É uma das rainhas mais progressistas e pragmáticas da nossa época. Aos 38 anos, dez dos quais no trono de um país de uma das regiões mais agitadas do mundo, Rania da Jordânia tem desempenhado um papel único na defesa dos direitos humanos, como activista a favor dos direitos e da educação das mulheres e como promotora do diálogo entre o Oriente e o Ocidente, tudo doseado com muito talento, sensatez e sensibilidade. "Ser rainha fascina mais o público do que a mim. Eu sinto-me uma pessoa normal, que vive para as pessoas que represento. É uma honra e um privilégio ter a oportunidade de contribuir para a mudança, para melhorar qualitativamente a vida das pessoas, e é minha responsabilidade tentar aproveitar ao máximo essa oportunidade", afirmou Rania, durante a sua recente passagem por Joanesburgo, capital da África do Sul.Numa das entrevistas mais intimistas e sinceras que concedeu até hoje, a rainha falou da sua vida no cenário internacional, de como educa os quatro filhos – o príncipe Hussein, de 14 anos, a princesa Iman, de 12, a princesa Salma, de oito, e o príncipe Hashem, de quatro -, da sua colaboração com o marido, o rei Abdullah II, e da sua luta pela paz no Médio Oriente. – Durante esta viagem voltou a ser confrontada com crianças desfavorecidas. Como explica aos seus filhos que existem outros meninos no mundo que vivem em condições muito difíceis?Rania da Jordânia – Sincera-mente, tento assegurar-me que eles compreendam e dêem valor aos privilégios que têm, e que realmente sintam conformidade com o seu interior e um sentido de responsabilidade para com os outros. Não se trata de sermos felizes individualmente, temos também que ter consciência de que não podemos ser totalmente felizes se os nossos vizinhos não tiverem, pelo menos, a oportunidade de o serem também. – Quando se ausenta de casa, deve sentir muitas saudades dos seus filhos…- Obviamente que tenho saudades deles. Estão constantemente a perguntar-me como é que consigo fazer um equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Em tempos cheguei a culpabilizar-me, porque tenho noção de que não sou muito boa a desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo. Mas, entretanto, apercebi-me que o sentimento de culpa é muito contraproducente, é um sentimento inútil e que, ao fazê-lo, estava simplesmente a castigar-me a mim própria. Por isso, quando estou a trabalhar, tento dar o meu melhor, e quando estou com os meus filhos, concentro-me a 100% neles. Claro que quando estou fora, dou por mim a pensar que deveria estar em casa com os meus filhos, pois esse é o lugar onde naturalmente deveria estar. Mas também aceito que é algo instintivo e que qualquer mãe sentirá o mesmo. – Os seus filhos estão a crescer muito depressa…- Estão a crescer realmente depressa e ter um adolescente em casa é fantástico, a sério! Um destes dias estava sentada ao lado do meu filho mais novo, de quatro anos, e da minha filha, de 14, recordei os tempos em que ela ainda era criança e pensei: ‘Como o tempo passou depressa…’ – Tem noção que já é rainha há dez anos?- Por um lado parece que passou num instante, mas, por outro, quando penso em tudo o que já aconteceu, fico com a impressão que já passou imenso tempo. Não se trata de contabilizar os acontecimentos importantes a que assistimos, mas sim de reflectir sobre o que alcançámos ao ajudar uma organização ou uma pessoa, ou ao conseguir mudar atitudes aqui e ali. Sinto realmente um carinho e amor incríveis pela Jordânia e pelo seu povo. Agora que já passaram dez anos, creio que estou mais centrada. A visão tornou-se mais cristalina e as minhas paixões e convicções tornaram-se mais nítidas. – Contou sempre com o apoio do seu marido, o rei Abdullah II, nas suas acções humanitárias?