Sofia Vala Rocha nasce no Canadá em 1972 e vem para Portugal com quatro anos de idade. Estuda em Peniche e licencia-se em Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, com 14 valores. Além de jurista na cadeia Intermarché, foi chefe de divisão na Secretaria Regional de Educação da Madeira, assessora da vereação da Câmara Municipal de Lisboa, adjunta do Secretário de Estado da Cultura e consultora jurídica do PSD, na Assembleia Municipal de Lisboa. Namora com Luís Pais Antunes, advogado, presidente do conselho de administração da sociedade PLMJ – Sociedade de Advogados RL. Tem um filho de 12 anos, Vasco, de um anterior casamento. Os leitores decerto a reconhecem pela recente participação no programa Barca do Inferno, ao lado de Manuela Moura Guedes, Isabel Moreira e Raquel Varela. A serenidade com que reage às invectivas das colegas de painel e a lucidez com que responde, sem nunca perder o sorriso e a acutilância, trazem-lhe protagonismo e reconhecimento públicos. Conversámos com ela no Hotel Altis Belém, e toda a equipa se rendeu à alegria, espontaneidade e boa disposição com que falou sobre si, Portugal e a política.
– Procurou a política ou tropeçou nela?
– Achei que tinha passado a vida a fugir da política. Nunca estive numa juventude partidária. Quando fui tirar Direito, não fui para uma associação de estudantes. Preocupei-me em tirar um bom curso com uma boa nota. A partir de certa altura, foram as pessoas que já estavam na política – que repararam em mim e nas minhas opiniões – que me escolheram e foram buscar. Não escolhi, fui escolhida. Mas, olhando para trás, fui sempre muito justiceira, reivindicativa, tinha ideias muito convictas, defendia-as bem. Em 2008, achei que se tinha todas aquelas opiniões e ideias mais valia “sair do armário”, assumir-me. Tornei-me militante partidária aos 36 anos.
– Os políticos desiludem sistematicamente o eleitorado. Que erros jamais cometeria?
– Discordo. Há políticos que não desiludem sistematicamente os eleitores. Há bons e há maus. É muito mau fazer-se promessas que não são para cumprir; gastar o dinheiro dos contribuintes como se fosse um poço sem fundo; ser-se corrupto; tomar decisões para o país, para uma cidade, para uma freguesia, a troco de dinheiro no próprio bolso. Não faço promessas, o dinheiro dos contribuintes é sagrado e é para ser gerido com mão de ferro. Não tenho preço nem estou à venda.
– O poder corrompe. Os políticos que se mostram demasiado escrupulosos são sabotados, não vingam, são areia na engrenagem. Churchill (ou Cesare Pavese?) escreveu “a política é a arte do possível”. Nem estou a falar de desfalques ou favorecimentos, mas quando se trata de desobstruir para avançar, já vi todos cederem. Considera-se imune?
– Na pergunta estão englobadas duas coisas completamente distintas: uma é a corrupção; a outra, muito diferente, são os limites da governação. A corrupção é decidir, é governar, a troco de favores e de dinheiro. Os limites da governação resultam de vivermos numa sociedade democrática e complexa, onde há muitos direitos legal e constitucionalmente protegidos.
– Partindo do princípio de que há paradigmas, que homens e mulheres têm formas de estar na vida suficientemente diferentes, que pode a sensibilidade feminina acrescentar à política?
– Não há sensibilidade feminina na política, como não há na tropa. As mulheres não têm a obrigação de ir para a política fazer dela um sítio mais bonito ou mais doce. Os homens e as mulheres são muito diferentes, mas têm exactamente o mesmo direito de ter participação política e de desempenhar cargos públicos. As mulheres devem ir para a política como vão os homens: como pessoas que querem o melhor, mais justiça e prosperidade, para todos.
– Tem graça. Quando falei em sensibilidade feminina estava longe de pensar em beleza e em doçura. É essa a ideia que tem de si mesma ou das mulheres? Está a fazer política nesta entrevista, Sofia?
