É com um à-vontade e uma lucidez quase desconcertantes que Margarida Pinto Correia fala dos oito anos em que lidou com o processo de demência da mãe, Maria Adelaide, que morreu em agosto de 2015. Querendo combater o estigma e a falta de informação que ainda existe à volta desta realidade, a diretora de Inovação Social da Fundação EDP aceitou de imediato dar a cara pela campanha solidária Amigos na Saúde e na Demência, uma parceria entre a Sonae Sierra e a Associação Alzheimer Portugal que tem como objetivo esclarecer e sensibilizar os portugueses.
Durante a sessão fotográfica para esta campanha, que arranca dentro de dias em vários centros comerciais, a antiga radialista contou como encarou a doença da mãe, um testemunho que partilha para que o Alzheimer não caia no esquecimento.
– O Alzheimer fez parte da sua vida durante oito anos. Como é que lidava no dia a dia com a demência da sua mãe?
Margarida Pinto Correia – Decidi que iria viver o carpe diem. Quis aproveitar tudo. Ia por onde ela ia. Se a minha mãe queria dançar no meio da rua, dançava com ela. Se ela queria cantar, eu também cantava. Tivemos algumas situações hilariantes, que hoje recordo como os momentos bons que passámos juntas. E isso é muito melhor do que ter ficado a carpir ao seu lado enquanto definhava. Ver o nosso ente querido a definhar é sempre doloroso, mas não tem de ser terrível. As pessoas sempre se espantaram com o à-vontade com que falo sobre isto. A atitude mais recorrente é ficar fechado na própria concha e sentir vergonha, medo e culpa pelo que não se dá, por não se ter paciência ou até por se achar que é melhor pôr os entes queridos em centros de acolhimento do que tê-los em casa.
– E nunca teve esses sentimentos?
– O sentimento de culpa é uma das maiores tragédias que os familiares de pessoas com demência vivem. Somos ensinados a cuidar dos nossos, o que implica tê-los em casa e levar tudo às costas. As pessoas ficam subjugadas ao que parece bem e ao que os outros acham. De nada serve à pessoa com demência que entremos numa espiral de tristeza e de angústia que nos deixe sem vida própria. As minhas irmãs e eu sempre nos entendemos em relação ao que era melhor para a minha mãe, o que é raro numa família que está a lidar com a demência.
– Como é que se prepararam enquanto família?
– A minha mãe era médica e numa primeira fase, em que estava ainda muito consciente, tomou por nós a decisão que mais nos iria custar, que era tirá-la de casa e pô-la num centro de acolhimento. Quando a nossa mãe está connosco num sítio público e diz que está aflita para fazer chichi, levanta as saias e vai a um cantinho, ficamos sem saber como reagir. Ou quando estamos num restaurante e vem um queijo de Azeitão para a mesa e ela lhe pega com a mão e dá duas dentadas… E a minha mãe era muito exigente com os comportamentos sociais! Temos de pensar que é a doença a manifestar-se, não é a pessoa. E isso ajuda-nos a aceitar o processo.
Uma entrevista para ler na íntegra na edição 1256 da CARAS.