Aos 31 anos, acabados de completar, descobrimos uma Sara Matos diferente. Olha para trás com facilidade e já aprendeu que as memórias fazem parte da vida e que temos a capacidade de as ir reconstruindo. O início polémico da sua relação com o ator Pedro Teixeira faz parte da sua vida, porém, Sara já construiu uma história que a levou mais longe. Tem uma relação longa e feliz e quer muito ser mãe, apesar de estar consciente de que nunca se deixará definir pela maternidade. Enquanto espera que o sonho se concretize, procura que a sua felicidade se vá completando com outras realizações pessoais. Uma conversa com uma mulher que não tem medo de perguntas e tem sempre a resposta na ponta da língua.
– Terminou há pouco a peça Yerma, no TEC, que acumulou com as gravações da série O Clube, da SIC. Fazer teatro e televisão em simultâneo fá-la mais feliz?
Sara Matos – É, sem dúvida, uma parte muito importante da minha felicidade. Estar a fazer o que mais gosto em dois palcos tão bons como o teatro e a televisão é incrível. Mas preciso de mais para ser feliz, como estar com as pessoas de quem gosto muito, ler, ver séries, passear o meu cão, fazer exercício…
– Tem uma longa relação amorosa com uma figura pública. É difícil amar alguém que também está sujeito a um maior escrutínio público?
– Não diria difícil. Sei o que é que isso implica. É uma questão de hábito e também de relativização.
– Já conseguiu esquecer o início difícil da vossa relação?
– A vida é um processo de vivências, umas mais difíceis, outras menos. Imagino que seja assim para toda a gente. Não faço por esquecer nada em particular, as memórias fazem a história da nossa vida e temos a capacidade de as ir sempre reconstruindo.
– Sempre foi discreta em relação à sua vida pessoal. É uma forma de se proteger?
– São opções. Existem universos nas nossas vidas que são só para nós, que queremos manter num espaço só nosso. Já é tudo tão público, tão exposto, que decidi guardar a minha vida pessoal numa caixinha só para mim e para os meus.
– Uma caixinha onde é feliz?
– Muitas vezes sinto-me feliz. São momentos. Estou grata por já terem sido muitos. Quem é feliz a tempo inteiro? Um olhar atento ao mundo em que vivemos traz-nos incómodos. O importante é todos os dias tentarmos ser felizes e fazermos feliz quem nos rodeia. Estarmos atentos a quem à nossa volta não o está e trazê-lo para cima, mostrar um caminho. Ninguém é feliz sozinho, felizmente precisamos uns dos outros.
– O sonho de ser mãe por vezes não se concretiza no tempo que gostaríamos. São emoções difíceis de gerir?
– Imagino que possam ser. Depende de mulher para mulher e também das possibilidades e prioridades que se estabelecem ao longo da vida. Quando irá acontecer, não sei. Gosto de deixar acontecer e quando for o caso vou ficar muito feliz. Mas procuro que a minha felicidade se vá completando com outras realizações pessoais.
– Ainda há muito a ideia de que ter um filho define uma mulher…
– Sem dúvida. Isso está explícito na literatura, na arte, nos media, na publicidade, no mainstream. Aliás, a personagem Yerma [da peça homónima] gira à volta dessa questão. As mulheres sentem que se lhes exige mais. É cultural e um pouco geográfico. Acho que a maternidade enquanto aquilo que define uma mulher é uma premissa com tendência a esbater-se, ainda que muito lentamente.
– Mostra um estilo de vida muito saudável, com uma alimentação cuidada e a prática regular de exercício físico. Como conquistou esse equilíbrio?
– Pelo resultado imediato e a longo prazo na forma como me sinto. Acho que o nosso corpo tem um potencial enorme, e por isso mesmo deve ser protegido e cuidado. A saúde é uma bênção. Isso, sim, é uma felicidade. Estarmos atentos ao nosso corpo e respeitá-lo.
– Também cuida do seu bem-estar mental. Acha que a saúde mental ainda é muito negligenciada?
– Completamente. Provavelmente por isso é que tantas pessoas recorrem a medicamentos. Penso que a perceção de nos sentirmos bem connosco próprios é meio caminho andado para sermos mais saudáveis e felizes. A saúde é qualquer coisa por inteiro, somos um todo. É muito importante estarmos atentos ao nosso bem-estar físico e emocional. Diria que é indissociável. Para mim é uma coisa natural e penso que cada vez mais para a maioria das pessoas. Do meu ponto de vista, aceitar as nossas fragilidades e procurar apoio é uma boa estratégia para nos sentirmos bem.
– O que é que desequilibra esse seu bem-estar?
– Quando me falta o tempo de que necessito para a regularidade do exercício físico.
– Quando tal acontece, é fácil voltar ao equilíbrio de corpo são em mente sã?
