Maria João Avillez tinha apenas 17 anos quando começou a trabalhar na rádio, ainda antes do 25 de Abril, mas foi na imprensa escrita, nomeadamente no Expresso, onde entrou cinco meses depois da Revolução, que mais se notabilizou. “O grosso da minha atividade profissional e a dimensão que adquiriu veio realmente com a liberdade”, refere. Passou por todos os meios jornalísticos, escreveu diversos livros, conduz um podcast e ainda hoje é comentadora televisiva. Um percurso ímpar, que lhe valeu uma homenagem de carreira nos Prémios Activa Mulheres Inspiradoras, atribuídos pela revista Activa.
– Recebe este prémio quando se comemoram os 50 anos do 25 de Abril. Torna-o mais especial?
Maria João Avillez – É mesmo, o destino às vezes encena bem as coisas. Trabalhei imenso nestes 50 anos… Gosto muito que uma circunstância menos feliz [não esteve presente na cerimónia do ano passado para receber o Prémio Carreira devido a um problema de saúde do marido, Francisco van Zeller] tenha desencadeado um momento muito feliz nesta altura.
“Valeu a pena ter trabalho, ter-me esforçado e entusiasmado, ter sabido passar momentos menos bons e ter conseguido um equilíbrio entre trabalho e família.”
– Um reconhecimento pelo seu trabalho tem sempre um significado especial?
– Gostei muito de ver o meu trabalho premiado, não podia faltar de maneira nenhuma. Quer dizer que valeu a pena ter trabalhado, ter-me esforçado e entusiasmado, ter sabido passar momentos menos bons e ter conseguido um equilíbrio entre a família e o trabalho. Continuo ativíssima, nunca quis que uma coisa contaminasse a outra pelo lado negativo.
– Que memórias tem do dia da Revolução?
– Por mais estranho que pareça, estava com dois dos meus filhos numa outra casa que temos no concelho de Óbidos e não podia sair. O meu marido tinha vindo a Lisboa, só tínhamos um carro e as estradas não estavam completamente circuláveis, e ele não conseguiu voltar logo. Passei o dia sozinha com dois filhos pequenos ligada à televisão e à rádio. Foi extraordinário.
– Preza a liberdade que foi conquistada, ainda para mais como mulher num mundo de homens como eram os media?
– Muito, mesmo. Trabalhei antes da Revolução, por isso sei o que era ter textos censurados. Era muito mais complicado. Gostava que os jovens de vez em quando pensassem como seria não terem a vida tão livre como têm. Numa espécie de reflexão, porque a liberdade traz responsabilidade, não é de borla. É preciso saber usá-la, refleti-la e escolhê-la bem. É preciso ter a responsabilidade de um bom uso da liberdade, que é uma coisa fantástica.
“O 25 de Abril foi um momento único, não o trocava por nada.”
– Sentia-se uma privilegiada por estar do outro lado a veicular as notícias que o público lia?
– Emprego muitas vezes a palavra responsabilidade porque creio que muitas vezes temos falta dela. E se as pessoas a usassem mais, talvez fizessem melhor as coisas. Senti que aquela golpaça de liberdade e a democracia que tinha chegado finalmente a Portugal tinham trazido um grande entusiasmo em termos de trabalho nos vários setores e também de participação cívica. Foi um momento único, não o trocava por nada. Apesar do que se lia nos livros e de ter estado em países democráticos, era tudo novo naqueles primeiros anos.
– Acredita que ainda há muito a fazer pela igualdade dos direitos das mulheres?
– Há sempre coisas a fazer! As mulheres estão na liderança de muitos setores, desde a academia à vida empresarial e artística. Estão muito bem representadas e tenho, evidentemente, o maior orgulho nisso. Uma parte considerável das minhas entrevistas e reportagens foram feitas com mulheres.