida. Ela transforma-nos. A visão
das coisas nunca poderia ser a mesma. Mas tento ser o mais coerente possível.
– Consegue ser um pai presente?
– Não, não consigo. Tento cumprir quando posso. Nos últimos três anos estivemos
mais tempo fora do que cá em Portugal e a nossa família acaba por ser quem anda
connosco na estrada. Tento desfrutar do tempo que tenho com eles. O mais velho
vive em Beja e o mais novo vive em Lisboa.
– Em que tipo de amor é que acredita?
– Sou mais de paixões e menos de amores. Apaixono-me muito facilmente, o que
nem sempre é bom, porque criamos uma instabilidade emocional que é difícil de
controlar. As pessoas como eu andam sempre a apaixonar-se, aqui e ali à procura
do verdadeiro amor, mas depois descobrem que afinal aquele não é o verdadeiro
amor e partem para outra.
– No tema Fortuna ouve-se “Não tenho nada em meu nome, somente o
fado que faço, meu coração não tem fome, mora num pequeno espaço, vivo da vida
que passa, de amores que vão e vêm…” É autobiográfico?
– É, completamente. O Márcio Faraco escreveu-a a pensar em mim. Não
tenho nada em meu nome, somente o fado que faço. Acaba por ser um pouco a vida
de toda a gente.
António Zambujo assume ser mais dado às paixões que aos amores
O fadista, de 36 anos, nasceu e cresceu em Beja, mas mudou-se para Lisboa quando entrou no musical “Amália”, de Filipe La Féria. Hoje mora no Chiado e diz que já não saberia viver noutro lado.
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