É, se não o maior, um dos grandes, grandes senhores portugueses do vinho. Descendente em 6.ª geração do agricultor
José Maria da Fonseca,
António Francisco d’Avillez é casado com
Leonor Corrêa Henriques d’Avillez e tem quatro filhos e quatro netos. Engenheiro agrónomo de formação, mas com uma vida repartida por múltiplas actividades, foi o criador de vários vinhos cujos nomes todos conhecemos – o JP, o Bacalhoa, o João Pires, o Tinto da Ânfora, o Cova da Ursa, etc. – e prepara-se para nos oferecer, dentro de poucos anos, uma variedade peregrina e refinadíssima de Moscatel Roxo de Setúbal. É um dom, esta sua queda para castas que, num espaço de tempo fulminante, se tornam populares e são outorgadas ao mais alto nível.
Criou gado no Alentejo, chegando a ter 670 cabeças, mas nunca se conseguiu apartar durante muito tempo desta paixão que toda a vida perseguiu e levou
Joe Berardo a interessar-se pelos seus vinhos. Foi graças a uma equipa que integrou que se deve, para o bem ou para o mal, a chegada da Coca Cola a Portugal.
É, simultaneamente, um homem inspirado e de extremo bom gosto, um notável conversador, um apaixonado pelas coisas portuguesas e um embaixador exímio dos nossos vinhos em Portugal e no estrangeiro, onde chegou a vender mais de um milhão de caixas por ano. Um dia, teve uma ideia extraordinária: fabricar réplicas de azulejos portugueses antigos numa pequena fábrica que ainda existe em Azeitão, vila onde a família tem raízes, o casal vive em permanência e me recebeu para uma animada conversa.
– Vive aqui, em Azeitão, onde a tradição de vinhos familiares é grande…
– É verdade. Já o pai de José Maria da Fonseca tinha aqui uma adega…
– Isso mesmo: comece por nos falar desse homem e dessa firma de que só poucos conhecerão a história…
– Foi uma pessoa que se distinguiu no seu tempo. Mantinha contactos com congéneres franceses de onde recolheu sabedoria que aplicou nas suas vinhas e na completíssima Adega de Azeitão, onde trabalhei em rapaz, após ter terminado o estágio do meu curso, feito em Montpellier e em Bordéus. A empresa era então dirigida por
António Soares Franco, grande figura dos vinhos em Portugal, e depois pelo seu irmão, Eng.
Fernando Soares Franco, meus tios. Era nesse tempo a maior exportadora de vinhos do país, sem contar com os vinhos do Porto.
– E desse primeiro trabalho que teve, na Adega, como passa a empresário?
– Em partilhas, fiquei com a firma João Pires, a que me dediquei. Era meramente produtora de vinho a granel e só a partir daí a desenvolvi, criando várias marcas que tiveram muito sucesso. Comprámos terrenos aqui na zona e plantámos vinhas. Mais tarde, renunciei à minha posição de herdeiro na empresa José Maria da Fonseca. Foi então que o célebre comendador Berardo entrou na João Pires, primeiro com dinheiro para a firma e por último comprando quase toda a minha posição.
– Que marcas já produziu?
– Além das já faladas, criei o espumante Loridos. Fui durante muitos anos responsável pela produção do Lancers, que, no passado, vendeu um milhão de caixas por ano.
– Sendo detentor de um dom, pergunto: foram os enólogos que o ajudaram ou o António Francisco que ajudou os enólogos?
– Tive sempre comigo dois ou três enólogos com quem me dei bem e os nossos trabalhos foram sempre muito interessantes e bem sucedidos:
Miller Guerra,
Luís Oliveira,
Peter Bright,
Filipa Tomaz da Costa e
Vasco Penha Garcia.
– Qual o vinho da sua lavra de que mais gostou?
– O Bacalhoa, que foi um
must durante muitos anos, e o Tinto da Ânfora, que ganhou o prémio The Wine of the Year, no Wine Challenge de Inglaterra.
– E o que se popularizou mais?
– O que mais se popularizou foi o Lancers. Não foi criado por mim, mas fui quem o geriu desde o fabrico, fermentação,
habillage e venda durante 25 anos. E, claro, o famoso branco João Pires que, na altura, foi uma bomba nacional.
– Ouvi falar que nos prepara outro néctar…
– Sim, antes de deixar este mundo ainda quero fazer mais um vinho. Plantei uma vinha muito pequena e quero produzir, todos os anos, 3 mil garrafas de uma especialidade de Moscatel Roxo, que será vendido apenas com seis ou oito anos, pois vai estagiar durante todo esse tempo em madeira. Esta variedade de uva é praticamente exclusiva a este distrito e a uma determinada região de França, mas será a única a estagiar em madeira durante tanto tempo. Se eu cá não estiver, alguém que o faça por mim… E sim, claro, será um néctar [risos].
