Júlia Pinheiro não compõe uma personagem. No seu discurso há transparência e espontaneidade. Neste encontro, que decorreu nos jardins do York House Hotel, descobrimos que por detrás da ‘apresentadora-furacão’ há uma mulher apaixonada que sabe amar de forma desmesurada e para quem a família está sempre em primeiro lugar. Esta entrevista, planeada no seguimento da história que criou para o livro
Não Sei Nada Sobre o Amor, acabou por ganhar outros contornos, mas foi precisamente o título do seu primeiro romance, que vai na sexta edição, que lhe deu o mote. Nesta conversa, a apresentadora de televisão, de 46 anos, fala do amor puro que vive há 25 anos com director de antenas da RTP,
Rui Pêgo, do amor incondicional pelos filhos,
Rui, de 20 anos, e as gémeas
Matilde e
Carolina, de 15, e de quem a ensinou a amar: os pais. Há referências à sua adolescência, à doença do pai e à forma como lida com o seu próprio corpo.
– Não acredito que não saiba mesmo nada sobre o amor…
Júlia – Costumo dizer que apenas sei sobre os meus amores, sobre o amor dos outros sei pouco. Acho que cada história de amor transcende os próprios, cada história de amor é única, irrepetível, daí ser tão fascinante. Sendo a história mais velha do mundo, é sempre nova. Isto é o que sei sobre os amores dos outros, sobre os meus estou bem e recomendo-me. [risos]
– Parece viver um grande amor, mas, curiosamente, o seu livro retrata quatro mulheres que nada sabem da matéria…
– Pois, é um livro sobre o desamor. Fala da dificuldade de o encontrar, entender, viver e, sobretudo, manifestar. É a história de gente que emocionalmente não foi preparada, que não foi ensinada a amar. Há duas vertentes do amor, o conjugal e romântico e o maternal, quer num contexto quer noutro os amores que as personagens vivem não são bem sucedidos…
– Ao contrário do seu amor com o Rui…
– A nossa força é a capacidade de nos entendermos, de nos interessarmos mutuamente e de termos uma cumplicidade que transcende, muitas vezes, o facto de sermos homem e mulher na mesma relação. Digo muitas vezes que o Rui é meu marido, meu amante, meu namorado, minha amiga, minha irmã, ele é tudo, e acho que essa é a riqueza da nossa relação.
– Como constroem esse amor?
– A responsabilidade é muito do Rui, que é mais trabalhador do que eu nesse sentido. Ele é um romântico, alguém que rompe a normalidade e faz com que as coisas pareçam mágicas. Eu não tenho nenhuma dessas capacidades, costumo dizer que ao lado dele sou um tijolo. [risos] Vá-se lá saber porquê, ele gosta de mim, eu dele, e o nosso casamento corre bem.
– Ainda é amor ou outros sentimentos falam agora mais alto?
– O amor, no estádio em que estamos, transcende aquilo que é a dimensão do fascínio. Ultrapassa o amor romântico, o amor físico, sendo que temos uma óptima temperatura nessa matéria. [risos] É uma coisa de proximidade, de intimidade absoluta. Ao lado dele posso estar alegre, triste e até em silêncio. Pode não parecer, até porque as pessoas têm de mim apenas a imagem pública e profissional e acham que sou doida varrida, mas preciso muito de tranquilidade, de não ouvir barulho, de uma espécie de bloqueio absoluto da agitação, e ao lado do Rui consigo isso. Ele compreende e percebe qual a altura em que preciso desse silêncio. E, aliás, é mais falador do que eu…
– Mesmo não parecendo…
– Pois, ele tem um ar sisudo, mas é muito divertido. Uma das coisas que nos dá muita força é que nos divertimos tremendamente ao lado um do outro. Não me divirto tanto ao lado de alguém como ao lado dele.
– São quase o casal perfeito…
– Não, de todo. Somos um casal que resulta e, seguramente, se Deus nos der saúde, acabaremos ao lado um do outro.
– São um daqueles casos para quem o amor e uma cabana chegariam?
– [risos] Se for uma cabana jeitosa. Hoje temos um certo desejo de estarmos sozinhos num sítio pequeno, que não dê muito trabalho.
– No livro diz que antigamente as mulheres não expressavam o seu amor. De que forma expressa o seu?
– Verbalizo, digo muitas vezes às pessoas que gosto delas… Aos meus filhos digo-lhes que os amo todos os dias, ao meu marido, de três em três dias, porque às vezes não o vejo. [risos]
– Em algum momento do vosso casamento pensaram desistir?