– Há pessoas que defendem que as mulheres são mais focadas, pragmáticas, sensíveis, emotivas, generosas, são mães, doces, bonitas, e que por isso levam essas características, ditas femininas, para a política. Penso que a questão não é essa. Pôr a questão assim é machista. As mulheres não devem ser obrigadas a fazer prova de que têm características femininas. Nunca pode ser um requisito à partida. Estamos sempre a cair nesse estereótipo. As mulheres devem estar na política porque são tão boas quanto os homens, são metade da população. Têm o direito de lá estar.
– Bom, o direito é óbvio. Mas sempre lhe digo que o estereótipo agora é muito mais o “não há sexos, há pessoas”, o tentar a todo o custo esbater as diferenças entre géneros. Adiante: foi indicada para ser candidata a deputada e recusou. Porquê?
– Fui indicada para ser candidata a deputada, mas sem possibilidade de ser eleita. Não quis pertencer a uma lista da qual discordava. Achei que tinha sido mal feita, quer para o país quer para Lisboa. Mas eu não sou ninguém, não se vai reparar que eu não estou lá [risos]. A coligação vai ganhar na mesma as eleições no dia 4 de outubro!
– É mãe de um filho de 12 anos. Observando Portugal de mão estendida e tantos jovens a emigrarem, que mais receia por ele?
– A minha mãe emigrou em 1966, com os pais e irmãs. Tinha 16 anos. Portanto, sou filha e neta de emigrantes. Somos um país de emigrantes. Medo? Não tenho medo de nada. Tenho confiança no futuro. Os meus pais e o meu país deram-me um curso superior. Vou fazer o mesmo ao meu filho. A educação é sempre a melhor resposta. E fazer dele um homem de trabalho. Um homem decente.
– Muito bem, pretexto para passarmos à Educação. Coimbra foi, no passado, um centro académico de excelência e prestígio. Considera que os novos horizontes tecnológicos tendem a descaracterizar, pouco a pouco, a sua matriz?
– A universidade de Coimbra é muito estável, é quase tão antiga quanto Portugal. Tem 800 anos. A matriz da universidade é o conhecimento, o conhecimento é evolução. A universidade vai ser o que os tempos lhe pedirem que seja.
– O conhecimento é evolução, mas a evolução nem sempre se confirma no tempo. A propósito de tempo: em noites de tempestade, enjoou na Barca?
– Nunca. Não sou de enjoos, nem de amuos. Na Barca do Inferno já estavam três pessoas com muita experiência política e mediática. Foi-me dada a oportunidade de me bater com elas em directo todas as semanas. Apaixonei-me pela TV, não pelas parceiras de debate… Preparava-me bem, lia e estudava. Um amigo disse-me que a Barca era o meu serviço militar obrigatório… É capaz de ter razão [risos]. Foi uma grande ideia da RTP. Estou grata por terem apostado em mim.
– O que gostou e não gostou na exposição pública?
– A Barca do Inferno foi um grande sucesso. Gostei da exposição. Não tenho nada a apontar. As pessoas vinham ter comigo na rua para me cumprimentar. Nunca ninguém veio ter comigo para dizer mal. Um político nunca se deve queixar da exposição pública. Trabalha para o público, para as pessoas. Não há política sem TV, nem TV sem política. São amantes inseparáveis.
– Talvez não se deva queixar, mas são raros os que lhe sobrevivem saudavelmente. Outro tema: se lhe dessem hoje o poder, por onde começaria?
– Vou dar uma resposta demasiado simples para dois problemas muito complicados: erradicar a corrupção e conseguir salários iguais para mulheres e homens.
– Diga três entre as suas melhores qualidades.
– Trabalhadora, lutadora, boa mãe.
– Diga três entre os seus piores defeitos.
– Disparo primeiro, pergunto depois. Não gosto de admitir que errei. Nem de dar o braço a torcer. Não costumo dar uma segunda oportunidade.
– E o amor, Sofia?
– Amor é generosidade. Só posso amar quem tenha o tempo e a paciência para me dizer que não posso disparar primeiro e perguntar depois. Que tenho de admitir que errei, de ser mais humilde, de ser mais justa e ouvir mais os outros.
Sofia Vala Rocha: “Medo? Não tenho medo de nada”
Rita Ferro conversa com a jurista e militante política Sofia Vala Rocha.
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