- Ele apoia-me de uma forma extraordinária… Para ele é tudo muito claro, especialmente agora, que o talento é tão valorizado. Ele tem apoiado imenso as mulheres do nosso país, o que tornou o meu trabalho muito mais fácil nesta área. – Se ele optasse por não apoiar tanto o seu trabalho e tivesse sido mais tradicionalista, provavelmente não teria sido possível fazer o que tem feito até aqui…- Sim, sem dúvida. E acredito que isso se pode aplicar a todos os casais. Quando duas pessoas são feitas uma para a outra, se cada uma delas puxar pelo que a outra tem de melhor, ambas crescem e tornam-se melhores pessoas quando estão juntas. Quando isso não acontece, a relação torna-se chata, monótona, e um deles acaba por colocar um ponto final na relação. No meu caso, sinto-me uma mulher de sorte, porque ele fez sobressair o melhor que há em mim e deu-me confiança. Por isso, sempre me guiei muito pelas suas opiniões. – Houve uma altura em que deve ter batalhado muito para continuar a desenvolver o seu trabalho, uma vez que enfrentou oposições por quebrar preconceitos e estereótipos…- Penso que o que nos deixa mais em baixo é quando nos questionamos ‘será que estou realmente a fazer a diferença’? Por vezes sentimo-nos impotentes, sentimos que não há nada que possamos fazer para mudar as coisas, mas não permito que esse sentimento se prolongue demasiado, porque é uma emoção negativa. Quando temos a certeza de que estamos no caminho certo, temos simplesmente que nos recompor e continuar a tentar. – Todavia, deve ter necessitado de muita coragem para expressar a sua opinião…- A coragem vem de acreditarmos naquilo que fazemos. Não penso em mim própria como uma mulher de coragem, mas como alguém que cumpre as suas responsabilidades representando aqueles que não têm voz activa. – Optou por não usar o tradicional véu. Tomou cedo essa decisão?- Sim, sem dúvida. Cresci num ambiente muito aberto e moderado (filha de um pediatra palestiniano, Rania viveu no Kuwait até Saddam Hussein o invadir, em 1990, altura em que a sua família se refugiou na Jordânia). Esse é o meu caso e o de milhares de mulheres no mundo árabe. No Ocidente há muita gente a associar o uso do véu à opressão e submissão das mulheres, o que não é absolutamente correcto. A maioria das mulheres usa véu porque elas próprias assim o querem, por ser um símbolo de piedade e de devoção a Deus. O que penso é que será muito perigoso começarmos a julgar as pessoas pelas roupas que usam. – Costuma acompanhar o mundo da moda…- Sim, é um modo de expressar a minha criatividade. Não creio que haja muitas alternativas no âmbito do meu trabalho em que o possa fazer. Sempre gostei de roupa e divirto-me a conjugá-la. – Dedica a maior parte do seu tempo aos outros. Consegue ter tempo para si própria? O que gosta de fazer nessas alturas?- Em primeiro lugar, penso que é importante sentirmo-nos felizes por nos darmos aos outros. Na realidade, também estamos a ganhar, pois é muito gratificante quando proporcionamos momentos de felicidade ou, simplesmente, conseguimos fazer alguém sorrir. No que me diz respeito, gosto de recarregar energias estando ao lado dos meus filhos, rindo com o meu marido ou, simplesmente, juntando-me com os meus amigos. Não há nada mais relaxante para nós do que ver um filme a comer pipocas, esse é o meu ritual. Ou então fazer um churrasco ao fim-de-semana. [a rainha aguarda em silêncio e termina desta forma a entrevista] – Estava a pensar acerca do que é suposto ser uma rainha… Quando nos passamos a definir por títulos ou posições, entramos em apuros, porque os títulos e posições vão e vêm. O que realmente conta são as nossas atitudes, acções e ideais. Penso que, independentemente dos nossos títulos, a vida oferece-nos oportunidades e temos de as saber aproveitar ao máximo.
Rania da Jordânia: “A moda é uma forma de poder expressar a minha criatividade”
Em Joanesburgo, a mulher do rei Abdullah deu a sua entrevista mais profunda, pessoal e humana