– Tivemos maus momentos, mas nunca desistiríamos.
– Como é que os vossos filhos olham para a vossa relação?
– Com um tédio imenso. [risos] Julgo que sentem sobretudo uma grande segurança.
– Consegue descrever o amor que se sente por um filho?
– É insano, estúpido, total, absoluto, incondicional, visceral, não tem tamanho. É tudo.
– Que tipo de relação mantém com eles?
– O Rui é já muito adulto, elas, em muitas coisas, são ainda muito meninas da mamã e do papá, noutras já são muito adultas. É uma fase muito agradável quando não estão os três à bulha, pois ainda têm aquelas cenas de irmãos e uns ataques de adolescência pungente.
– Uma das suas filhas passou por alguns problemas de saúde. Como lidou com isso?
– Em relação à saúde dos meus filhos e à vida deles, não faço comentários, eu é que sou a figura sobre quem as pessoas têm curiosidade. Sobre eles devo a reserva absoluta.
– A adolescência é uma fase complicada, com inseguranças, incertezas, descoberta… Como foi a sua?
– Tive as crises de crescimento, existenciais, normais. Fui uma adolescente bem-disposta, com muitas amizades e sempre a fazer muitas coisas ao mesmo tempo e ainda namorava violentamente, portanto, não tinha tempo para chatear os meus pais, mas claro que houve momentos de confronto.
– Viveu algum grande amor não correspondido?
– O meu grande, grande amor foi (e é), sem dúvida, o meu marido, foi uma coisa assolapadíssima, casei-me num estado catatónico de paixão e acho que ele também. Tive antes disso um namoro de alguns anos, típico de adolescência, que foi muito intenso num período e, depois, por alguma preguiça e inércia, porque dava imenso trabalho arranjar outro, foi-se arrastando mais no tempo do que deveria.
– Os seus pais eram permissivos?
– A minha mãe não tanto, o meu pai era disciplinador, muito conservador. Um pai à antiga, tirano mesmo. Por exemplo, nunca tive autorização para sair à noite e mesmo aos 18 anos só saía até à meia-noite e com alguém de confiança, namorar só em casa, e quanto ao resto, não tomavam conhecimento. [risos]
– O seu pai tinha abertura para expressar o amor que sentia por si?
– Sim, ele não é uma pessoa empedernida. É um homem doce, terno. Muita da cumplicidade entre mim e o meu pai é feita no humor. Somos ambos sarcásticos, cáusticos, de arrasar. A minha mãe diz que é um cansaço aturar-nos. [risos]
– Como reagiu quando soube que o seu pai tinha cancro?
– O prognóstico que tenho em relação à doença do meu pai é, não direi auspicioso, mas muito positivo. O meu pai tem uma doença oncológica que foi provocada, achamos nós, pelo vício de fumar durante décadas e ele deu-me o maior sinal de amor quando, diagnosticado o problema, lhe pedi para deixar de fumar. Achei que ele não conseguiria, mas fê-lo e, a partir desse momento, fiquei muito calma. Se foi capaz de chegar até aqui, a batalha que se segue não pode ser tão difícil quanto essa ruptura. Estou muito tranquila e ele está bem e animado.
– Tem medo da morte?
– Hoje a maturidade e o desaparecimento de algumas pessoas próximas dão-me maior tranquilidade sobre isso. Lido com a morte com uma serenidade que não tinha há uns anos. É inevitável, faz parte da vida, é preciso ter uma espécie de reserva emocional para o dia em que nos deparamos com a morte de alguém querido. Só não conseguiria ter essa tranquilidade se acontecesse com algum dos meus filhos, porque a perda de um filho é uma coisa que nem quero verbalizar. No meu caso, por exemplo, gostaria de morrer a dormir, é uma coisa que gosto de fazer…
– Parece ser uma pessoa bem ‘resolvida’. Lida bem com o seu corpo?
– Só não lidei quando realmente engordei mais do que a imagem televisiva suportava. Se não fosse a televisão, não pense que ia pôr-me mais magra, embora, por uma questão de saúde, também fosse importante, porque a menopausa está próxima e nessa altura tudo o que está nas ancas sobe para a cintura, que eu prezo e quero manter, portanto, foi bom ter emagrecido, mas muito pressionada pelo que estava a ver na antena. Portanto, emagreci, mas um bocadinho sob protesto. [risos]