– De certa forma, é. Sei que tenho as ferramentas de que necessito. Volto sempre a elas logo que posso. É tão bom trabalharmos a nossa mente enquanto músculo pensador que é. Tem de ser exercitado, estimulado e isso pode passar por muitas formas, por nos conhecermos melhor, estarmos disponíveis para nos ouvirmos internamente, o que nos deixa sãos para o que esta à nossa volta.
– Subir ao palco ao final do dia para interpretar uma protagonista exigente, depois de passar o dia a gravar uma acompanhante de luxo na série O Clube, é muito desafiante. Como consegue “ser” três mulheres em simultâneo?
– Envolve uma ginástica mental e corporal, porque são universos tão diferentes, tão singulares, que só com muita disciplina é que se consegue arrumar cada um no seu espaço e no meu dia a dia. Dedico muito tempo a construir cada personagem, a perceber o seu universo de tempo, espaço, expressão corporal e formas de estar. Este trabalho intenso de preparação permite-me estar “saudável” em cada uma delas e sobretudo a não as trazer para a minha vida pessoal. É desafiante, mas felizmente tenho conseguido tempo precioso para a construção das personagens e também para a minha vida pessoal.
– Vestir a pele de uma acompanhante de luxo envolveu um trabalho de preparação muito exigente?
– Sem dúvida, até por ser tão distante da minha realidade. Mais do que exigente, diria que é desafiante conhecer este universo feminino tão presente na sociedade e tão vivido à margem do respeito e da inclusão.
– A experiência fê-la pensar nas dificuldades que essas pessoas enfrentam na vida real?
– É impossível não pensar, seria difícil não me sentir incomodada. E não existe só uma realidade, são muitas. Nunca sabemos a história que está por detrás de cada pessoa, da mesma forma que não sabemos como será a continuidade da nossa. Procuro observar e compreender. Depois, é tentar dar o meu melhor. É uma personagem exigente, como a Yerma do poeta García Lorca. Foram ambas muito desafiantes.
– Nesta fase de tanto trabalho, como gere o seu dia?
– Sou muito disciplinada na gestão do tempo. Deito-me cedo e levanto-me muito cedo também. É assim que me sinto bem e consigo distribuir as tarefas ao longo do dia com alguma serenidade. Às vezes não corre tão bem, há sempre imprevistos. Tento não falhar em passear o meu cão, raramente falho sessões de ioga, por exemplo, são coisas que me trazem serenidade e paz. São momentos em que estou sozinha, a pensar no meu dia, a ter tempo para a minha respiração, a trabalhar a minha singularidade.
– Sei que gosta de fazer grandes puzzles. Que peças é que ainda não conseguiu encaixar na sua vida?
– As peças que ainda não surgiram. É difícil antecipá-las. Procuro sempre fazer planos simples e a curto prazo. Aqueles que sei, à partida, que consigo concretizar. As “peças” que aparecerem, boas ou más, é aceitá-las, desfrutá-las e saber viver com elas.
– Sei que também joga xadrez. A quem gostaria de fazer xeque-mate?
– À precariedade. As pessoas necessitam de se sentir protegidas para se readaptarem e reformularem os seus planos de vida.
– O setor da cultura foi dos mais atingidos pela crise pandémica que vivemos. Como analisa a gestão que tem sido feita?
– O setor da cultura é continuamente alvo de desinvestimento, não é de agora. O que é de agora é a agudização dos problemas, que passa por vários setores da sociedade. Penso que a gestão que tem sido feita fica muito aquém das necessidades que o setor tem vindo a reclamar, as pessoas têm de ser ouvidas e têm de se encontrar formas de as coisas não pararem completamente. A cultura é a nossa identificação. O que é que estamos a deixar para as gerações futuras? No fundo, é como noutros setores em que não se investiu de forma mais dimensionada e que em situação de crise expõem as suas tremendas fragilidades.
– Como foi para si atravessar 2020?
– Foi difícil, na medida em que houve necessidade de alterarmos comportamentos familiares e sociais. Foi triste ver o mundo a retroceder, ver as pessoas sofrer. Profissionalmente, surgiram-me propostas interessantes, não me posso queixar.
– Então, não é um ano para esquecer…
– Acho que será um ano importante e vai ficar na História contemporânea do século XXI. Achava importante não esquecer este ano e refletirmos sobre ele, que precisamos muito mais uns dos outros do que achamos, que a nossa rotina pode ser abalada sem nada termos contribuído para isso, não dar nada como garantido e, sobretudo, trabalharmos todos a nossa empatia de forma geral.
– Que palavra marcou o seu ano de 2020?
– Inevitavelmente, pandemia.
– E qual gostaria que marcasse 2021?
– Desconfinamento. Significaria que regressávamos a uma normalidade que nos trouxe saudades. Gostava que a esta palavra se juntasse muitas outras, como empatia, solidariedade, sustentabilidade e prosperidade para o planeta.