Marta Gautier publicou hoje na sua página de Facebook um texto de homenagem à sua prima, Margarida Gautier, que morreu ontem.
“Atiravas o cabelo para trás, dizias ‘agora não’, ‘isso nunca’, ‘achas??’, ‘ é ESPETACULAR’, dizias loucuras, coisas que ninguém diz, fazias rir com isso, rias, dizias tudo o que te vinha à cabeça, daquelas que eu critico, as que ‘dizem tudo na cara’, arranjavas confusão, discussões, brigas, tinhas medo, gritavas, gozavas, torcias-me os dedos pra trás quando eles ainda eram pequenos, dançavas, dançavas mesmo quando te achavas gorda. Adoravas fazer amor, contavas isso aos 4 ventos junto com todos os pormenores, ‘foi espetacular quando ele fez assim’, dizias ‘não gosto de crianças. Irritam-me.’, e alguns olhos em volta brilhavam pois nunca o confessariam e tu tinha-lo feito por eles. Eras os 2 lados, o bom e o mau na sua forma virgem. Eras o que todos somos, mas de forma crua, verde, ‘estou aqui e sou assim.’ Tão inteira que até assustava. Ninguém pode ser tão inteiro, tentávamos avisar-te. Mas foste. Foste feliz como um pássaro e infeliz como um cão pode ser. E hoje decidiste, inteira, que já chegava. E lá foste tu, desvairada, ‘pauuuu’, decidida, de top, para o céu ou lá o que é, dizeres o que tens a dizer e acabou-se!
Minha prima Margarida, do lado de pai e de mãe, como irmãs, que brigam, se descabelam, mas se sentem uma à outra a toda a hora. Já lavámos, ambas, o chão imundo da casa uma da outra em fases más. As retretes, as panelas secas de dias e dias. Chegávamos lá e ‘toca a levantar minha menina, nada de dramas.’ Esfregámos a casa uma da outra. Haverá coisa mais bonita? Foste ver-me no outro dia, quando eu falava a sério. No fim, esperaste-me e num tom pausado, pouco teu, disseste ‘ah… toda a gente sofre…’ E eu que pensei que soubesses… Linda, doida. Levas penas do meu coração. Ofereço-tas para as coçares no nariz de alguém que lá encontres, e rires com o cabelo atirado para atrás. Tu deixas-me, a partir de hoje, a convicção ainda mais convicta de que tenho de ser o que sou. “Atiravas o cabelo para trás, dizias ‘agora não’, ‘isso nunca’, ‘achas??’, ‘ é ESPETACULAR’, dizias loucuras, coisas que ninguém diz, fazias rir com isso, rias, dizias tudo o que te vinha à cabeça, daquelas que eu critico, as que ‘dizem tudo na cara’, arranjavas confusão, discussões, brigas, tinhas medo, gritavas, gozavas, torcias-me os dedos pra trás quando eles ainda eram pequenos, dançavas, dançavas mesmo quando te achavas gorda. Adoravas fazer amor, contavas isso aos 4 ventos junto com todos os pormenores, ‘foi espetacular quando ele fez assim’, dizias ‘não gosto de crianças. Irritam-me.’, e alguns olhos em volta brilhavam pois nunca o confessariam e tu tinha-lo feito por eles. Eras os 2 lados, o bom e o mau na sua forma virgem. Eras o que todos somos, mas de forma crua, verde, ‘estou aqui e sou assim.’ Tão inteira que até assustava. Ninguém pode ser tão inteiro, tentávamos avisar-te. Mas foste. Foste feliz como um pássaro e infeliz como um cão pode ser. E hoje decidiste, inteira, que já chegava. E lá foste tu, desvairada, ‘pauuuu’, decidida, de top, para o céu ou lá o que é, dizeres o que tens a dizer e acabou-se!
Dou agora, neste momento, voltas e voltas na cama. Serei capaz de conciliar o sono? Quererei conciliá-lo? Tenho mesmo de o conciliar? Talvez comece por aqui. Por parar de querer que tudo seja como deveria ser.
Por mim, decidi, deixo-te ir. Com a maior serenidade que conseguir. Com balões atrás de ti. Brancos, azuis, verdes, para ires rebentando até lá. Ou talvez os fotografes. Ou talvez mos atires à cara.”