Natural de Vieiro, no concelho transmontano de Vila Flor, Maria da Graça Pinto de Almeida Morais, de 67 anos, passou por Moçambique com a família antes de se mudar para o Porto, onde estudou Pintura na reputada Escola de Belas Artes. Chagall e Van Gogh foram as suas primeiras influências, e a estes seguiram-se Rembrandt e Francis Bacon, que descobriu em Paris. Em 1974, fez a sua primeira exposição individual, em Guimarães. Nesse mesmo ano, nasceu a sua filha, Joana, do seu primeiro casamento, com o pintor Jaime Silva.
Autora de um documentário sobre a mãe, “Na Cabeça de uma Mulher Está a História de uma Aldeia”, Joana ajuda a artista a lidar melhor com o mundo atual: “Ela trabalha comigo, porque sou uma analfabeta no mundo digital, e hoje não se vive sem isso. Funcionamos bem juntas, embora não seja fácil, porque como mãe, dou ordens, e ela não reage bem. Temos uma relação muito boa, moramos na mesma rua em Lisboa, é um privilegio”, confidenciou Graça Morais à CARAS, numa conversa que decorreu no centro de arte que Bragança batizou com o seu nome, e em que nos falou das suas raízes, do seu percurso, nem sempre fácil, e do seu casamento de 24 anos com o músico e compositor Pedro Caldeira Cabral.
– Até 28 de junho estará patente no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais uma retrospetiva da sua obra, intitulada Ritos e Mitos. Que balanço faz dos seus 40 anos de carreira?
Graça Morais – Foram quatro décadas de grandes encontros, descobertas, surpresas e de muitas realizações. No início foi difícil, quando fiz o curso de Belas Artes eram poucas as mulheres a pintar. Sou da geração em que as mulheres tinham de lutar para serem notadas e respeitadas. Mas quando cheguei de Paris, e fui viver para Lisboa, nos anos 80, o meu trabalho foi muito bem aceite. Os nossos maiores escritores visitavam as minhas exposições e escreviam textos maravilhosos sobre a minha pintura. A partir de certa altura, fui muito bem acolhida no meio artístico. No entanto, ter boas críticas não quer dizer que podemos baixar os braços, porque ter o respeito dos pares é um trabalho árduo. Além disso, tenho uma grande inquietação e insatisfação dentro de mim e isso obriga-me a trabalhar e a estar sempre à procura. Quando pinto sou muito verdadeira e sincera comigo, porque não me posso enganar. E há uma relação de grande autenticidade que passa para os outros.
– Li que é uma das maiores colecionadoras da sua obra. Tem dificuldade em se desfazer dos seus quadros?
– Tenho dificuldade em me separar de algumas obras porque são conquistas tão importantes que gosto de as guardar como se fossem marcos. Mas também fico contente quando vendo os meus quadros, porque esse é o meio de sustento. Preciso da pintura também para viver, não só sob o ponto de vista espiritual, mas também material. Quando os bons colecionadores e as coleções públicas adquirem as minhas obras, fico muito contente. Só fico triste é quando nunca mais as vejo.
– É uma pessoa bastante reservada. É através da pintura que melhor comunica com o mundo?
– A minha pintura resulta da minha história. Nasci numa aldeia isolada, da qual guardo muitas recordações na memória, mas também da história da pintura, da humanidade e do quotidiano. A minha pintura é a grande luta contra a morte, as injustiças, contra a barbárie e a indiferença. Através da arte, da inteligência e da solidariedade podemos equilibrar o mundo, em oposição a tudo o que de negativo acontece. A arte dá-nos essa dimensão.
– Há 40 anos que retrata a força das mulheres, as protagonistas da sua pintura…
– O meu olhar é de grande respeito e admiração pelas mulheres e pelo mundo das mulheres. As mulheres que conheci na minha infância, e com quem continuo a conviver, tiveram vidas muito duras, mas mantêm-se íntegras e cheias de valores. São verdadeiras matriarcas, pessoas sábias, com muitos conhecimentos e agarradas à terra.
– Perdeu há um ano uma referência na sua vida, a sua mãe…
– A minha mãe faz-me muita falta, tenho um buraco na minha vida… tem sido muito difícil. Então quando estou cá em cima, é terrível. A minha aldeia perdeu uma matriarca, assim como a nossa família. Nós somos seis irmãos, eu sou a segunda mais velha, e a minha mãe sempre nos manteve muito unidos. Sou herdeira de uma cultura e de uma matriarca muito inteligente e sensível.
– Como é partilhar a vida com outro artista?
– Ter o Pedro na minha vida é uma sorte, uma bênção. Ele é um homem de grande qualidade, como pessoa e como artista. É sério e culto. Antes de vivermos juntos já nos admirávamos profissionalmente, acho que foi a nossa obra que nos aproximou. Respeitamos muito o espaço um do outro, ambos precisamos de tempo isolados para criar. Em casa, tenho a sorte de o ouvir às vezes a ensaiar. Ele ajuda-me, entende-me, é o meu grande interlocutor. Tenho aprendido muito com o Pedro.
– Recebeu muitos prémios, mas ter um centro de arte com o seu nome, na sua região natal, é especial?
– Sem dúvida! Esta obra do Souto Moura é lindíssima, a equipa que aqui trabalha é excelente e eu colaboro em tudo o que posso. No andar de cima estão as minhas obras, que mudo três vezes por ano, e em baixo há artistas convidados. Este centro representa muito na minha vida, porque é aqui que os portugueses, mas também os estrangeiros, podem ficar a conhecer a minha obra. E é uma forma de eu agradecer a esta comunidade aquilo que desde criança me foi oferecido.
Graça Morais: “A minha pintura resulta da minha história”
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JOAQUIM NORTE DE SOUSA
JOAQUIM NORTE DE SOUSA
Na semana em que é homenageada em Bragança, a pintora faz o balanço de 40 anos de carreira, no centro de arte com o seu nome.