– Esteve durante alguns anos impedido de beber por razões de saúde. Calculo que lhe tenha custado…
– Nem me lembre, Rita! Estive quase sete anos sem beber vinho, por causa de uma pancreatite crónica. Fui operado e daí para cá foi um ver-se-te-avias! Era um tormento estar em festas,
cocktails e eventos sociais sem ter um copo nas mãos…
– Uma vez disse numa entrevista
"o vinho é um bem escasso" e fez-me
estremecer: alguma ameaça a pairar sobre os nossos vinhos?
– Sou da opinião que, no campo da qualidade, se evoluiu muitíssimo desde 1970 para cá. Mas, de facto, tenho um certo receio de que possamos ser invadidos por vinhos estrangeiros igualmente muito bons, mas mais baratos do que os nossos. É possível, e acho até um milagre não ter ainda acontecido. Falta-nos conseguir produzir a menos custo.
– E como Joe Berardo se torna seu sócio?
– Ele costumava contar que foi através do vinho Catarina, produzido pela firma João Pires, de que ele gostava muito. Pediu a um amigo comum que nos pusesse em contacto e foi assim que ele entrou na empresa.
– Que opinião tem sobre ele?
– É uma pessoa muito esperta, muito activa, que aproveitou muito bem as oportunidades que a vida lhe deu. E um autêntico
self-made man, mas com um invulgar sentido de negócio. Toda a gente sabe, e ele próprio o diz, que esta história do BCP lhe correu muito mal, mas vão ver que ele dará a volta por cima.
– E a sua paixão por motos?
– Aos 16 anos comprei a minha primeira mota num leilão da Federação Nacional de Moagens. Nunca mais parei até aos 76 anos, quando vendi as duas que tinha na altura. A minha preferida era uma Honda CBR 1100, com a qual fui batendo os meus próprios recordes de longo curso, como ter feito 2.310km em 27 horas, sem dormir, numa ida e volta a Biarritz.
– Teve muitas motos?
– Tive 20 motos ao longo da minha vida. Uma vez, saí para ir almoçar a Madrid, ao famoso restaurante Valentino, e voltei para jantar em Azeitão. Na volta, fui mandado parar pela polícia que me perguntou
"Sabe a que velocidade vinha?" Encolhi-me um pouco e disse
"Um pouco depressa, não?"
"Vinha a 175km/hora", disse-me ele. Contei-lhe que vinha de longe, que estava quase a anoitecer e que queria chegar a Azeitão a tempo de jantar, tudo isto enquanto ele ia multando outros carros. Entretanto, eu ia mantendo a conversa acesa, pois eles têm um certo compadrio com os
motards [risos]. E eu ali ao lado dele, escarranchado na mota. A certa altura tirei o capacete e ele, espantado, perguntou-me que idade tinha eu. Respondi
"68", e ele
"E vinha a esta velocidade de onde?"
"De Madrid…" Depois de me ralhar, disse
"Vá-se embora e não me apareça mais…"
– [risos] Além de terra gosta de mar: tem uma traineira que, todos os Verões, faz as delícias dos seus convidados, no Algarve. Dizem que dar um passeio na Alzirinha é um programa inesquecível…
– A Alzirinha é uma traineira de pesca por mim adaptada a "regalista", termo usado em Setúbal e Sesimbra para os barcos que não são de trabalho. Tem uma enorme popa de "leque" acolchoada que faz as delícias da minha família e dos meus convidados. Além disso, todos os mestres que tive até hoje foram grandes cozinheiros… Sabem lidar com o peixe de uma forma fantástica! Há 20 anos que passo o mês de Agosto a bordo da traineira e convido amigos para almoçar e passear.
– E agora esta ideia espantosa das réplicas de azulejos? Como surgiu?
– Surgiu porque eu acompanhava muito o meu tio António, que tinha uma grande paixão por azulejos. E fui aprendendo com ele…
– Está preparado para grandes encomendas? A exportação é uma hipótese?
– Fizemos há três anos a decoração de um casino em Macau que ficou um espectáculo, e, no ano passado, um trabalho dentro da Igreja de Nossa Senhora d’África, em Ceuta, construída pelos Portugueses em 1500.
– Não é bonito reparar-se, mas esta vossa casa é mesmo para ser apreciada…
– Fi-la em dois anos, com dois pedreiros e um carpinteiro daqui. As divisões foram concebidas pela minha mulher e toda a construção dirigida por mim. O terreno, com 1,5ha, custou 100 contos há quase 50 anos. Foi um amigo que me emprestou o dinheiro.
– Abençoado! [risos] Para terminar: tem alguma divisa na vida? Um lema, uma norma que o oriente?
– A base da educação que transmiti aos meus filhos: acima de tudo, não mentir.
Nota: por vontade da autora, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico